Teste Pfister e sua Contribuição na Avaliação de Crianças com Câncer

The Pfister Test and its Contribution to the Assessment of Children with Cancer

Test de Pfister y su Aporte a la Evaluación de Niños con Cáncer

Camila Luisa Reolon

Sibeli Carla Garbin Zanin

Carine Tabaczinski1

Faculdade IMED

Resumo

Introdução: Objetivou-se levantar indicadores cognitivos e emocionais de crianças com câncer (grupo cínico [GC]) e comparar os resultados a crianças sem a doença (grupo não clínico [GNC]), pois o câncer infantil muda o funcionamento familiar. Método: Trata-se de uma pesquisa de cunho quantitativo, comparativo e de caráter transversal. Avaliaram-se 27 crianças, entre 7 e 12 anos, com o modelo Pfister. Para análise dos dados, utilizaram-se as variáveis categóricas dos indicadores de frequência de cores, síndromes e os aspectos formais do instrumento, além do teste Qui-Quadrado. Resultados: Os aspectos cognitivos e emocionais das crianças do GC não apresentam diferença estatística significativa se comparado ao GNC, embora se possam destacar alguns achados. Discussão: Discorreu-se sobre as pequenas divergências entre os dois grupos, quanto às cores, síndromes e ao fato de crianças com câncer apresentarem aspectos formais mais estruturados. Conclusão: para pesquisas futuras, sugere-se considerar o tempo em que a criança está em tratamento.

Palavras-chave: câncer infantil, avaliação psicológica, Pfister

Abstract

Introduction: The objective was to raise cognitive and emotional indicators of children with cancer (clinical group [CG]) and compare the results to children without the disease (non-clinical group [NCG]), as childhood cancer changes family functioning. Method: This is a quantitative, comparative, and transversal research. The study counted twenty-seven children, between 7 and 12 years old, who were evaluated with the Pfister model. For data analysis, categorical variables of color frequency indicators, syndromes and the formal aspects of the instrument were used, in addition to the Chi-Square test. Results: The children’s cognitive and emotional aspects in the CG do not show statistically significant differences when compared to the NCG, although some findings can be highlighted. Discussion: It was discussed the smallest differences between the two groups, regarding colors, syndromes and the fact that children with cancer have more structured formal aspects. Conclusion: as a suggestion, it is important to consider how long the children have been in treatment.

Keywords: childhood cancer, psychological evaluation, Pfister

Resumen

Introducción: El objetivo fue elevar los indicadores cognitivos y emocionales de los niños con cáncer (grupo clínico [GC]) y comparar los resultados de los niños sin la enfermedad (grupo no clínico [GNC]), ya que el cáncer infantil cambia el funcionamiento familiar. Método: Se trata de una investigación cuantitativa, comparativa y transversal. El estudio contó con veintisiete niños, entre 7 y 12 años, que fueron evaluados con el modelo Pfister. Para el análisis de los datos, se utilizaron variables categóricas de indicadores de frecuencia de color, síndromes y los aspectos formales del instrumento, además de la prueba de Chi-Cuadrado. Resultados: Los aspectos cognitivos y emocionales de los niños en el GC no muestran diferencia estadísticamente significativa al compararlos con el GNC, aunque se pueden destacar algunos hallazgos. Discusión: Se discutieron las pequeñas diferencias entre los dos grupos, en cuanto a colores, síndromes y el hecho de que los niños con cáncer tienen aspectos formales más estructurados. Conclusión: como sugerencia, es importante considerar cuánto tiempo llevan en tratamiento los niños.

Palabras clave: cáncer infantil, evaluación psicológica, Pfister

Introdução

O câncer acontece pela proliferação descontrolada de células anormais, podendo afetar qualquer parte do organismo. As leucemias são os tumores que mais afetam crianças e adolescentes, seguidos dos do sistema nervoso central e linfomas. No Brasil, o câncer infantil é considerado a primeira causa de morte por doença na faixa etária de 1 a 19 anos, e as regiões que mais apresentaram novos casos foram Sudeste e Nordeste (Instituto Nacional do Câncer, 2017).

A descoberta da doença e o diagnóstico instauram uma crise tanto na criança quanto no cuidador e os expõem a vulnerabilidades (Castro, 2010), pois o câncer infantil é algo muito temido pelas famílias, por trazer consigo consecutivas alterações e fantasias em relação à dinâmica familiar, à hospitalização e à morte (Alves & Figueiredo, 2017). A adaptação familiar ao diagnóstico da criança está associada ao melhor ajustamento da criança com sua doença, ou seja, a melhor adaptação familiar perpassa pelos pais da criança com câncer (Van Schoors et al., 2017).

O tratamento do câncer vai além dos procedimentos de cuidados com o corpo, assumindo múltiplos sentidos para cada criança. Entretanto, alguns estressores são comuns a todas e irão acompanhá-las por um longo período, como a hospitalização prolongada, os procedimentos invasivos, a dor e a quebra da rotina de vida, acarretando um desequilíbrio psicossocial (Alves & Figueiredo, 2017; Van Schoors et al., 2017). A criança passa então a buscar meios de adaptação na sua nova rotina, incluindo o brincar e a classe hospitalar (Caprini & Motta, 2017), o que pode ajudá-la a desenvolver sua capacidade de resiliência perante os obstáculos vividos. O estágio do tratamento em que a criança se encontra também deve ser considerado para avaliar adequadamente suas capacidades cognitivas e emocionais, pois cada fase acarreta construções subjetivas e diversas sobre o câncer (Aquino et al., 2014).

Pensando neste processo do adoecer e no de manter-se saudável, a área de avaliação psicológica tem expressivo valor para o desempenho do profissional da psicologia e cada vez mais está sendo utilizada em diversos contextos (Cohen et al., 2014). Para avaliar crianças e adolescentes, os instrumentos projetivos são uma excelente alternativa, pois, por serem um modelo mais lúdico, promovem um melhor acesso à personalidade do sujeito. Entre eles, o teste das pirâmides coloridas de Pfister tem como objetivo examinar se o indivíduo vai reagir às incitações emocionais com maior ou menor domínio de suas funções cognitivas (Villemor-Amaral, 2005). Para analisar os resultados obtidos, são feitas combinações de alguns fatores, como cores, maneira com que foi executada a atividade e a configuração das pirâmides (Villemor-Amaral et al., 2012).

Alguns estudos com crianças comprovam a validade do Pfister neste público, ao avaliar aspectos cognitivos e emocionais em múltiplos contextos. Há os que buscam validar o uso do teste em crianças, sendo por meio da comparação entre os sexos (Cardoso et al., 2019), em crianças de diversas faixas etárias (Cardoso et al., 2018), na avaliação da criatividade (Villemor-Amaral, Tavella, Cardoso, Pavan, & Biasi, 2014) e para o manejo da testagem Pfister em crianças surdas (Cardoso & Capitão, 2007). No entanto, apesar da pluralidade da aplicação da testagem, há escassez de estudos em crianças com câncer.

Há outros instrumentos que já foram utilizados na investigação do desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças com câncer. O Desenho da Figura Humana (DFP), instrumento projetivo, aplicado em crianças com e sem câncer, apontou não haver expressiva diferença no desenvolvimento cognitivo entre os grupos, sendo que somente uma criança das seis avaliadas apresentou desempenho cognitivo abaixo da média (Santos et al., 2013). Com o uso da testagem House, Tree and Person (HTP), Carvalho (2017) aplicou-o para entender como crianças com câncer encaravam a doença, avaliando os seus recursos emocionais e psicológicos. Ao final do estudo, o resultado revelou que crianças com câncer apresentaram um maior desequilíbrio intra e interpessoal, fuga do contato com a realidade e sentimento de insegurança e impotência, se comparadas com o grupo controle.

Diante do exposto, o presente estudo objetivou levantar indicadores cognitivos e emocionais de crianças em tratamento com algum tipo de câncer e compará-los com os de um grupo de crianças sem a doença. Para isso, utilizou-se o Pfister, considerando as seguintes variáveis: frequência de cores, síndromes e aspectos formais, conforme critérios estabelecidos por Villemor-Amaral (2012).

Método

Pesquisa de cunho quantitativo, comparativo e de caráter transversal. Amostragem por conveniência, não probabilística e não aleatória. O levantamento dos dados sócios e a aplicação de um instrumento foram as técnicas de coleta de dados utilizadas neste estudo.

Participantes

Participaram do estudo 27 crianças de 7 a 12 anos, divididas em dois grupos. O grupo clínico (GC), composto por 13 crianças com algum tipo de câncer (média idade=9,61; DP=1,75), sendo 54% meninas e 46% meninos, em tratamento médico ou internadas em um hospital de uma cidade do norte do Rio Grande do Sul, pelo diagnóstico de leucemia (84%), linfoma (8%) e melanoma (8%). Já o grupo não clínico (GNC) era composto por 14 crianças selecionadas por conveniência, estudantes de uma escola da mesma cidade do norte do estado sem a doença (média idade=9,14; DP=1,35), sendo 79% meninas e 21% meninos.

Os critérios de inclusão da amostra foram: não ter histórico de busca de ajuda psiquiátrica ou psicológica, não apresentar queixas patológicas específicas em casa e estar no ano escolar adequado à sua idade no ensino fundamental. Adotou-se como exclusão qualquer critério de possível psicopatologia.

Instrumentos

Para alcançar os objetivos desta pesquisa, foram utilizados o Questionário de Identificação e o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TCP). O primeiro serviu para coletar informações gerais sobre cada participante, tais como sexo, escolaridade, idade, diagnóstico da doença, tempo de internação e tempo de tratamento para o grupo clínico. Já o TCP2 é um teste cujo propósito baseia-se na montagem de três pirâmides ao gosto do avaliando, uma de cada vez. Ao finalizar a tarefa, é realizado um inquérito para averiguar a prioridade do examinando pelas pirâmides segundo alguns indicadores, como os de aspecto formal, a frequência das cores e síndromes cromáticas (Villemor-Amaral, 2005). A composição da pirâmide indica a existência de uma organização mental que envolve aspectos cognitivos e emocionais da personalidade. 

Na análise da frequência das cores, é preciso considerar a porcentagem em que o examinando usou cada uma delas e compará-las com um padrão normativo. No que se refere ao aspecto formal, destaca-se que esse indicador se relaciona com o modo como as cores são dispostas no esquema de pirâmide, de modo que, ao final da colocação de todas as cores, obtenha-se uma configuração da forma. E, por fim, a estabilidade na escolha das cores é considerada no indicador fórmula cromática, que considera a quantidade de cores usadas em uma única pirâmide, em duas pirâmides e nas três pirâmides. Trata-se de um teste psicológico projetivo, no qual a correção é realizada por meio do manual e de protocolos de correção.

Procedimentos

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da IMED, mediante o parecer n. 2.555.382, foi realizada a aplicação dos instrumentos de acordo com os objetivos propostos. Todos os participantes – pais e crianças – foram esclarecidos quanto ao sigilo. Primeiro, os dados do grupo clínico foram coletados em um hospital de uma cidade ao norte do Rio Grande do Sul. Houve uma conversa prévia com os pais para explicar o objetivo do trabalho. Com o aceite, foi entregue a eles o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que descrevia os riscos e benefícios, bem como a possibilidade de recusa ou abandono em qualquer momento da aplicação da pesquisa.

Em seguida, os pais informaram sobre o diagnóstico da criança, quanto tempo estava em tratamento e que tratamento estava seguindo. Em um segundo momento, cada criança que atendia aos critérios da pesquisa assinava o Termo de Assentimento e era convidada a participar da atividade, que foi aplicada individualmente em uma sala de atendimento do próprio hospital, com tempo estimado de 10 a 30 minutos, sendo indispensáveis silêncio e luminosidade adequada.

Os dados do grupo não clínico foram coletados em uma escola particular da mesma cidade ao norte do Rio Grande do Sul. O contato com os pais foi mediado pela escola, que enviou um bilhete explicando os objetivos da pesquisa, junto do TCLE. Após a autorização dos pais, as crianças receberam as devidas explicações, se foram convidadas a participar da atividade, devendo assinar o Termo de Assentimento. A aplicação dos instrumentos aconteceu individualmente em uma sala da escola com silêncio e luminosidade necessária.

Análise de dados

A análise de dados foi realizada por dois juízes com experiência no Pfister, de forma independente, com a finalidade de obter concordância na interpretação dos resultados da técnica projetiva. Não houve discordância entre os juízes quanto aos protocolos. Logo em seguida, os dados foram estruturados no Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22.0. Devido à amostra não ser probabilística, optou-se por focar na análise da frequência das cores e dos aspectos formais.

Com objetivo de averiguar a possível significância estatística das diferenças entre os resultados médios das frequências das cores e das síndromes cromáticas do GC, em relação ao GNC, empregou-se o teste t de Student. Com uma tabulação cruzada, e seus dados de frequência conjunta, eles foram analisados por meio do Teste Qui-Quadrado, para avaliar se as variáveis são associadas ou independentes.

 Resultados

Por meio dos resultados obtidos com o Teste Qui-Quadrado, não se pode afirmar que há relação entre as variáveis aspectos cognitivos e emocionais, do Pfister, e o diagnóstico de crianças com câncer. Pode-se dizer que as possíveis diferenças nos grupos se devem ao acaso. Na Tabela 1, consta a comparação dos dois grupos em relação à frequência das cores, que representam os afetos e as emoções dos sujeitos.

Tabela 1

Diferença de Média das Cores entre os Grupos

Cores

Grupo Clínico

Grupo Não Clínico

p

Abaixo

Média

Acima

Abaixo

Média

Acima

Azul

3

5

5

1

5

8

0,221

Amarelo

3

8

2

3

9

2

0,982

Verde

6

6

1

5

7

2

0,508

Branco

5

8

0

9

5

0

0,188

Vermelho

1

5

7

1

9

4

0,301

Violeta

3

6

4

1

10

3

0,789

Preto

5

6

2

4

10

0

0,810

Laranja

5

6

2

4

5

5

0,315

Cinza

3

10

0

4

10

0

0,749

Marrom

1

11

1

2

10

2

1,000

Nota. p*<0,05.

No grupo clínico, a cor que apresentou mais frequência foi a vermelha. No total de 13 crianças analisadas, sete apresentaram-na como predominante em suas pirâmides. Já no grupo não clínico, a cor que mais predominou entre os avaliados foi a cor azul. No total de 14 crianças, oito usaram preferencialmente o azul.

As síndromes podem ser explicadas como um conjunto de cores que revelam um significado próprio. Podem ser cores quentes, consideradas mais estimulantes, e cores frias ou incolores, que são caracterizadas por tons mais neutros. Dessa forma, a Tabela 2 traz os dados das síndromes que mais apareceram e em qual grupo ela foi mais frequente, porém sem diferença significativa.

Tabela 2

Diferença de Média das Síndromes entre os Grupos

Síndromes

Grupo Clínico

Grupo Não Clínico

p

Abaixo

Média

Acima

Abaixo

Média

Acima

S. Normal

3

5

5

1

9

4

0,818

S. Estímulo

2

4

7

3

6

5

0,411

S. Fria

3

7

3

4

5

5

0,807

S. Incolor

8

2

3

7

7

0

0,668

Nota. p*<0,05.

A síndrome que apresentou maior frequência no grupo clínico foi a Síndrome do Estímulo. Ou seja, do grupo com 13 crianças, sete delas ficaram acima da média nas cores estimulantes. No grupo não clínico, as síndromes mais predominantes foram a Síndrome de Estímulo e a Síndrome Fria.

Para avaliar a cognição dos grupos, a análise dos aspectos formais do instrumento é imprescindível, pois eles representam a configuração final de cada pirâmide, a sua forma e organização, ou seja, o grau de complexidade ao ser montada depende do intelecto de cada criança (Villemor-Amaral, 2013).

Logo após a verificação da consistência das codificações, analisou-se a frequência do aspecto formal em cada uma das pirâmides e na soma do conjunto das três pirâmides. As Tabelas 3 e 4 apresentam os resultados em frequência dos aspectos formais dos grupos.

Tabela 3

Frequência do Aspecto Formal Grupo Clínico (GC)

Aspecto Formal

Pirâmide I

Frequência

Pirâmide II

Frequência

Pirâmide III

Frequência

Frequência das Três Pirâmides

Tapete

Puro

0

0

0

0

Desequilibrado

1

1

3

5

Furado

4

5

4

13

Início de Ord.

4

2

3

9

Formação

Camada Mont.

0

0

0

0

Camada Mono

0

0

0

0

Camada Multi

3

2

1

6

Simétrica

1

2

1

4

Alternada

0

0

0

0

Estrutura

Simétrica

0

0

0

0

Escada

0

0

1

1

Manto

0

1

0

1

Assimétrico D.

0

0

0

0

Mosaico

0

0

0

0

Total

13

13

13

39

Tabela 4

Frequência do Aspecto Formal Grupo Não Clínico (GNC)

Aspecto Formal

Pirâmide I

Frequência

Pirâmide II

Frequência

Pirâmide III

Frequência

Frequência das Três Pirâmides

Tapete

Puro

3

1

0

4

Desequilibrado

0

3

1

4

Furado

6

4

7

17

Início de Ord.

3

1

2

6

Formação

Camada Mont.

1

1

1

3

Camada Mono

0

2

0

2

Camada Multi

1

0

0

1

Simétrica

0

0

2

2

Alternada

0

0

0

0

Estrutura

Simétrica

0

1

0

1

Escada

0

1

1

2

Manto

0

0

0

0

Assimétrico D.

0

0

0

0

Mosaico

0

0

0

0

Total

14

14

14

42

Os resultados mais frequentes encontrados nos aspectos formais foram a formação em camadas multicromáticas e os tapetes. Se comparados os dois grupos, as formações em camadas multicromáticas apareceram mais no grupo clínico; já no grupo não clínico, o tapete furado prevaleceu.

Discussão

O câncer infantil muda a rotina de uma criança; muitas vezes, ela é afastada do convívio de amigos e familiares e se depara com a hospitalização, o que ocasiona sofrimento físico e emocional. Para dar suporte a essas crianças, a avaliação psicológica é um método de intervenção que abrange as extensões do adoecimento, do psíquico e também serve como prevenção a futuros danos emocionais e cognitivos (Alves & Uchôa-Figueiredo, 2017).

Embora não se tenha obtido uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os indicadores cognitivos e emocionais do Pfister, destacamos os resultados quanto à frequência do aspecto formal, que apresentou dados coerentes com o esperado em crianças, e a frequência das formações, que indica o início de uma organização ainda não satisfatoriamente estabilizada, segundo Villemor-Amaral et al. (2012).

Especificamente, os aspectos formais que mais apresentaram relevância neste estudo foram a formação em camadas multicromáticas no grupo clínico, o que significa que a capacidade intelectual desse grupo é favorável diante do grupo controle, que, por sua vez, apresentou os tapetes furados com maior predominância. Resultado que coincide com os achados de Santos et al. (2013), após aplicação do instrumento projetivo “Desenho da figura humana (DFP)”, no qual os autores constataram não haver expressiva diferença no desenvolvimento cognitivo de crianças com câncer e crianças sem a doença, sendo que somente uma criança, das seis avaliadas, apresentou desempenho abaixo da média.

Demais estudos, com abordagens distintas, chegaram também a resultados semelhantes. Tais resultados indicam que o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes acometidos pelo câncer acompanha padrões cognitivos similares ao de crianças e adolescentes não acometidas por doenças (Santos et al., 2013; Silva et al., 2006). Nos estudos referidos, as testagens DFP, de cunho qualitativo, e WISC, de cunho quantitativo, foram aplicadas, respectivamente.

Também, não houve diferença estatística nos grupos comparados em relação à frequência das cores, responsável por evidenciar os aspectos emocionais. Entretanto, destacamos, por exemplo, que apareceu no grupo clínico um uso mais elevado da cor vermelha, o que pode ser interpretado como maior agressividade e, ainda, da cor branca, o que pode caracterizar negação de algumas emoções, segundo Villemor-Amaral (2013). Aponta-se então que elas teriam mais dificuldade em expressar suas emoções do que crianças sem a doença.

Contudo, isso não foi notado em emoções como ansiedade e angústia, ligadas ao uso aumentado da cor violeta, o que seria justificado pelas dificuldades impostas pela doença e seus tratamentos. A frequência da cor violeta, portanto, não foi significativa em crianças com câncer desta amostra, como foi encontrado em crianças surdas, em comparação a um público de crianças sem essa deficiência estudadas por Cardoso e Capitão (2007), com a finalidade de também avaliar estruturas cognitivas e emocionais.

Já no grupo não clínico, as cores predominantes foram o azul – a cor mais comum entre as crianças – e o laranja – que indica energia e disposição –, segundo Villemor-Amaral (2013). Este resultado corrobora os achados de Villemor-Amaral et al. (2014), que validaram o Pfister quanto à criatividade em uma pesquisa com 56 crianças, sendo que, no grupo mais criativo, o laranja ficou mais evidente, estando relacionado ao desejo que a criança tem de ser reconhecida, de ser motivada a produzir. Aqui, pressupõe-se que as crianças com câncer são menos motivadas e com pouco iniciativa e criatividade se comparadas às do grupo controle.

No grupo clínico, houve um aumento das síndromes incolor e de estímulo, e uma baixa nas síndromes normal e fria, indicando evasão de situações afetivas ou instigantes como tentativa de sustentação de seu equilíbrio fragilizado, além de acentuar a sensibilidade e incontinência afetiva e dificuldade de adequação social (Villemor-Amaral, 2013). A cor branca mais frequente ressalta os sentimentos de fragilidade e insegurança (Villemor-Amaral et al., 2012), o que pressupõe que crianças com câncer deste estudo apresentam mais dificuldades nas interações sociais e maior fragilidade egoica. Contudo, ressalta-se que a diferença sobre estes aspectos entre os grupos não foi relevante.

A síndrome da normalidade, por sua vez, foi a mais presente no grupo não clínico – também é a mais frequente nas pirâmides – e está relacionada com a competência de manter a conduta normal e apropriada para um equilíbrio emocional, o que é reforçado pelas cores azul e verde (Villemor-Amaral, 2015). Manter essa conduta “normal” pode estar relacionado à construção de vias de comunicação eficazes, no estreitamento dos vínculos afetivos e na liberdade de expressar o que sente (Van Schoors et al., 2017).

Para a ponderação dos resultados, em qualquer avaliação, considera-se um conjunto de fatores, os quais são analisados e interpretados de acordo com embasamento teórico mais coerente. Dessa forma, o grupo clínico, apesar da doença, não apresentou atrasos cognitivos e emocionais em relação ao grupo controle, não sendo possível afirmar diferença significativa alguma entre eles. Os achados revelam apenas pequenas divergências entre os dois grupos quanto às cores e às síndromes, no fato de as crianças com câncer apresentarem os aspectos formais mais estruturados do que as crianças sem a doença.

Considerações Finais

O presente estudo objetivou levantar indicadores cognitivos e emocionais de crianças em tratamento com algum tipo de câncer e compará-los com os de um grupo de crianças sem a doença. Uma vez que os dois grupos estudados se comportam da mesma maneira, levantaram-se algumas possíveis explicações para tal resultado. Uma delas está relacionada ao fato de o grupo clínico ser formado por um pequeno número de participantes. E/ou por conta da dificuldade em reunir as crianças para a aplicação do teste, pois a maioria era de outras cidades e vinha ao hospital para consultas, procedimentos ou internações, além de ser necessário contar com a disposição delas para a atividade ser realizada.

Apesar de os resultados quantitativos não serem estatisticamente significativos, ao ir a campo, perceberam-se alguns fatores que podem ser relevantes nesse contexto e necessitam de novas pesquisas para serem mais bem avaliados, como: considerar o tempo em que a criança está em tratamento. Isso, pois, notou-se que, entre a descoberta da doença, o diagnóstico e os primeiros meses de internação, elas ficam mais sensíveis, retraídas e, muitas vezes, revoltosas, o que tende a diminuir à medida que conhecem os procedimentos, ambientam-se com as pessoas e com o lugar. Como sugestão, estudos futuros podem categorizar os grupos por tempo de tratamento, diagnóstico, idade, além de considerar um maior número de participantes.

Referências

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Villemor-Amaral, A. E., Tavella, R. R., Cardoso, L. M., Biasi, F. C., & Pavan, P. M. P. (2014). Teste das pirâmides coloridas de Pfister e a criatividade em crianças. Revista Psicologia: Teoria e Prática, 16(3), 114-124. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000300009

Recebido em: 01/08/2021

Última revisão: 03/01/2022

Aceite final: 26/01/2022

Sobre os autores:

Camila Luisa Reolon: Psicóloga pela Faculdade IMED, campus Passo Fundo, RS. E-mail: reoloncamila@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4836-2716

Sibeli Carla Garbin Zanin: Doutora em Psicologia pela Universidade São Francisco (USF), com ênfase em avaliação psicológica. Docente na Faculdade IMED, Passo Fundo, RS. E-mail: sibeli.zanin@imed.edu.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0055-8357

Carine Tabaczinski: Doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Psicologia e Psicóloga pela Faculdade IMED. E-mail: carine_tbz@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9622-752X


1 Endereço de contato: Rua Gen. Prestes Guimarães, 304, Vila Rodrigues, Passo Fundo, RS. CEP 99070-220. Telefone: (54) 99177-2923. E-mail: carine_tbz@hotmail.com

2 Instituído por Max Pfister, em 1951, o jogo é composto de três cartões em papel bege com um traçado de uma pirâmide desenhado em cada um deles, um conjunto de quadrículos coloridos com 10 cores distribuídas em 24 tonalidades diferentes e a folha de aplicação.

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v14i1.1762