Relações Familiares e Alienação Parental Após a Dissolução da Conjugalidade

Family Relationships and Parental Alienation After the Dissolution of Conjugality

Relaciones Familiares y Alienación Parental Tras la Cisolución de la Conyugalidad

Charlene Cristina Pereira Nascimento

Cynthia Cecília Müller

Bianca Maria Vendramini Peteck

Matheus Braciak

Carina Nunes Bossardi

Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

Resumo

Introdução: Esta pesquisa centra-se nas relações conjugais e parentais no contexto do divórcio, no que se refere aos fatores de risco e de proteção familiar à alienação parental. O objetivo foi conhecer as relações parentais após a dissolução da conjugalidade em casais divorciados com filhos na idade entre quatro e onze anos. Métodos: Trata-se de pesquisa qualitativa com abordagem de estudo de caso. Responderam à entrevista semiestruturada dois pais e três mães que possuíam filhos com o ex-cônjuge. Resultados: Os entrevistados relataram vivenciar conflitos no período de separação. No envolvimento parental que poderia funcionar como um fator de proteção, foi apontada a necessidade de maior participação por parte do ex-cônjuge na vida dos filhos. Os participantes ainda relataram ter consciência a respeito da alienação parental e afirmaram buscar evitar relacionamentos neste sentido. Discussões e Conclusões: Os conflitos nas relações podem afetar o desenvolvimento dos filhos e acometer indicativos para alienação parental. O processo de divórcio evoca fatores estressores e conflituosos, podendo modificar a estrutura da família e seu funcionamento. Um bom relacionamento entre os cônjuges pode evitar que situações de alienação parental ocorram.

Palavras-chave: alienação parental, divórcio, família, relações familiares, conjugalidade

Abstract

Introduction: This research focuses on marital and parental relationships in the context of divorce, regarding risk factors and family protection against parental alienation. The objective was to discover the parental relationships after the dissolution of conjugality in divorced couples with children aged between four and eleven years. Methods: This is a qualitative research with a case study approach. Two fathers and three mothers who had children with their ex-partner answered the semi-structured interview. Results: Respondents reported experiencing conflicts during the separation period. Regarding parental involvement, which could work as a protective factor, the need for greater participation by the ex-spouse in their children’s lives was pointed out. Participants also reported being aware of parental alienation and said they sought to avoid relationships in this regard. Discussion and Conclusions: Conflicts in relationships can affect the development of children and affect indicators of parental alienation. The divorce process evokes stressful and conflicting factors, which can change the structure of the family and its functioning. A good relationship between the couple can prevent situations of parental alienation from occurring.

Keywords: parental alienation, divorce, family, family relationships, conjugality

Resumen

Introducción: esta investigación se centra en las relaciones conyugales y parentales en el contexto del divorcio, en lo que respecta a los factores de riesgo y la protección familiar frente a la alienación parental. El objetivo fue conocer las relaciones parentales tras la disolución de la conyugalidad en parejas divorciadas con hijos de entre cuatro y once años. Métodos: Se trata de una investigación cualitativa con enfoque de estudio de caso. Dos padres y tres madres que tenían hijos con su ex cónyuge respondieron a la entrevista semiestructurada. Resultados: Los encuestados informaron haber experimentado conflictos durante el período de separación. En cuanto a la implicación de los padres, que podría funcionar como factor protector, se señaló la necesidad de una mayor participación del excónyuge en la vida de sus hijos. Los participantes también informaron estar al tanto de la alienación parental y dijeron que buscaban evitar relaciones en este sentido. Discusión y Conclusiones: Los conflictos en las relaciones pueden afectar el desarrollo de los niños y afectar los indicadores de alienación de los padres. El proceso de divorcio evoca factores estresantes y conflictivos, que pueden cambiar la estructura de la familia y su funcionamiento. Una buena relación entre los cónyuges puede evitar que se produzcan situaciones de alienación parental.

Palabras clave: alienación de los padres, divorcio, familia, relaciones familiares, conyugalidad

Introdução

A família é reconhecida como o primeiro ponto de referência, proteção e socialização dos indivíduos; sendo assim, os pais representam o referencial mais forte dentro da família, pois são eles que transmitem as primeiras relações entre o mundo e a criança. Diante disso, é evidente que quanto melhor for o funcionamento da família, melhor se dará o desenvolvimento desse sujeito, pois, segundo Araújo et al. (2017), a estrutura familiar é responsável por promover um bom suporte social, fazendo com que possíveis comportamentos de risco sejam diminuídos.

Segundo Oliveira e Crepaldi (2018), as mudanças nas configurações familiares de pais separados se caracterizam principalmente pelo aparecimento do rompimento conjugal, que afeta toda a vida familiar, pois é a partir desse fator que ocorrem inúmeras mudanças e processos de adaptação das pessoas a esse novo formato de vida; diante disso, vale ressaltar que uma relação parental positiva em meio a esse processo é fundamental. A separação dos pais pode estar relacionada a resultados negativos para as crianças em todas as esferas da vida, principalmente no ajuste psicológico, desempenho acadêmico, distúrbios de comportamento, autoconceito e ajuste social. Porém, em contraponto a isso, em alguns casos, as separações conjugais podem funcionar como fatores protetivos, na medida em que é possível observar que crianças com pais divorciados terão um bom desenvolvimento e uma qualidade de vida saudável se os pais conseguirem conter as demandas dos conflitos, oferecendo condições positivas, em que é feita a separação das relações conjugais e das relações parentais (Seijo et al., 2016).

O casamento requer negociação e ajustes de questões individuais que passarão agora a ser desempenhadas pelo casal, como quando comer, dormir, conversar, fazer sexo, brigar, trabalhar, relaxar, bem como a forma como utilizarão o tempo, o dinheiro e decidirão a respeito das tradições familiares que manterão ou modificarão. Em termos de parentalidade, as novas exigências levam ao casal à renegociação e ao equilíbrio das funções e tarefas conjugais, incluindo aí o manejo e o cuidado com os filhos (Neumann et al., 2019). O casal deve saber separar os conflitos do fim do casamento e a relação de parentalidade para com a criança ou adolescente que se encontra no meio desta situação, pois as relações de cuidado, amor, carinho, atenção, entre outras, devem ser mantidas (Oliveira & Crepalidi, 2018).

Sendo o divórcio uma transição familiar que compreende uma reconstrução de papéis e funções familiares, torna-se importante que as relações parentais continuem ativas e positivas após a separação conjugal, havendo uma relação de parceria, pois uma relação de cuidado que parta igualmente entre os pais será muito mais benéfica para os filhos, que não terão de passar por situações conflituosas. Portanto, estudos que tenham como foco famílias de casais divorciados ou que ainda mantenham uma relação de união conjugal são de suma importância, tendo como objetivo auxiliar no desenvolvimento daquela criança, de maneira a estudar como ocorre seu desenvolvimento dentro desses contextos, avaliando se são saudáveis ou não e sua influência na vida do indivíduo (Oliveira & Crepaldi, 2018; Böing, 2014).

Muitas famílias, após o divórcio, podem não conseguir estabelecer relações saudáveis entre si e, muitas vezes, os conflitos não resolvidos entre os ex-cônjuges acabam por interferir no envolvimento e na participação paterna e materna com os filhos. Uma das preocupações atuais a respeito da separação dos pais é sobre a forma como o relacionamento dos pais pode influenciar na relação com os filhos. Dependendo de como ocorre esta interação, pode-se pressupor a existência ou não da alienação parental (Bolze et al., 2017). As facilidades legais para a obtenção do divórcio, associadas à valorização cultural da felicidade e do bem-estar individuais, fazem com que permaneçam em um relacionamento as pessoas que encontram nele níveis moderados a altos de satisfação (Neumann et al., 2019).

Obter a compreensão do que pode ser um funcionamento familiar saudável e não saudável facilita no entendimento da influência das mudanças familiares e seus efeitos na vida dos sujeitos que a compõem. Relações saudáveis implicam harmonia e comunicação positiva entre os membros, bem como formas de resolução de conflitos menos violentas ou negativas, baseadas no diálogo e na prática de acordos (Bolze et al., 2017). A alienação parental é um tema que tende a crescer, pois, desde a edição da Lei n. 12.318/2010 (Brasil, 2010), a alienação parental acaba se tornando também um problema judiciário. Junto às medidas judiciárias, é possível a realização de um acompanhamento psicológico, que se faz necessário pelo fato de que o maior afetado, seja criança, seja adolescente, acaba com prejuízos na sua psique, sendo que é esse indivíduo que, muitas vezes, fica no meio de brigas conjugais. Desta forma, a alienação parental pode ser definida como a conduta de um cônjuge no sentido de dificultar a convivência do menor com o outro genitor, que surge, principalmente, em contextos de disputa pela posse e guarda de filhos (Brasil, 2010).

Dentre algumas estratégias de alienação que podem ser observadas nesse processo, encontram-se formas de atacar a imagem, limitar o contato com o outro genitor, ameaçar com a perda do amor, forçar a criança a escolher entre os pais e rejeitar o outro pai, entre outras (Cezar-Ferreira & Macedo, 2016). Formas de comunicação entre os pais e entre pais e filhos podem dar indicativos de uma possível alienação parental. O estilo de comunicação entre as famílias após a separação ou o divórcio e as formas de manifestação da alienação parental podem ser um dos fatores de risco para síndrome da alienação parental (Cezar-Ferreira & Macedo, 2016).

Diante do exposto, esta pesquisa centra-se no interesse de abordar as relações conjugais e parentais no contexto do divórcio, em especial no que se refere à caracterização de fatores de risco e de proteção para a alienação parental. Portanto, propôs-se conhecer as relações parentais após a dissolução da conjugalidade, bem como fatores de risco e de proteção à alienação parental, em casais divorciados com filhos na idade entre quatro e onze anos de idade. Espera-se que os resultados possam contribuir para o entendimento e auxílio de famílias e escolas, gerando também ferramentas de intervenção no campo de promoção de saúde da família e desenvolvimento infantil.

Método

Natureza da pesquisa, participantes e instrumentos

Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva e qualitativa. Foi utilizada a abordagem do estudo de caso, em que se examina um ou mais casos específicos com a intenção de focalizar uma questão em comum e sua complexidade (Creswell, 2014). Participaram dois pais e três mães que estavam separados/divorciados e que possuíam pelo menos um filho na idade entre quatro e onze anos com a guarda unilateral. Os critérios para a seleção desses participantes foram um pai e uma mãe, independentemente da orientação sexual, divorciados, maiores de 18 anos, com no mínimo um filho. Os pais poderiam ser biológicos ou não e deveriam ter aceitado participar da pesquisa via leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O motivo da escolha das idades das crianças deve-se ao fato de que, a partir de quatro anos da criança, as famílias já possuem outra forma de organização, o que permite atingir os objetivos desta pesquisa de forma mais fidedigna. A partir da idade de quatro anos da criança, os participantes poderiam ser incluídos, e o motivo de ter tido uma faixa etária mais ampla se deve à amostra por conveniência, tratando-se de famílias que preenchiam os demais critérios de inclusão estabelecidos neste estudo. A escolha pela guarda unilateral deve-se ao fato de que um dos genitores fica com as responsabilidades da criança. Diferentemente da guarda compartilhada, na qual pai e mãe dividem a responsabilidade legal sobre os filhos e compartilham as obrigações e decisões, na guarda unilateral (que existe de maneira expressiva em nossa sociedade), um dos genitores (geralmente a mãe, em nossa sociedade) fica com a guarda dos filhos, principalmente os de tenra idade, deixando para o outro, que não é o guardião, o direito de visitas e vigilância (Cezar-Ferreira & Macedo, 2016).

Conforme apresentado na Tabela 1, os participantes (dois pais e três mães), sendo estes de diversas idades, têm filhos do sexo masculino e feminino. Quatro dos entrevistados possuíam guarda unilateral da criança, e apenas um dos participantes informou que quem possuía a guarda unilateral da criança era sua ex-cônjuge. Quatro participantes tinham ensino superior completo, enquanto um deles estava cursando o ensino superior, tendo o médio completo. A idade das crianças variou de sete a dez anos.

Tabela 1

Caracterização Sociodemográfica dos Participantes

Participante

Sexo da

criança

Idade

dos pais

Escolaridade dos pais

Idade da

criança

Escolaridade da

criança

Mãe (Família 1)

Masculino

39 anos

Superior completo

9 anos

4º ano do ensino fundamental

Pai (Família 2)

Masculino

39 anos

Superior completo

10 anos

5º ano do ensino fundamental

Pai (Família 3)

Feminino

41 anos

Superior completo

8 anos

3º ano do ensino fundamental

Mãe (Família 4)

Masculino

26 anos

Ensino médio completo

7 anos

2° ano do ensino fundamental

Mãe (Família 5)

Feminino

36 anos

Superior completo

8 anos

3º ano do ensino fundamental

Para melhor desenvolvimento do estudo de caso, foi utilizado como instrumento de pesquisa um roteiro de entrevista semiestruturado. A entrevista, construída para fins deste estudo, foi baseada nos seguintes instrumentos:

O Questionário de Engajamento Parental (QEP), que passou por uma adaptação transcultural e evidências de validade para o contexto brasileiro (Bossardi et al., 2018). Também fez parte do roteiro de entrevista um questionário, o qual aborda harmonia e conflitos conjugais entre o casal e na presença da criança (Bolze et al., 2017). Atualmente, a alienação parental é um tema pouco explorado, ao menos de modo empírico. Em uma busca pela literatura em bases de dados nacionais, foi possível identificar fundamentalmente um instrumento que abordasse o tema. A respeito da alienação parental, foi utilizado como base o Inventário de Práticas Materno Alienantes (IPMA), o qual versa sobre as ações e reações das mães (podendo ser adaptado aos pais) que podem auxiliar a compreender e explicar práticas parentais alienantes (Carvalho et al., 2017).

Procedimentos de Coleta e Análise de Dados e Aspectos Éticos

Os participantes foram contatados por meio de uma Instituição de Educação Infantil e também por um formulário on-line divulgado em redes sociais, escolhido pelo fácil acesso dos pesquisadores. Foram convidados a participar do estudo via carta-convite. Depois de manifestado o interesse e encaixado nos critérios de inclusão, foi apresentado o TCLE. A coleta ocorreu em local seguro e aconchegante, de escolha dos participantes, para evitar desconfortos e interrupções durante a entrevista, que teve duração aproximada de 50 minutos cada uma. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Foi utilizada a análise categorial de Bardin (2011). Esta pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) sob o parecer consubstanciado de número 4.163.915 Em conformidade com a legislação vigente, deu-se atenção aos cuidados necessários exigidos para uma pesquisa com seres humanos, tais como a leitura e assinatura do TCLE.

Resultados e Discussão

Durante a entrevista e em concordância com os objetivos desta pesquisa, emergiram quatro categorias de análise, que serão descritas a seguir.

História da Separação/Divórcio

Esta categoria conta a história da dissolução dos relacionamentos conjugais, descrevendo a maneira que ocorreu e as medidas que foram tomadas. A entrevista se inicia questionando os pais sobre como ocorreu o processo de divórcio/separação entre o casal. Nüske e Grigorieff (2015) referem que, normalmente, os casais apresentam problemas em lidar com separações e divórcios, expondo comportamentos hostis e vingativos para com o ex-cônjuge e usando os próprios filhos, mesmo sem perceber, para atingi-los.

No relato da Família 1, a mãe conta um pouco sobre o término do relacionamento com seu ex-marido e relata que foi difícil para ela e seu filho. Segue a fala abaixo:

Meu divórcio foi bem difícil, assim, porque o meu filho estava com quase 3 anos e meu ex-marido não aceitava, então foi bem difícil, assim. Teve vários episódios, assim, que eu tive que registrar boletim de ocorrência, que eu tive medida protetiva, e até hoje ele não pode pegar o filho. Ele pode ver só na minha casa, por uma hora, uma vez por semana, se chama visita assistida, só na minha casa. (F1).

Como pode ser observado em relato da Família 1, a mãe afirma que tentou fazer sua separação amigável, de forma “consensual”, para se separar da maneira mais correta possível. Na fala, ela indica episódios que podem remeter a possíveis fatores de risco para este momento delicado, referindo algumas dificuldades na relação com seu ex-cônjuge: “Quando me separei, no começo, eu queria fazer o consensual, né, só que daí ele não aceitou, e daí no começo ele até pegava o meu filho, ele pegava de manhã e devolvia final da noite” (F1).

Conforme Santos e Maranhão (2017), não são raras as ações e/ou atitudes dos genitores no sentido de instigar os conflitos que atravessam suas relações durante e após o processo de rompimento conjugal. Para tanto, os casais lançam mão de variados meios para resolução dos seus conflitos, muitas vezes, incluindo os filhos que passam a ser usados ora como escudo, ora como armas, o que pode afetar a construção e manutenção dos vínculos parentais, levando os filhos a sentirem a alienação parental.

Esse episódio de não aceitação de um dos cônjuges também aconteceu na Família 4, em que a mãe afirma ter sofrido agressão física do ex-marido e ter desistido do relacionamento. Ela relata que, após ter saído de casa com os filhos, o pai das crianças forçava uma relação com ela, a qual ela não queria, como chamá-la pelo seu apelido, segui-la e até mesmo mandar fotos inapropriadas por aparelho celular, sem seu consentimento.

No começo, ele me seguia, ele ficava me vigiando, ele mandava mensagens ameaçando, sabe? E [...] depois de um tempo eu falei pra ele que eu não ia mais tolerar aquilo. E daí eu peguei um dia e falei pra ele que eu não tava gostando, que aquilo tava me fazendo mal, que eu tava com medo de andar sozinha na rua e disse pra ele que, se continuasse, eu ia dar parte dele na delegacia. (F4).

Em relatos da Família 2, o pai explica sobre como se deu o relacionamento e sobre a história da dissolução da relação. Relata que nunca foram casados ou que moraram juntos, sendo, portanto, namorados; porém, quando a ex-namorada engravidou e já não estavam mais em um relacionamento, este acontecimento gerou alguns conflitos, como mostra o trecho abaixo:

Nunca fui casado e nunca morei junto, ela era minha namorada, nós namoramos uns 3 anos, depois terminamos, teve um remember, eu tive o filho, mas não fui morar com ela, nada nesse sentido; mesmo assim, houve alguma força da parte dela, nem tanto da família dela, mas da parte dela, pra que a gente ficasse junto, pra que a gente tentasse, mas eu nunca fui apaixonado. (F2).

Indicações como estas, apontadas pela Família 2, remetem ao fato de que, quando uma das partes não reconhece o relacionamento como uma relação conjugal de fato, os compromissos, as responsabilidades e as negociações parentais podem não ocorrer de uma forma saudável. No que se refere ao reconhecimento de uma relação conjugal de fato, pode-se dizer que estas relações vêm sofrendo alterações no decorrer dos anos. Tais alterações possibilitam a identificação dos fatores que contribuem para o sucesso ou não de uma relação. Conforme Bolze et al. (2017), existe a dificuldade de os pais diferenciarem suas funções conjugais das parentais e, muitas vezes, no caso do divórcio, a forma como se dá a resolução de conflitos entre os genitores acaba interferindo nas suas relações parentais. Tal fator deveria ser mais bem discutido entre as famílias, para evitar tais fatores de risco ao desenvolvimento e ampliar os fatores de proteção à alienação parental.

Esse fenômeno pode ser observado de maneira diferente na Família 4, na qual houve um casamento que durou 9 anos. Havia a ideia e construção de uma parceria entre os pares e, ainda assim, após a separação, uma das partes não correspondeu com suas responsabilidades financeiras e cuidados com as crianças. A mãe afirma tentar, de todas as maneiras, conseguir recursos para os filhos que não seja pedindo para o ex-marido, pois este não colaborou nas outras vezes em que foi solicitado.

Responsabilidade que tenho com eles: educação, agora nessas aulas remotas, no aprendizado também, higiene, conforto, saúde, tudo, porque, tipo assim, como não foi, a gente não conseguiu definir nada no fórum ainda, até hoje ele ainda nunca me deu nem um real de pensão, entendeu. (F4).

No relato da Família 3, o pai descreve que o processo de divórcio foi totalmente litigioso e que, se comparado com sua primeira experiência de divórcio, esta foi muito mais estressante e danosa, dado os acontecimentos que culminaram no divórcio. Posto isto, o entrevistado relatou acontecimentos do dia em que decidiu entrar com o processo de separação, e expôs o seguinte trecho, no qual se é possível verificar que nem todas, mas algumas experiências podem estar baseadas em estratégias mais violentas do que outras, o que pode implicar diretamente os fatores de risco para a alienação parental (Palhares et al., 2018). “Quando cheguei em casa, ela tinha destruído a casa inteira. Quebrado tudo, tudo que tu imaginar. Televisão, não sei o que, quebrou tudo. Cara, eu só peguei e subi, olhei aquilo e ‘Quer saber? Vou trabalhar’, eu disse [...]” (F3).

Em relação à Família 5, quando questionada sobre o processo que desenvolveu a separação do casal, a entrevistada salienta que tudo começou a partir da descoberta de uma traição por parte de seu ex-marido. Quando soube do que aconteceu, ela decidiu dar fim na relação. Referente a este trecho da entrevista, ela cita: “Foi uma traição. A gente já não andava bem há um tempo, a gota d’água foi isso. Ele já estava com outra mulher fazia um tempo, tanto é que ele apresentou a A.C. pra essa mulher, eles trabalhavam no mesmo ambiente [...]” (F5).

Posto isto, salienta-se que, quando ocorre a ruptura de um vínculo matrimonial, todos os membros desta família acabam sendo afetados, havendo, assim, a necessidade de adaptação desses indivíduos diante das mudanças estruturais da família provenientes da separação (Nuske & Grigorieff, 2015). Quanto mais estratégias de resolução de conflitos violentas utilizadas pelos genitores, maiores são os fatores de risco para a alienação parental (Santos & Maranhão, 2017).

Relação entre os Ex-Cônjuges após o Divórcio

Esta categoria relata sobre como se dá a relação entre os ex-cônjuges após o divórcio, levando em conta a criança que está envolvida, abordando a maneira como são tomadas as decisões em relação a ela. Referente ao relacionamento entre os ex-cônjuges após o divórcio, foi possível identificar que existem pontos negativos nas relações, como se observa nas falas da mãe da Família 1, quando foi questionada a respeito do motivo pelo qual não deixava o filho ir à casa do pai, ela explicou a seguinte situação:

Ele chegou em casa bêbado, foi por isso que me separei por causa da bebida, e daí ele me trouxe o menino bêbado [...] e depois daquele dia eu fiz boletim de ocorrência e ele nunca mais pôde pegar. Tive que levar o menino no psicólogo, eu fui ao psicólogo, ele foi ao psicólogo também [...]. (F1).

Este relato pode indicar uma conduta que aumentou fatores de proteção ao desenvolvimento da criança, mas que, da mesma forma, pode servir como uma indicação para um fator de risco para a alienação parental, a depender das condutas admitidas a partir deste desfecho (Santos & Maranhão, 2017). O processo de divórcio é um fator estressor que pode interferir na relação familiar, pois diz respeito a uma adaptação ao novo formato tomado pela família, que passa por um processo de reestruturação; sendo assim, gera impactos na vida dos sujeitos. Esses impactos devem ser trabalhados, para que exista uma relação harmoniosa que preconize as funções parentais. Desta forma, a relação entre os ex-cônjuges após a dissolução da relação deve ocorrer de maneira saudável, com uma comunicação clara entre os indivíduos, possibilitando que as funções protetoras não sejam prejudicadas (Palhares et al., 2018).

São muitos os desafios para ambas as partes após a separação do casal. Coparentar após a separação envolve, dentre outros aspectos, um equilíbrio dos ex-cônjuges no que se refere aos acordos parentais e também à capacidade de manejar os conflitos (Bolze et al., 2017; Oliveira & Crepaldi, 2018). Apesar destes desafios, os pais tendem a se preocupar com o bem-estar dos filhos em geral e colocam os interesses destes em primeira instância (Freitas et al., 2020).

Na Família 4, foi possível perceber que a mãe coloca a ligação dos filhos com o pai em primeiro lugar, para preservar a construção do sentimento de família. Refere permanecer morando onde está para que os filhos continuem tendo contato com o pai, apesar dos históricos de agressão e abuso da parte dele com ela: “Quando eu me separei, convidava ele pra vir almoçar aqui com as crianças porque as crianças sentiam falta daquele contato de todo domingo almoçar junto, essas coisas rotineiras de uma família normal, né? Então, eu tentei cultivar isso” (F4).

Já na Família 2, percebe-se uma relação mínima entre os genitores, em que o pai aponta o filho como uma criança tranquila e que não gera problemas; sendo assim, o entrevistado enfatiza que não há necessidade de mais contato com a mãe, indicando que a frequência de contato entre mãe e criança tem sido cada vez mais reduzida, como se pode observar na fala a seguir: “Eu falei com ela pessoalmente pela primeira vez, há mais de um ano e meio, na semana passada, não tinha vontade nenhuma, mas foi tanta insistência que eu acabei indo” (F2).

Os pais, muitas vezes, têm um ideal de família, proveniente das suas famílias de origem ou da própria sociedade como um todo e, mesmo após a dissolução da conjugalidade, entendem a necessidade de permanecer seguindo alguns dos preceitos do que é considerado saudável nas relações. Mas, mesmo diante desse reconhecimento, muitos casos não conseguem zelar por manter a frequência e a qualidade dos contatos entre pais e filhos após a definição da separação e do tipo de guarda (Cezar-Ferreira & Macedo, 2016).

No que tange à Família 5, a mãe salienta que a relação com seu ex-marido após o término é demarcada por dificuldades em estabelecer diálogos e interações, expondo que não há um diálogo presencial entre os dois, apenas por meio de ferramentas como WhatsApp. Além disso, foi relatado que já houve conflitos, como é exposto no trecho: “A gente já teve brigas assim, bem feias, sabe, não vou te dizer que não. Verbalmente assim [...] já chamei a atenção dele pra várias coisas (F5).

É importante ressaltar aqui que uma relação saudável entre ex-parceiros que possuem um filho é de extrema importância, pois um bom entrosamento entre os pais, principalmente nos momentos de tomadas de decisões, promove bons frutos para a criança, fazendo com que essa separação entre os genitores não afete a relação parental (Oliveira & Crepaldi, 2018). Mas, muitas vezes, o fim de um relacionamento pode acarretar situações que trazem desconforto e sentimento de tristeza, confusão e, até mesmo, de vingança. Outrossim, entende-se que, para haver um funcionamento equilibrado entre essas relações, é necessário que a comunicação entre os ex-cônjuges seja flexível e coesa, para que se possa achar maneiras de resolver seus conflitos; desta maneira, os pais devem agir em uma relação de parceria e de cuidado igualitário, promovendo, assim, mais benefícios do que malefícios para os filhos, favorecendo uma vida mais saudável para eles. Desta forma, a falta de diálogo ou a forma como estas relações são mantidas entre os genitores podem ser indicativos de fatores de risco para uma alienação parental. Para diminuição dos potenciais fatores de risco e aumento dos fatores protetivos, uma convivência positiva, com táticas de negociação e de busca de acordos entre as partes, é indicada (Araújo et al., 2017).

Envolvimento Parental após a Dissolução da Conjugalidade

Esta categoria caracteriza o envolvimento parental entre o genitor e o filho após a dissolução do relacionamento, indicando como se dá esse relacionamento e como o pai se sente no papel de genitor com a guarda. Em relação à Família 1, ainda no que se refere ao relacionamento entre o pai e a criança, a mãe comentou:

[...] mas é toda quarta-feira que ele vai de manhã. Eu não tô em casa, mas ele [o filho] tá com a minha mãe daí, né? Daí a minha mãe disse que é terrível, assim, que tem dia que ele não quer conversar, sabe, não quer falar, e, por várias vezes, assim, eu disse para ele Filho, tu não quer passar uma tarde com o pai”. (F1).

Dependendo da forma como os pais conduzem a separação conjugal, esta pode vir a indicar consequências para a criança, já que estava habituada à convivência familiar. Devido ao aumento do número de divórcios, as crianças têm sido expostas cada vez mais cedo a situações como estas na família. Mesmo nos eventos em que os casais não exercem violência intrafamiliar, ou seja, não se destratam ou se agridem na frente de seu filho, os impactos podem estar presentes e precisam ser observados e compreendidos em cada caso (Palhares et al., 2018).

Conforme relatos do pai da Família 2, antes de obter a guarda, mesmo indicando não reconhecer um relacionamento conjugal com a genitora, ele já participava ativamente da vida do filho desde o seu nascimento, pegando-o continuamente, desde pequeno. Relata que, posteriormente, conforme a criança crescia, ela já tinha mais liberdade de ir à casa do pai, como mostra o trecho da fala: “Eu sempre tive relacionamento total com o [nome da criança] desde que ele nasceu, eu sempre peguei ele, todo final de semana, quando ele foi crescendo ele veio um pouco mais a minha casa, se ele queria ir no cinema, queria alguma coisa, ele vinha” (F2).

Neste caso, o envolvimento paterno ocorreu, apesar das dificuldades de contato e de relações com a outra parte, o que pode não acontecer em todos os casos. Em termos de envolvimento parental, após a separação conjugal, pais e crianças precisam refazer as figuras paterna e materna, ressignificando os experimentos e as experiências anteriores. Logo depois da mudança, que é a saída de uma das figuras parentais de casa, é necessário se adequar a uma morada onde as coisas serão desiguais. É de grande relevância para a formação da criança que esses lugares sejam, em alguma medida, similares, compartilhando das mesmas normas, deveres e costumes (Oliveira & Crepaldi, 2018).

Quando questionado sobre o envolvimento parental após a separação, o pai da Família 3 relatou ter obrigações financeiras com a criança e salientou que, apesar de não residir com a criança, tenta sempre se fazer presente na vida da filha, participando de eventos e tentando suprir a carência trazida pelo término do relacionamento. Ele diz o seguinte: “[...] Eu tento preencher da melhor possível a função de pai, certo. Então estou presente em todas as situações. Se acontecer qualquer coisa na escola que tenha, eu tô presente, qualquer coisa de aniversário e tal, eu tô presente [...]” (F3).

Os benefícios de uma relação parental (materna e paterna) presente, em termos de quantidade e, mais fundamentalmente, no que se refere à qualidade dessas interações, são inúmeros na vida da criança, pois este envolvimento está ligado a aspectos psicológicos, físicos e de desenvolvimento de habilidades, entre outros fatores. Sendo assim, afeta todo o processo biopsicossocial em que a criança se encontra. Um relacionamento mais favorável e produtivo gera funções positivas na educação da criança, promovendo o bem-estar dos filhos; porém, caso isso não ocorra, pode haver prejuízos que interferem tanto no desenvolvimento quanto no comportamento desses indivíduos (Freitas et al., 2020).

No que tange ao relato da Família 5, a mãe expôs que, após a separação conjugal, houve episódios de ausência por parte do pai na relação com a criança e explicitou que ela teve de cobrar uma maior participação do ex-marido na vida da filha: “Nunca privei ou fui contra isso, muito pelo contrário, é bem importante a participação dele. Não fico instigando ele a fazer porque a gente já chegou discutir em relação, porque teve bastante ausência nesse aspecto de participação” (F5).

Relacionada à ausência paterna e aos possíveis efeitos no desenvolvimento infantil da criança, o estudo longitudinal de Flouri et al. (2015) evidenciou que, em famílias que o pai não reside com a criança, há uma forte ligação entre a ausência paterna e a ocorrência de problemas de comportamento em crianças entre três e sete anos de idade, sendo meninas e meninos afetados de maneira similar, o que pode ser indicativo, portanto, de que ter a frequência de contato reduzida ou quase nula entre um genitor e a criança pode funcionar como um indicativo de problemas de comportamento na criança e, a depender da forma como isso é tratado na família, pode remeter a episódios de alienação parental.

Situação de Vulnerabilidade para a Alienação Parental

A última categoria aponta sobre os fatores de risco para alienação parental que apareceram no decorrer dos relatos. A maneira como os pais resolvem os conflitos entre si pode influenciar a forma como os filhos os veem e encaram aquele conflito. Sendo assim, as relações entre os ex-cônjuges e as relações parentais devem ser cuidadosas para que não haja prejuízos para as crianças e nem riscos de uma alienação parental e/ou uma síndrome da alienação parental.

De acordo com as entrevistas, houve pontos em que foi possível identificar riscos de alienação parental, mas também de consciência do que se trata, como apresentado nas falas dos entrevistados. Conforme pode ser observado na fala da Família 1, a mãe comenta que teve que tomar medidas para não se “incomodar”, pois seu ex-marido sempre mandava mensagens, mas não foi relatado que tipo de mensagens.

Eu bloqueei ele no WhatsApp porque eu não quero mais contato com ele. Agora ele me manda SMS. Esses dias ele me mandou porque eu pedi para ele assinar um documento porque eu tô fazendo um passaporte. Eu pedi para ele assinar aquela declaração e tal aí ele disse que não ia assinar, aí ele começou a encher o saco, e disse que não ia assinar. Aí depois na outra semana, ele já assinou. (F1).

A alienação parental acontece com maior incidência nas crianças mais jovens, antes dos seis anos de idade, pois, quando a criança conquista certo grau de autonomia, já percebe a alienação (Barbosa & Zandonadi, 2018). Portanto, em decorrência da alienação parental, vem a síndrome da alienação parental, que gera sequelas comoventes e comportamentais na criança. Essa síndrome pode acometer o filho a romper completamente o vínculo com um dos genitores, por efeito da alienação realizada pelo genitor alienante. Os pais que fazem a alienação parental têm como propósito privar totalmente o ex-companheiro da vida do infantil (Barbosa & Zandonadi, 2018).

Em relação à Família 4, a mãe entrevistada apresenta conhecimento sobre como funciona a alienação parental, trazendo em seu discurso trechos de falas que indicam manejo com as crianças em relação aos aspectos que poderiam se enquadrar em uma alienação. Além disso, reconhece eventos que partem do pai ou da sogra que podem contribuir para a construção de uma imagem negativa da sua função. Traz uma afirmação relevante em um momento:

Eles são crianças, eles tão se desenvolvendo, a gente não pode simplesmente soprar uma ideia da cabeça deles porque tudo pra eles é verdade, tudo que eu falo pra eles, eles com confiança na mãe, acreditam. Então, tu imagina um pai falar mal de uma mãe. Eu acho que isso não pode haver de forma alguma. Eu sempre falo pro meu ex, quando ele vem com umas conversinhas estranhas, eu falo, cuidado com o que tu fala pras crianças, cuidado porque eles estão em formação. (F4).

Sobre a Família 2, o pai relata que já fez comentários que, de certa forma, são pejorativos para o filho sobre sua mãe, assim como o filho já relatou a ele que a mãe também faz esse tipo de comentário sobre o pai para ele. Reconhecendo os prejuízos que aquela influência conflituosa pode causar na criança, o pai ressalta que procura evitar esse tipo de situação, como pode ser observado a seguir: “Ele tá lá em casa, ele sai de casa, vai pra casa da mãe dele, ouve um monte de coisa, aí volta e fala: teu pai isso, teu pai aquilo. Ele vai lá em casa e também vai ouvir: ‘Pô, mas tua mãe, faça-me o favor, né, cara’. Ele também vai ouvir, ouvia, porque hoje eu evito (F2).

Segundo Barbosa e Zandonadi (2018), a privação do contato entre pai e filho pode se classificar como um fator de risco para a alienação parental, assim como fazer comentários que prejudiquem a imagem do outro genitor para o filho, pois isso pode causar um afastamento entre o pai e o filho, que pode vir acompanhado de comportamentos hostis e ofensivos, afetando negativamente a relação entre eles e, por consequência, podendo causar prejuízos no desenvolvimento da vida da criança em diferentes esferas.

Posto isso, entende-se que a forma como se dá a comunicação entre as famílias após o divórcio pode influenciar em manifestações de alienação parental, podendo gerar, em alguns casos, o afastamento da criança de um dos genitores ou até mesmo dos dois, a depender da intensidade dos conflitos nas relações (Santos & Maranhão, 2017). Sendo assim, é importante ressaltar que evitar esses comportamentos tornam-se essenciais para que a criança e a família como um todo tenham um relacionamento mais saudável e amigável, pois, como já dito anteriormente, é na família que a criança começa a criar sua personalidade, e isso se dá por meio de imitação das atitudes dos pais. Desta forma, todos os discursos, comportamentos, valores e crenças dos genitores são espelhados pelos filhos (Santos & Maranhão, 2017).

Dentro desta categoria, o pai da Família 3 relata que já houve episódios de alienação por parte da mãe da criança, em que esta o chamou por palavrões e o teria o acusado, de maneira errônea, de ter sequestrado a criança em um momento que ele estava com ela: “Teve essa questão do sequestro, que ela me acusou de sequestro porque fui entregar a menina e ela não quis receber, e o advogado mandou trazer de volta, olha [...] só complicação” (F3).

Dentro dos relatos da mãe da Família 5, os elementos referentes a episódios de alienação parental não se mostraram de maneira tão explícita. A mãe relata que não vê isto acontecendo atualmente e expõe o seguinte: “Dá vontade, às vezes, de falar mal, mas a gente se priva bastante” (F5).

Sendo assim, no que se refere à relação entre vulnerabilidade e fatores de proteção, pode-se citar o estudo de Lamela et al. (2013), que teve como objetivo identificar perfis de processo de divórcio, considerando a vinculação, a coparentalidade e o ajustamento familiar em pais recém-divorciados e sua relação com o seu ajustamento psicológico. Os resultados sugerem a importância do ajustamento psicológico após a dissolução conjugal. Tal ajustamento favorece a vinculação com os filhos e aumenta a possibilidade de uma coparentalidade positiva. Quanto mais ajustados os pais, maiores as chances de os filhos desenvolverem padrões comportamentais e emocionais adequados e capazes de passar de forma mais positiva e saudável pelos desafios deste momento de transição familiar. Comunicações mais positivas, baixos níveis de coercitividade relacional e maior cooperação, suporte e partilha no cuidado dos filhos podem ser encontrados quando os pais apresentam uma forma de enfrentamento mais ajustada (Lamela et al., 2013).

Conclusão

Esta pesquisa centrou-se em abordar sobre as relações conjugais e parentais no contexto do divórcio, principalmente no que se refere aos fatores de risco e proteção para a alienação parental. Todos os entrevistados relataram que passaram por conflitos neste período de separação. Entretanto, houve relatos de que a participação por parte do ex-cônjuge na vida dos filhos ainda é algo que precisa ser cobrado. Os participantes também relataram ter consciência a respeito da alienação parental e afirmaram buscar evitar relacionamentos neste sentido.

Sendo assim, foi possível concluir que o processo de divórcio é um período em que ocorrem diversos fatores estressores e conflituosos que modificam a estrutura da família e seu funcionamento. À vista disso, para que essas mudanças não reflitam negativamente na relação parental, é necessário que haja um bom relacionamento entre os cônjuges, principalmente no que se refere a questões relacionadas aos filhos, para que as necessidades da criança não sejam deixadas em segundo plano. Conclui-se, sobre os fatores de risco e a proteção da alienação, que os pais são as pessoas mais responsáveis por esse risco da alienação, são eles que decidem se querem colocar os filhos no meio dos conflitos deles ou não. Na medida em que se busca uma diminuição dos fatores de risco, os fatores protetivos são aumentados e formalizados em forma de relações mais positivas, baseadas na negociação e na busca de acordos que favoreçam as relações parentais. Indica-se maior número de estudos que contemplem a complexidade do fenômeno e que possam abranger uma diversidade metodológica. Espera-se que pesquisas como essas possam dar indicativos de programas de intervenção com famílias, além de instrumentalizar profissionais da saúde e da educação no manejo e na identificação dos riscos, aumento dos fatores de proteção, como das próprias famílias, na percepção das condutas, formas de comunicação que podem ser negativas e na seleção de recursos mais positivos ao desenvolvimento infantil e à saúde familiar.

Referências

Araújo, J. L. A., Silva, T. P. S., & Katz, C. T. (2017). Funcionamento familiar e tentativa de suicídio em adolescentes. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, 9(22), 70­­–82. https://doi.org/10.5007/cbsm.v9i22.69090

Barbosa, C. W., & Zandonadi, A. C. (2018). Alienação parental e seus impactos no desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente. Revista Farol, 7(7), 58–72. https://revista.farol.edu.br/index.php/farol/article/view/147

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.

Böing, E. (2014). Relações entre coparentalidade, funcionamento familiar e estilos parentais em uma perspectiva intergeracional (Publicação n. 328440) [Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina]. Universidade Federal de Santa Catarina.

Bolze, S. D. A., Schmidt, B., Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2017). Marital and parental conflicts in families with children: Characteristics and resolution strategies. Paidéia27, 457–465. https://doi.org/10.1590/1982-432727s1201711

Bossardi, C. N., Souza, C. D., Gomes, L. B., Bolze, S. D. A., Schimdt, B., Vieira, M. L, Paquette, D., & Crepaldi, M. A., (2018). Adaptação transcultural e validação do questionário de Engajamento Paterno. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, e3439. https://doi.org/10.1590/0102.3772e3439

Brasil (2010). Lei n. 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o artigo 236 da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm

Carvalho, T. A., Medeiros, E. D. D., Coutinho, M. D. P. D. L., Brasileiro, T. D. C., & Fonsêca, P. N. D. (2017). Alienação parental: Elaboração de uma medida para mães. Estudos de Psicologia34, 367–378. https://doi.org/10.1590/1982-02752017000300005

Cezar-Ferreira, V. A. M., & Macedo, R. M. S. (2016). Guarda compartilhada: Uma visão psicojurídica. Artmed.

Creswell, J. W. (2014). Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: Escolhendo entre cinco abordagens. Penso Editora.

Flouri, E., Narayanan, M. K., & Mido, E. (2015). The cross-lagged relationships between father absense and child problem behaviour in the early years. Child: Care, Health and Development, 41(6), 1090–1097. https://doi.org/10.1111/cch.12236

Freitas, P. M., Costa, R. S. N., Rodrigues, M. S., Assis Ortiz, B. R., & Santos, J. C. (2020). Influência das relações familiares na saúde e no estado emocional dos adolescentes. Revista Psicologia e Saúde, 12(4), 95–109. https://doi.org/10.20435/pssa.vi.809

Lamela, D., Figueiredo, B., & Bastos, A. (2013). Perfis de vinculação, coparentalidade e ajustamento familiar em pais recém-divorciados: Diferenças no ajustamento psicológico. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(1), 19–28. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000100003

Neumann, A. P., Wagner, A., & Remor, E. (2019). Programa de educação conjugal “viver a dois”: Caracterização dos casais e indicadores de adesão. Contextos Clínicos, 12(1), 256–281. https://doi.org/10.4013/ctc.2019.121.1

Nüske, J. P. F., & Grigorieff, A. G. (2015). Alienação parental: Complexidades despertadas no âmbito familiar. Pensando famílias, 19(1), 77–87. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v19n1/v19n1a07.pdf

Oliveira, J. L. A. P., & Crepaldi, M. A. (2018). Relação entre o pai e os filhos após o divórcio: Revisão integrativa da literatura. Actualidades en Psicología, 32(124), 91–109. http://dx.doi.org/10.15517/ap.v32i124.29021 

Palhares, D., Santos, I. A., & Melo, M. A. A. P. (2018). Impactos do divórcio e da guarda compartilhada na saúde e no bem-estar das famílias. Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, 16(3), 190–194. http://www.sbcm.org.br/ojs3/index.php/rsbcm/article/view/367

Santos, R. M., & Maranhão, T. L. G. (2017) Síndrome de alienação parental: Consequências e prejuízos para o desenvolvimento saudável da criança. Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal, 6(1), 16–30. https://psicorporal.emnuvens.com.br/rlapc/article/view/50

Seijo, D., Fariña, F., Corras, T., Novo, M., & Arce, R. (2016). Estimating the epidemiology and quantifying the damages of parental separation in children and Adolescents. Frontiers In Psychology, 7, 1–9. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01611

Recebido em: 27/09/2021

Última revisão: 28/10/2022

Aceite final: 04/04/2023

Sobre os autores:

Charlene Cristina Pereira Nascimento: Graduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Psicóloga clínica. E-mail: charlenecn@hotmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3306-3564

Cynthia Cecília Müller: Graduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Psicóloga clínica. E-mail: cynthiacmuller@outlook.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6325-0515

Bianca Maria Vendramini Peteck: Graduanda em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: biapeteck@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6694-693X

Matheus Braciak: Graduando em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: matbraciak@gmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-8779-5576

Carina Nunes Bossardi: Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho e do curso de Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: carinabossardi@univali.br, ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3542-501X

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v15i1.1822