Encaminhamentos da Atenção Básica a uma Clínica-Escola de Psicologia

Referrals Analysis of Primary Health Care to a Psychology School Clinic

Derivación de Atención Primaria a una Clínica Escuela de Psicología

Isabela Cedro Farias1

Centro Universitário Inta (UNINTA)

Camilla Araújo Lopes Vieira

Universidade Federal do Ceará (UFC)

Resumo

A pesquisa objetivou analisar os encaminhamentos da Atenção Primária à Saúde do município de Sobral ao Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), da Universidade Federal do Ceará (UFC). O estudo teve delineamento quantiqualitativo do tipo documental, uma vez que os prontuários do SPA foram a fonte de estudo. Os resultados encontrados apontam que os psicólogos da atenção básica foram os profissionais que mais encaminharam pacientes ao serviço e que o público feminino adulto com a queixa de ansiedade/depressão foi o perfil que se sobressaiu. Os dados revelam a não continuidade do processo de cuidado e do contato dos Centros de Saúde da Família (CSF) com o SPA, ao mesmo tempo que coloca o serviço-escola em um lugar de referência como espaço para as ações em Psicologia à população. Pesquisas futuras podem focar nas relações de gênero e sofrimento psíquico e em análises dos encaminhamentos que chegam a partir da atenção especializada.

Palavras-chave: Psicologia, Atenção Primária à Saúde, Saúde Mental

Abstract

This research aims at analyzing the referrals from the Primary Health Care in the city of Sobral to the Applied Psychology Service (SPA), from the Federal University of Ceará (UFC). The study had a quali-quantitative design of the documental type, since the medical records from the SPA were the source of study. The results found point out the Primary Health Care psychologist as the professional that most refers patients to the service and also reveals the profile of most of the patients as adult females with the complaints of anxiety and depression. The data reveals the non-continuity of the health care process and the contact between the Family Health Centers with the SPA, putting at the same time the school clinic as the reference choice for Psychology actions with the community. Future researches may focus on the relation of gender and psychic suffering and referral’s analysis from specialized health care.

Keywords: Psychology, Primary Health Care, Mental Health

Resumen

La investigación objetivó analizar las derivaciones de la Atención Primaria de Salud del condado de Sobral al Servicio de Psicología Aplicada (SPA), de la Universidad Federal de Ceará (UFC). El estudio se caracteriza como cuanti-cualitativo del tipo documental, una vez que los prontuarios del SPA fueron la fuente de estudio. Los resultados encontrados apuntan que los psicólogos de la atención primaria fueron los profesionales que más derivaron pacientes al servicio y que el público femenino adulto con la queja de ansiedad/depresión fue el perfil que se sobresalió. Los datos revelan la no continuidad del proceso de cuidado y contacto de los Centros de Salud de la Familia con el SPA, al mismo tiempo que coloca el servicio-escuela en un lugar de referencia como espacio para las acciones en Psicología para la población. Investigaciones futuras pueden centrarse en las relaciones de género y lo sufrimiento psicológico y los análisis de derivaciones que provienen de la atención especializada.

Palabras clave: Psicología, Atención Primaria de Salud, Salud Mental

Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS), além de uma estratégia de organização e reorganização dos sistemas de saúde nos quais representa o primeiro nível de atenção, é um modelo de mudança da prática clínico-assistencial dos profissionais aí inseridos (Oliveira & Pereira, 2013). De início, é importante esclarecermos que utilizamos o termo APS como sinônimo de Atenção Básica (AB), embora se considere que tal designação é a adotada pelo governo brasileiro com o objetivo de contrapor-se à proposta político-ideológica da atenção primária como sendo seletiva e destinada às populações pobres (Oliveira & Pereira, 2013).

A APS tem na Estratégia Saúde da Família (ESF) eixo estruturador de seu desenvolvimento e da sua expansão pelo Brasil, sendo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada, devendo, para isso, deter os atributos requeridos de uma atenção básica, quer seja a integralidade, quer seja a continuidade dos cuidados, ambos fortemente dependentes de um efetivo sistema de referência e contrarreferência (Aguilera et al., 2013).

Dentro desse campo de saúde, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) surge com o propósito de ampliar a cobertura de ação na estratégia de saúde da família, oportunizar suporte às múltiplas ações de saúde e fomentar maior resolutividade do cuidado. A partir de 2017, ampliou sua versão na Política Nacional de Atenção Básica e vem sendo um importante recurso para acolher os casos de saúde em geral e saúde mental, em específico (Nascimento & Cordeiro, 2019). Criado em 2008, visando à corresponsabilização das práticas de cuidado e ampliação da resolutividade na Atenção Básica (Klein & D’Oliveira, 2017), o NASF tem também a função pedagógica e assistencial às equipes de saúde da família, que fortemente são marcadas pela formação técnica, mas que necessitam constantemente se revisitarem em suas práticas quanto aos vínculos e ao cuidado.

Nesse cenário de atenção primária à saúde, sabe-se que demandas em saúde mental são crescentes. Nos cadernos de Atenção Básica − NASF (Ministério da Saúde, 2010), é apresentado que 56% das equipes de Saúde da Família referiram realizar alguma ação de saúde mental, sendo a depressão e a ansiedade as situações de sofrimento psíquico mais recorrentes na Atenção Básica, segundo estudo da OMS, em 2001. Já no Caderno de Atenção Básica − Saúde Mental (Ministério da Saúde, 2013), é apresentado que 1 a cada 4 pessoas que procuram a AB têm algum transtorno mental segundo a décima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 10).

Contudo, ainda que se tenham evidências da atuação benéfica da Atenção Básica, sabe-se que grandes são os seus desafios. Em se tratando especificamente das situações que envolvem a saúde mental dos pacientes, é notório uma dificuldade na lida com os casos.

Realizamos uma revisão de literatura de estudos que envolvessem os descritores “APS” e “Saúde Mental” e, após a análise de 17 artigos, identificamos como principais dificuldades para tal situação: falta de capacitação dos profissionais, falta de articulação entre as equipes e redes de saúde, centralização da medicalização e escassez de profissionais. Assim, o encaminhamento e a descontinuidade da atenção de tais casos são as práticas mais recorrentes em tais situações.

De acordo com Alvarez et al. (2019), percebem-se ações isoladas de profissionais tanto da equipe de ESF como de profissionais da equipe do NASF na assistência às demandas de saúde mental na Atenção Básica. Apontam como desafio a percepção da implicação dos trabalhadores da Atenção Básica quanto aos casos de sofrimento psíquico. Ainda que o NASF, como estrutura de apoio, tenha em sua composição profissionais de psicologia, tal fato não garante que os casos que chegam possam ter resolutividade na própria atenção básica. No paradoxo, entre demarcar o caráter não ambulatorial do NASF e o contexto complexo da atenção básica à saúde, os psicólogos do NASF apontam tensões e conflitos nas relações de trabalho com a Equipe de Saúde da Família (ESF): “Chama a atenção o pouco compromisso de parte dos profissionais sobre quem prestará a assistência psicoterapêutica, já que quase não há serviços na rede assistencial pública dirigidos ao cuidado contínuo do sofrimento psíquico” (Klein & d’Oliveira, 2017, p. 7).

Nesse cenário, os cursos de Psicologia têm revisitado sua formação, e seus serviços-escola têm se tornado cada vez mais relevantes para os acompanhamentos dos casos em saúde mental em que estão circunscritos, dando suporte ao município, ainda que de forma oficiosa, tendo em vista que ainda não são reconhecidos oficialmente como dispositivos das políticas públicas de saúde (Gomes & Dimenstein, 2016). Para Gauy e Fernandes (2008), a clínica-escola em Psicologia se configura como um ambiente associado a uma instituição de ensino, no qual o aluno completa sua formação ao realizar a prática clínica, sob a orientação de um professor supervisor. Sua implantação é prevista pelo Parecer 403/62, que criou a profissão do psicólogo, a qual foi regulamentada pela Lei 4.119/62, ficando prevista a organização de serviços clínicos e de aplicação à educação e ao trabalho, orientados e dirigidos pelo Conselho dos Professores do curso, abertos ao público, de forma gratuita ou remunerada.

Norteados por tais discussões, realizamos uma pesquisa que teve como objetivo analisar os encaminhamentos realizados da atenção primária à saúde do município de Sobral, CE, ao Serviço de Psicologia Aplicada do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Método

Tipo de Pesquisa e Locus

A pesquisa foi quantiqualitativa documental, partindo de uma pergunta exploratória. Giddens (2012) considera que a pesquisa pode ser feita pelo método misto quantitativo e qualitativo, com vistas à compreensão e explicação ampla de estudo. A pesquisa foi realizada no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Sobral, CE. No município, o curso existe desde 2006. O SPA é o dispositivo que completa a formação do aluno, ao mesmo tempo que promove o contato com a comunidade. Entre as atividades realizadas, tem-se: acolhimento, triagem, atendimentos individuais e atividades grupais. O município tem relevância no cenário da Saúde Pública, por ser referência do modelo técnico assistencial da rede de Saúde, com especial destaque para a Rede de Atenção Integral à Saúde Mental.

Amostragem e coleta de dados

Quanto ao procedimento, trata-se de pesquisa documental, tendo os prontuários do serviço como fonte de estudo, com a forma de encaminhamento como foco de fonte primária, ainda que colhendo informações como data de admissão, sexo, idade, queixa, procedimento adotado e situação atual, com coleta de dados realizada entre abril e julho de 2016. Foram selecionados os mil primeiros prontuários e os dados coletados analisados a partir do programa de estatística IBM Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS), gerando informações sobre os encaminhamentos ao SPA pela APS do município. Do total pesquisado, 293 prontuários vieram encaminhados da atenção básica, ou seja, quase 30% dos casos recebidos pelo serviço-escola da Universidade. Essa foi a amostra de estudo da pesquisa.

Análise dos Dados

Utilizamos como método de análise de dados a Análise de Discurso Crítica (ADC). Segundo Resende e Ramalho (2011), a ADC consiste em “. . . um conjunto de abordagens científicas interdisciplinares para estudos críticos da linguagem como prática social” (p. 12). Baseado no entendimento do discurso como prática social, realizamos reflexão crítica dos materiais de que dispomos. Além do aspecto quantitativo dos prontuários, lançamos mão de alguns registros dos prontuários analisados. Para manter o sigilo do usuário do serviço, o prontuário foi representado pela letra “P” seguida do número referente à ordem do prontuário (Ex.: “P123”, referente ao 123º prontuário na ordem dos registros).

Cabe mencionarmos que a análise era feita tanto a partir da guia de encaminhamento do paciente como das anotações, realizadas pelo estagiário de psicologia responsável pelo paciente, do prontuário propriamente dito. A guia de encaminhamento refere-se a um documento físico que o paciente recebe na Atenção Primária de Saúde, o qual consta, na maioria das vezes, de uma breve apresentação do caso e os motivos do encaminhamento. Esse documento pode ser elaborado pelos diversos profissionais que atuam na atenção básica de um município (médico, enfermeiro, profissionais do NASF) e é uma prática comum, uma vez que se entende a importância de haver uma rede de apoio multidisciplinar a dar conta da totalidade de pormenores envolvidos na constituição da saúde de cada sujeito.

Procedimentos éticos

Os prontuários que foram analisados são fontes sigilosas de informações. Têm acesso ao seu manuseio apenas os estagiários, coordenadores do serviço e professores-supervisores. Diante desse fato, inicialmente, enviamos o projeto de pesquisa para a apreciação do colegiado do curso de Psicologia, e só com a aprovação dele foi que se deu continuidade ao processo de cadastro do projeto de pesquisa. Submetemos a presente pesquisa ao Comitê de Ética da UFC, por meio do portal eletrônico da Plataforma Brasil. O projeto foi aprovado nos termos do parecer n. 1.520.402 e CAAE: 53570816.1.0000.5054.

Resultados

Dos 1.000 primeiros prontuários do serviço-escola em estudo, 293 foram encaminhados da atenção primária à saúde (período entre 2012 e 2014). Chegou-se a esse dado ou pela demarcação nítida por meio da guia de encaminhamento que constava na pasta do paciente, ou pela informação colhida na ficha de cadastro do usuário no serviço que constava da opção “Como chegou ao serviço?”. A análise dos prontuários foi guiada pelo estudo em eixos. Na construção destes, levamos em consideração tanto os aspectos recorrentes no material analisado como os pontos surgidos que eram fecundos de discussão. Os eixos elencados foram: Eixo 1 − Encaminhamentos e queixas, Eixo 2 − Perfil e demandas e Eixo 3 − Relação entre os serviços.

Eixo 1 − Encaminhamentos e Queixas

Entre os profissionais da Atenção Primária que encaminharam pacientes para o SPA, estão: os psicólogos (25,8%), os médicos generalistas (22%), os psiquiatras (15,1%) e os enfermeiros (11,3%).

Figura 1

Profissionais que Encaminham ao SPA

Os psicólogos da atenção primária do município de Sobral, CE, são os das equipes de Núcleo de Assistência à Saúde da Família (NASF) e os das duas residências multiprofissionais (Saúde da Família e Saúde Mental). As equipes de NASF atuam, sobretudo, com o apoio matricial às Equipes de Saúde da Família. Atendimentos individuais não são indicados, e as normas do Ministério da Saúde sobre a atuação do NASF consideram que “O atendimento clínico individual faz parte apenas ocasional das atribuições regulares dos profissionais do NASF” (Ministério da Saúde, 2010, p. 65) e que “Tal atendimento direto e individualizado ocorrerá apenas em situações extremamente necessárias” (Ministério da Saúde, 2010, p. 8). Em relação às Residências Multiprofissionais no município, estas também atuam como Apoio Matricial. Os profissionais que compõem a equipe têm um volume importante de atuações e atribuições e, como as equipes de NASF, atuam também de forma a atender às diretrizes de orientação do trabalho, realizando atendimento clínico individual como exceção. A prática mais comumente adotada nos serviços são ações em grupo. Em um outro documento do Ministério que também trata da atuação das equipes de NASF (Ministério da Saúde, 2014), é sugerido que as equipes de NASF executem ações como grupos educativos, grupos terapêuticos, grupos na abordagem de terapia comunitária, atividades de relaxamento em grupo, grupos de promoção à saúde, grupos abertos de acolhimento, grupos temáticos relacionados a determinadas patologias (hipertensão, obesidade), grupos de medicação, entre outros. Tais pontos podem ter relação com o fato de os psicólogos serem os profissionais da psicologia que mais encaminham para o SPA.

Vasconcelos e Aléssio (2019) consideram que o psicólogo do NASF é colocado pela ESF como o profissional que dará conta do sofrimento do outro. O psicólogo do NASF, por sua vez, embora identifique a necessidade de um atendimento individual, acaba por entender que sua atuação de suporte e matriciamento às equipes envolve uma outra lógica de cuidado. Portanto, o encaminhamento surge como uma tentativa de direcionamento e resolubilidade dos quadros de sofrimento com demanda para psicoterapia que lhe são direcionados.

Em relação aos encaminhamentos em si, descritos textuais assinados por profissionais que encaminham, as queixas foram apresentadas como: “choro fácil”, “TAG” (Transtorno de Ansiedade Generalizada), “H.D: F.32” (hipótese diagnóstica de episódios depressivos), “sintomas de ansiedade e fobia em suas atividades diárias”, “distimia”, “humor deprimido, sintomas ansiosos e somáticos”, “conflitos internos a serem trabalhados”, “conflitos com o companheiro”, bem como “sensação de impotência”. Adiante, trataremos de refletir melhor a respeito de tais nomenclaturas.

Eixo 2: Perfil e demandas

Dos 293 prontuários encaminhados da atenção básica, a pesquisa revelou que os casos são em maior número de pacientes do sexo feminino (69%), com faixa etária de 31 a 50 anos (35,8%) e com sensação de ansiedade, nervosismo e tensão encadeados como queixas de maior ênfase (29%).

Figura 2

Prontuários da APS por Faixa Etária

Figura 3

Maiores Queixas Registradas dos Prontuários da APS

Os dados obtidos estão em consonância com o que a literatura existente apresenta: na fase adulta, o público feminino é o que mais procura o serviço (Maraviesk & Serralta, 2011; Justen et al., 2010; Oliveira et al., 2013).

Outro dado que merece destaque é o aparecimento de queixa do comportamento da criança como a terceira maior (15%). Cabe o registro de que seguimos a lista de queixa já criada pelo SPA, em que a “queixa do comportamento da criança” envolve tudo que chega como referência a “algo que não vai bem”, seja em casa, referido pelos pais e encaminhado por esta razão, seja na escola, endereçado ao serviço de saúde ou ainda do próprio serviço de saúde. Para Cord et al. (2015), as escolas continuam solicitando intervenções dos profissionais de saúde voltadas ao diagnóstico e à medicalização das crianças, configurando uma verdadeira culpabilização dos alunos pelas dificuldades de aprendizagem.

Eixo 3 − Relação entre os serviços

Diante da análise dos encaminhamentos da APS ao SPA, não foi vista coordenação do cuidado, longitudinalidade e tampouco integralidade em relação aos casos de sofrimento psíquico do município. De tal forma, não podemos dizer que há relação entre os dois serviços. Da parte da atenção primária, houve, em dois casos, o encaminhamento da cópia do prontuário como tentativa de fortalecer a justificativa do encaminhamento para um serviço de psicologia. Não houve, contudo, um contato para a realização de um trabalho articulado entre os serviços. O Agente Comunitário de Saúde (ACS) aparece como profissional da equipe que entrou em contato com o serviço para saber sobre o estado dos pacientes, também em dois casos. Em um único encaminhamento, a equipe registrou o contato telefônico, mostrando-se disponível para mais informações sobre o caso. Especificamente, uma profissional de psicologia fazia o mesmo no que se referia aos encaminhamentos feitos por ela para o serviço de psicologia. Tais casos apresentados foram tudo que se pôde inferir do contato/relação entre os serviços.

Discussão

Eixo 1 − Encaminhamentos e queixas

A informação de que os psicólogos (do NASF e das Residências) são os profissionais que mais encaminham mostra que consideram relevante o trabalho terapêutico continuado, mesmo que não o façam na maioria dos casos que acompanham, em função do caráter do trabalho psi na atenção básica. A pesquisa mostrou também muitos encaminhamentos de outros profissionais, médicos e não médicos, e revelou que é necessário o trabalho de formação dos profissionais da atenção básica para lidar com questões que podem ter resolutividade in loco, como os que chegaram com a descrição “choro fácil”. Para Vaconcelos e Aléssio (2019), há, entre os profissionais da Atenção Básica, um claro estereótipo em relação ao psicólogo. Nessa perspectiva, quando se trata de saúde mental, enfrentam entraves na realização de atividades coletivas, no compartilhamento dos casos, e há um nítido direcionamento apenas para o psicólogo. Alves, Bruning e Kohler (2019) apontam como fragilidades em relação ao NASF a falta de entendimento da ESF sobre o real intuito da estratégia, fragilidades de comunicação entre equipes e dificuldade de construção conjunta do Projeto Terapêutico Singular.

As queixas de muitos pacientes se concretizaram. Ainda que sob outros entendimentos diagnósticos de si, os pacientes revelaram demandas de psicoterapia, revelando a necessidade da elaboração de seus conflitos. Nesse sentido, o SPA aparece com o papel de acolhimento e acompanhamento terapêutico, impactando positivamente no fluxo de acolhida de sofrimento psíquico no município. Além disso, vimos como outro efeito que, com os encaminhamentos da saúde, muitos estagiários passam a entender a relação do usuário com os SUS, a ação em rede, as demandas, os fluxos e contrafluxos.

Ademais, podemos refletir sobre a diversidade de formas de descrever a queixa em saúde mental. Tal fenômeno representa a complexidade de entender e nomear o sofrimento psíquico, ainda que os manuais internacionais sejam balizas para a busca de uma linguagem comum. A pesquisa revela demandas de sofrimento e a procura de espaços para elaboração. Em um dos prontuários, temos que o paciente procura um “descarrego em palavras” (P244).

Eixo 2: Perfil e demandas

A Atenção Primária à Saúde do município de Sobral, CE, encaminha ao Serviço de Psicologia Aplicada, predominantemente, mulheres entre 31 e 50 anos com a queixa de sensação de ansiedade, nervosismo e tensão. Encaminha também homens, crianças, velhos, “depressivos”, “hiperativos”, que buscam por atendimento psicológico na rede primária de saúde e que lá não encontram espaço, seja pela resistência de trabalhar com casos de saúde mental, seja porque as equipes têm um volume de trabalho que não as permite dispensar o cuidado à população a partir das demandas subjetivas, ou as duas coisas.

Sobre o fato de as mulheres serem o público mais recorrente, Romaro e Oliveira (2008) consideram que há maior aceitação sociocultural para elas exprimirem seus sentimentos. Mais do que isso, consideramos que são as que mais procuram atendimento psicológico também aquelas que acumulam os papéis de mãe, esposa, filha, avó, dona de casa, trabalhadora. Em tal público, feminino, adulto, aparecem como quadros o transtorno de ansiedade (32,7%), depressão (27,3%) e problemas relacionais com familiares ou parceiros (17,8%).

A queixa do comportamento da criança aparece como a terceira maior, com 35 casos de meninos e 34 casos de meninas. Em outros estudos, as demandas estão relacionadas em maior número ao transtorno de aprendizagem (Vivian et al., 2013; Borsa et al., 2013; Boaz, Nunes & Hirakata, 2012; Nakamura et al., 2008; Campezzato & Nunes, 2007), seguido de comportamentos agressivos (Moura et al., 2008; Wielewicki, 2011). Em nosso estudo, contudo, a queixa do comportamento da criança foi a mais recorrente. Quando se trata de atendimento com crianças, é sempre importante observarmos o que é demanda real da criança e o que é demanda dos familiares ou mesmo uma queixa da escola.

Nos prontuários, vimos pedidos de familiares para “educar” a criança, “melhorar o comportamento”. Uma avó diz: “Psicoterapia será importante para a menina se comportar” (P44); ou a mãe que refere: “Ele precisa de auxílio psicológico para trabalhar algumas questões de seu comportamento” (P328). Para Pereira (2014), ou valorizamos “o sujeito” ou “seus comportamentos”. Ao nos fixarmos somente nos comportamentos supostamente inadequados, corremos o risco de fecharmos diagnósticos, o que, do ponto de vista clínico, é pouco terapêutico. Ainda, nos achados da pesquisa, apareceu a expectativa da resolução de um conflito familiar em uma situação de separação dos pais: “Avó (acompanhante da criança) sugeriu que a estagiária pedisse à mãe da criança pra voltar para casa” (P2). Esses pedidos e expectativas revelam o imaginário social sobre a função do psicólogo como um conselheiro ou alguém com o poder de mudar o comportamento, “ajustar” o que está errado. Em se tratando da fala dos pais/familiares, a pesquisa releva o pedido também de ajuda na função de educar.

Problemas na gravidez, genitora da criança usuária de drogas, histórico na família de problemas psicológicos, depressão pós-parto e quedas com impacto na região da cabeça apareceram como causas para o comportamento “desviante” das crianças.

As falas “A professora sugeriu que a mãe trouxesse o menino por queixa de comportamento” (P834), “A escola solicitou uma avaliação psicológica para que possa montar um plano de trabalho para realizar com a criança” (P759), “Os profissionais da escola a orientaram a procurar atendimento psicológico (relato da mãe)” (P620), “Segundo a diretora, o garoto não se concentra em fazer a tarefa de casa, só quer pintar” e “Não sabe fazer o mínimo esperado para o Infantil V” (P494) revelam encaminhamentos indiretos das escolas e a relação destas com o discurso e saber médico. Em laudo de neuropediatra, aparece: “Portadora de atraso escolar associado a distúrbio de comportamento, com introspecção, agressividade, humor oscilante. Importante deficit intelectual” (P135). Para Oliveira et al., (2014):

. . . a exclusão e o fracasso escolar têm resultado de uma concepção de estudante, de sociedade e de educação que ainda entende as diferenças que constituem o sujeito como naturalmente dadas, partindo de uma prerrogativa determinista e biologizante na compreensão do fenômeno (p. 479).

A escola, composta por família, professores e comunidade, revela o protagonismo na construção de informações sobre dificuldades de aprendizagem ligadas aos quadros psicopatológicos como “distúrbios do comportamento” das crianças.

Eixo 3 − Relações entre os serviços

Os encaminhamentos da atenção primária ao serviço de psicologia existem, são significativos, superados apenas pelos que chegam ao serviço por demanda espontânea. Os prontuários não revelam, no entanto, a continuidade do trabalho corresponsável. Ainda que o foco do acolhimento das demandas na atenção básica seja dado no território, não há necessariamente absorção como um problema para ser resolvido ali, gerando encaminhamentos para outros níveis de atenção ou serviços considerados necessários. Como anteriormente mencionado, há uma dificuldade de diálogo entre as próprias equipes de NASF e ESF, ainda que estejam ambas na atenção básica e devendo uma ser a “apoiadora” da outra. Podemos compreender, portanto, a não relação estabelecida pelos atores da atenção básica com o SPA.

É importante mencionarmos que, ao realizarmos um estudo sobre a relação entre APS e SPA, acabamos por evidenciar a configuração da atenção à saúde mental da realidade do município. O SPA, contudo, está fora do sistema, ao menos de forma oficial. Pesquisando o ponto de vista dos próprios atores da atenção básica, Araújo Neto (2015) constatou que há, por parte deles, o entendimento de que o psicólogo, por exemplo, deveria ser um profissional a ser incluso na ESF. Já os profissionais do NASF se queixam da carência de outros serviços especializados que sirvam de subsídios, relatam a necessidade de uma retaguarda especializada (Alves et al., 2019).

Considerações Finais

O serviço de Psicologia, espaço de aprendizado para os estudantes de psicologia, vem se consolidando como um importante instrumento de acolhimento a demandas do município, em especial do sistema de saúde pela atenção básica. Os encaminhamentos revelam o reconhecimento do serviço e sua consolidação no atendimento à população, ao mesmo tempo em que apontam a necessidade de fortalecimento do diálogo entre atenção à saúde e serviço de Psicologia, com a inclusão do serviço como protagonista na rede de assistência. A Universidade cumpre sua função social quando propõe estratégias de atuação fora do seu espaço acadêmico, corroborando a proposta de assistência e, portanto, de fortalecimento da assistência à comunidade. Ao mesmo tempo, percebemos, cada vez mais, que tem se concentrado na atenção primária a responsabilização sobre o cuidado às pessoas, sendo importante reconhecer a dimensão da saúde mental na saúde integral. A universidade pode ser uma parceira na resolubilidade dos problemas de saúde dos usuários.

Vimos também o reconhecimento da importância da clínica psicológica, do atendimento individual continuado e do processo de trabalho de escuta no cuidado ao usuário que busca assistência à saúde.

Por fim, consideramos que nosso objetivo foi trabalhar os encaminhamentos no recorte dos mil primeiros prontuários cadastrados no serviço de Psicologia. Neste sentido, apresentamos limitações, tendo em vista que não conseguimos aprofundar o entendimento da relação entre escola e discurso médico e relações de gênero quanto ao atendimento, já que os encaminhamentos revelam que mais mulheres procuram o serviço. Pesquisas futuras podem focar nos casos masculinos, como os homens estão lidando com seus sofrimentos subjetivos. Outras pesquisas, ainda, podem revelar como são os encaminhamentos que chegam a partir da atenção especializada.

Referências

Aguilera, S. L. V. U., Franca, B. H. S., Moyses, S. T., & Moyses, S. J. (2013) Articulação entre os níveis de atenção dos serviços de saúde na Região Metropolitana de Curitiba: desafios para os gestores. Revista de Administração Pública, 47(4), 1021-1040. https://doi.org/10.1590/S0034-76122013000400010

Alvarez, A. P. E., Vieira, A. C. D., & Almeida, F. A (2019). Núcleo de Apoio à Saúde da Família e os desafios para a saúde mental na atenção básica. Physis [on-line], 29(4), e290405. https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290405

Alves, R. B., Bruning, N. O., & Kohler, K. C. (2019). “O Equilibrista”: Atuação do Psicólogo no NASF no Vale do Itajaí. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, e186600. https://doi.org/10.1590/1982-3703003186600

Araújo Neto, J. D. (2015). Avaliação responsiva e construtiva do Programa Núcleo de Apoio à Saúde da Família – NASF quanto ao princípio da integralidade (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Sobral, CE, Brasil).

Boaz, C., Nunes, M. L., & Hirakata, V. N. (2012). A Problemática do Desenvolvimento de Crianças assistidas por Clínicas-Escola Brasileiras mudaram no decorrer das décadas? Psico, 43(3), 334-340. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/8328/8234

Borsa, J. C., Oliveira, S. E., Yates, D. B., & Bandeira, D. R. (2013). Centro de Avaliação Psicológica − CAP: Uma clínica-escola especializada em avaliação e diagnóstico psicológico. Psicologia Clínica, 25(1), 101-114. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652013000100007

Campezzato, P. V., & Nunes, M. L. (2007). Atendimento em clínicas-escola de psicologia da região metropolitana de Porto Alegre. Estudos de Psicologia, 24(3), 363-374. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2007000300008

Cord, D., Gesser, M., Nunes, A. S. B., & Storti, M. M. T. (2015). As significações de profissionais que atuam no Programa Saúde na Escola (PSE) acerca das dificuldades de aprendizagem: Patologização e medicalização do fracasso escolar. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(1), 40-53. https://doi.org/10.1590/1982-3703000952013

Gauy, F. V., & Fernandes, L. F. B. (2008). Um panorama do cenário brasileiro sobre atendimento psicológico em clínicas-escola. Paidéia, 18(40), 401-404. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2008000200016

Giddens, A. (2012). Sociologia. (6a. ed., Netz, S. R. Trad.). Artmed.

Gomes, M. A. F., & Dimenstein, M. (2016). Serviço escola de psicologia e as políticas de saúde e de assistência social. Temas em Psicologia, 24(4), 1217-1231. https://doi.org/10.9788/TP2016.4-03Pt

Justen, A., Paltanin, E. S., Maroneze, G. S., Vissovatz, M. M., Prá, J. D., Feltrin, J., Silva, M. A., Mariussi, M. C., Pereira, R. S., & Lima, O. M. (2010). Identificação da população atendida no Centro de Psicologia aplicada da Universidade Paranaense. Arquivos de Ciência da Saúde da Unipar, 14(3), 197-209. http://revistas.unipar.br/index.php/saude/article/view/3661/2374

Klein, A. P., & d’Oliveira, A. F. P. L. (2017). O “cabo de força” da assistência: concepção e prática de psicólogos sobre o Apoio Matricial no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Cadernos de Saúde Pública, 33(1), e00158815. https://doi.org/10.1590/0102-311x00158815

Maravieski, S., & Serralta, F. B. (2011). Características clínicas e sociodemográficas da clientela atendida em uma clínica-escola de psicologia. Temas em Psicologia, 19(2), 481-490. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n2/v19n2a11.pdf

Ministério da Saúde. (2010). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio Saúde da Família. Brasil.

Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. (2013). Cadernos de Atenção Básica, 34 – Saúde mental. Brasil.

Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. (2014). Cadernos de Atenção Básica, 39 – Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasil.

Moura, C. B., Marinho-Casanova, M. L., Meurer, & P. H., Campana, C. (2008). Caracterização da clientela pré-escolar de uma clínica-escola brasileira a partir do ChildBehaviorChecklist (CBCL). Contextos Clínicos, 1(1), 1-8. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822008000100001&lng=pt&tlng=pt

Nakamura, M., Lima V. A., Tada, I. N., & Junqueira, M. H. (2008). Desvendando a queixa escolar: um estudo no Serviço de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia. Psicologia Escolar e Educacional, 12(2), 423-429. https://doi.org/10.1590/S1413-85572008000200013

Nascimento, A. G., & Cordeiro, J. C. (2019). Núcleo ampliado de saúde da família e atenção básica: Análise do processo de trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, 17(2), e0019424. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00194

Oliveira, J. L. A., Bragagnolo, R. I., & Souza, S. V. (2014). Proposições metodológicas na intervenção com estudantes com queixa escolar. Psicologia Escolar e Educacional, 18 (3), 477-484. https://doi.org/10.1590/2175-3539/2014/0183770

Oliveira, M. A. C., & Pereira, I. C. (2013). Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família. Revista Brasileira de Enfermagem, 66, 158-164. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700020

Oliveira, M. S., Santos, P. L., & Bartolon, C. (2013) Clientela adulta de serviço psicológico: Características clínicas e sociodemográficas. Psicologia: Teoria e Prática, 15(2), 192-202. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872013000200015&lng=pt&tlng=pt

Pereira, M. D. (2014). Lugar de autista e sofrimento psíquico grave é no CAPSI. In L. A. Furtado, & C. Vieira (Orgs.), O autismo, o sujeito e a Psicanálise: Consonâncias (pp. 77-87). Editora CRV.

Resende, V. M., & Ramalho, V. (2011). Análise de discurso (para a) crítica: O texto como material de pesquisa. Ponte Editores.

Romaro, R. A., & Oliveira P. E. (2008). Identificação das queixas de adultos separados atendidos em uma clínica-escola de Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 28(4), 780-793. https://doi.org/10.1590/S1414-98932008000400010

Vasconcelos, F. G., & Aléssio, R. L. S. (2019). Construções Identitárias de Psicólogos em NASF: Reflexões para a Prática Profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, e174637. https://doi.org/10.1590/1982-3703003174637

Vivian, A. G., Timm, J. S., & Souza, F. P. (2013). Serviço-escola de psicologia: Caracterização da clientela infanto juvenil atendida de 2008 a 2012, em uma Universidade privada do RS. Aletheia, 42, 136-152. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1413-03942013000300012

Wielewicki, A. (2011). Problemas de comportamento infantil: Importância e limitações de estudos de caracterização em clínicas-escola Brasileiras. Temas em Psicologia, 19(2), 379-389. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2011000200003

Recebido em: 23/03/2020

Última revisão: 16/03/2021

Aceite final: 21/04/2021

Sobre as autoras:

Isabela Cedro Farias: Mestra em Saúde da Família e graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Inta (UNINTA); E-mail: behlafarias@hotmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-3601-1698

Camilla Araújo Lopes Vieira: Pós-doutora pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestra em Psicologia com concentração em Psicanálise e Psicopatologia pela UFC. Graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Docente da Universidade Federal do Ceará (UFC), Campus de Sobral. Professora visitante do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: tgd.camilla@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0003-1706-3772


1 Endereço de contato: Rua Professora Maria das Graças Teixeira, 1386, Bairro das Nações, Sobral, CE. CEP 62053-670. Telefone: (88) 99626-0622. E-mail: behlafarias@hotmail.com

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v14i1.1273