Diferentes Abordagens Clínicas no Cuidado em Saúde Mental na Estratégia Saúde da Família

Different Clinical Approaches in Mental Healthcare in the Family Health Strategy

Distintos Abordajes Clínicos en el Cuidado en Salud Mental en la Estrategia de la Salud Familia

Franciéli Cavalheiro Viero1

Dorian Mônica Arpini

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Resumo

Objetivo: O presente trabalho tem o objetivo de abordar as diferentes perspectivas das clínicas no cuidado em saúde mental a partir do relato das práticas de profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família (ESF). Metodologia: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com a utilização da entrevista semiestruturada, e o procedimento foi por meio da análise de conteúdo. Resultados: Os resultados identificaram diferentes abordagens de cuidado, que vão desde uma prática mais tradicional, de atendimentos médico-centrados, queixa-conduta e centralidade na medicação, a práticas mais plurais de cunho interdisciplinar. Discussões: Tais aspectos foram analisados a partir das perspectivas clínicas: clínica tradicional, clínica degradada e clínica ampliada. Conclusão: Por fim, o estudo identifica que existem avanços no sentido de um cuidado mais ampliado, mas a presença de práticas mais tradicionais ainda é uma realidade, o que exige esforços coletivos para a superação, sendo a pesquisa um dos recursos que podem favorecer esse processo de mudança.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde, Atenção à Saúde, Estratégias de Saúde Nacionais, Prática Profissional, Saúde Mental

Abstract

Objective: This study aimed to demonstrate different clinical perspectives in mental healthcare based on the speech of professionals working in Family Health Strategy (ESF). method: This is a qualitative research that used the semi-structured interview, and the procedure of content analysis. Results: The results identified different approaches of care, from the most traditional practices of doctor-centered appointments, treat and street and medication centering, to the most plural and interdisciplinarity practices. Discussion: Those aspects were analyzed through clinical perspectives: traditional clinics, degraded clinics and extended clinics. Conclusion: Lastly, the study identifies advances in the sense of a widening of care, but the presence of traditional practices remains, which demands collective efforts towards its overcoming, bearing in mind that the research is one of the resources that might promote this process of change.

Keywords: Primary Health Care, Healthcare, National Health Strategies, Professional Practice; Mental Healthcare

Resumen

Objetivo: Esa investigación objetiva abordar las distintas perspectivas clínicas en el cuidado en salud mental desde el reporte de las prácticas de profesionales trabajadores en la Estrategia de Salud Familiar (ESF). Método: Se trata de una investigación cualitativa, con el uso de entrevista semiestructurada, y el procedimiento se llevó a cabo desde el análisis de contenido. Resultados: Los resultados apuntaron distintos abordajes de cuidado, desde una práctica más tradicional, médico-centrada, queja y conducta y centralidad en la medicación, a prácticas más plurales e interdisciplinarias. Discusión: Estos aspectos fueron analizados desde perspectivas clínicas: clínica tradicional, clínica degradada y clínica ampliada. Conclusión: Al final, la investigación identifica avances en un cuidado más amplio, pero la presencia de prácticas más tradicionales es todavía una realidad, lo que exige esfuerzos colectivos para la superación, siendo las investigaciones recursos que suelen favorecer este proceso de cambio.

Palabras clave: Atención Primaria de Salud, Atención a la Salud, Estrategias de Salud Nacionales, Práctica Profesional, Salud Mental

Introdução

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é considerada uma proposta prioritária para a expansão e qualificação da atenção básica, na medida em que prevê a reorientação do modelo assistencial com ênfase no trabalho em equipe e pelo desenvolvimento de ações comunitárias, próximas da realidade dos sujeitos (Santos & Bosi, 2021). Além disso, a ESF constitui um dos serviços considerados porta de entrada para os cuidados em saúde mental, preconizada na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), exatamente por sua ênfase no cuidado territorial (Sousa & Ferreira, 2021), o que permite intervenções para além do viés biomédico, sustentadas numa concepção ampliada de saúde, que valoriza a escuta qualificada, o acolhimento e o vínculo (Molck et al., 2021).

De fato, a ESF tem um papel relevante no que se refere à desmistificação da loucura na comunidade, ao possibilitar a inserção desses usuários nos espaços de convivência social que compõem a comunidade (Azevedo et al., 2014). Evidencia um dos grandes propósitos da Reforma Psiquiátrica, conforme apontado por Iglesias e Avellar (2019), que é justamente a busca por mudanças nas relações que a sociedade estabelece com as pessoas em sofrimento psíquico.

Entretanto, denotam-se alguns impasses no que se refere a organização dos processos de trabalho das equipes da atenção básica no cuidado em saúde mental (Santos & Bosi, 2021). Dentre alguns desses desafios, destacam-se: aumento da prescrição de medicamentos, renovação de receitas, encaminhamentos aos serviços especializados em saúde mental, falta de retaguarda adequada de profissionais especializados, fragmentação do cuidado em saúde mental a partir do paradigma biomédico com ações centradas na doença e de cunho individual (Gama et al., 2021).

Neste sentido, evidencia-se que as intervenções em saúde mental no âmbito da atenção básica podem assumir diferentes perspectivas, ora mais voltadas para uma clínica tradicional, ora para uma clínica mais plural e coerente com a realidade da população. A partir disso, mostra-se oportuno tecer uma breve reflexão acerca do conceito da palavra clínica. Para Bedrikow e Campos (2011), o termo “clínico” assume o entendimento “da prática da medicina à beira do leito” (p. 610). Essa concepção, segundo os autores, assume algo de cunho mais positivista, enraizado nas bases da razão científica predominante pelo exercício do olhar que toma a doença ou o corpo doente como seu objeto de ação e intervenção. Durante muito tempo, esta clínica se ocupou e ainda tem enfatizado suas ações na doença, pautadas na ciência moderna positivista, que busca nomear esta condição a uma determinada doença classificável. Para os autores, de fato, a clínica é um grande recurso, no entanto, faz-se necessária uma reflexão com o intuito de ponderar que esta clínica, voltada para os órgãos e as doenças, apresenta uma certa fragilidade quando deixa de olhar também para o sujeito que ali se encontra. Assim, não se trata de “trocar a doença pelo doente”, mas incluir o seu contexto, a sua história e, principalmente, a sua subjetividade (Bedrikow & Campos, 2011).

Desta forma, Oliveira e Szapiro (2020) apresentam, em sua pesquisa, citando Campos (2003), três concepções de clínicas, as quais também serviram de base para as discussões do presente texto, sendo elas:

[. . .] a clínica tradicional (absolutamente autocentrada nos seus saberes privativos − bem como privatizados); a clínica degradada (dos pronto-atendimentos, funcionando na lógica da queixa-conduta); e a clínica ampliada (preconiza uma clínica singular, na qual cada caso é um caso, enquanto dialoga e incorpora criticamente outros saberes e diretrizes, perpassando assim, questões como o vínculo, a resolutividade e a responsabilização (Oliveira & Szapiro, 2020, p. 17).

Ademais, Klunck e Oliveira (2020) apontam que a clínica ampliada propicia o protagonismo tanto dos usuários quando dos trabalhadores. Isso traz uma abertura para a possibilidade de coletivamente repensar os processos de cuidado e apostar em novas alternativas de fazer a clínica. Esses aspectos convergem com as reflexões de Slomp et al., (2022), ao discorrerem sobre o “trabalho vivo em ato”, ou seja, o trabalho na saúde é permeado por incertezas e imprevistos, pela relação que se constrói entre usuário-profissional e a liberdade que o profissional tem no seu próprio agir em saúde, o que permite decidir “qual caminho adotar na gestão da clínica e do cuidado” (Slomp et al., 2022, p. 22).

Assim, a prática clínica envolve um fazer sob uma perspectiva relacional e, mesmo que esta seja mediada por instrumentos e técnicas, a qualidade desta relação ocorre pela maneira com que o profissional e o paciente “significam o cuidado para si” (Slomp et al., 2022, p. 33), entendendo o cuidado como um agir amparado na solidariedade, com o intuito de aliviar o sofrimento por meio da promoção da vida (Slomp et al., 2022). Diante disso, este estudo tem o objetivo de abordar as diferentes perspectivas das clínicas no cuidado em saúde mental a partir do relato das práticas de profissionais atuantes na ESF.

Metodologia

Este estudo se configura de natureza qualitativa, sendo que a pesquisa qualitativa privilegia objetos de estudo relacionados a opiniões, crenças e valores (Gaskell, 2002). Assim, este delineamento se mostrou propício para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que se buscou a compreensão da realidade e das experiências de duas equipes de Saúde da Família no que se refere à percepção dos profissionais acerca das possíveis clínicas em saúde mental no âmbito da ESF.

A coleta de dados ocorreu por meio da realização de entrevistas semiestruturadas, sendo este um importante recurso metodológico para compreensão em profundidade daquilo que se propõe investigar. Neste sentido, o emprego da entrevista semiestruturada se deu justamente em função de esta possibilitar o diálogo, permitindo que o participante tivesse possibilidade de discorrer sobre o tema de maneira mais reflexiva (Minayo, 2009).

A entrevista seguiu alguns tópicos, considerando-se o referencial teórico utilizado, e buscou atender aos objetivos da pesquisa. Para Gaskell (2002), o “Tópico Guia” é uma referência para o subsídio das discussões, seguindo uma sequência a partir da temática a ser pesquisada. Assim, para este artigo, priorizaram-se os tópicos referentes ao eixo intitulado “Gestão do cuidado e pactuação das ações”, sendo que os temas norteadores da entrevista com os participantes foram: intervenções em saúde mental pensadas em consonância com a realidade da equipe e do território; momentos de discussão técnico-pedagógica de caráter interdisciplinar; e construção de propostas terapêuticas em cooperação com o usuário em sofrimento psíquico e seus familiares.

As entrevistas foram realizadas entre os meses de setembro e novembro de 2020, e ocorreram em horários pré-agendados. Participaram do estudo, 17 profissionais integrantes de duas ESFs de um município de médio porte no interior do Rio Grande do Sul. Dentre as profissões que participaram, estiveram: enfermeiro, médico, técnico de enfermagem, agente comunitário de saúde e dentista. A escolha das duas ESFs participantes ocorreu por meio de sorteio. Este se fez necessário, considerando-se que, sendo um estudo de natureza qualitativa, era inviável a participação de todas as equipes de saúde da família do município em questão.

A fim de assegurar maior privacidade e sigilo das informações, as entrevistas foram realizadas de maneira individual, com cada participante, em uma sala nas dependências de cada ESF. Neste momento, também foi disponibilizado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), para que cada participante assinasse, e, depois, foi solicitada a autorização para iniciar a gravação em áudio da entrevista. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas para realização da análise das informações.

Como procedimento de análise, o estudo utilizou a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2007). Esta desenvolve-se na organização das informações, na exploração dos materiais pesquisados e na interpretação e síntese das informações. A preparação da análise envolveu uma leitura minuciosa e atenta das entrevistas transcritas, a fim de haver um contato aprofundado com o conteúdo. Após isso, selecionaram-se os fragmentos retirados das entrevistas, sendo que esses foram agrupados, analisados e codificados num grande quadro. Ressalta-se que, em virtude da riqueza do material construído a partir dos conteúdos retirados das entrevistas, alguns fragmentos das falas ficaram extensos. Contudo, entende-se que tais relatos permitem maior visibilidade à riqueza de detalhes presentes nas falas dos participantes.

Cabe destacar que o presente artigo faz parte de uma pesquisa maior, intitulada “Projeto Terapêutico Singular como dispositivo de cuidado em Saúde Mental na Atenção Básica: um estudo com profissionais de Estratégia de Saúde da Família”, que foi encaminhada ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da universidade à qual as pesquisadoras estão vinculadas, pela Plataforma Brasil, obtendo parecer de aprovação com o número do CAAE 31358320.1.0000.5346. Por fim, ressalta-se que foram seguidas as diretrizes regulamentadoras para pesquisa com seres humanos que estão na Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (2016).

Resultados e Discussões

A discussão aqui proposta tomou como foco abordar as nuances que envolvem as diferentes práticas “clínicas”, fazendo menções aos relatos dos profissionais das equipes participantes da pesquisa em suas estratégias de cuidado desenvolvidas no que se refere às questões de saúde mental no âmbito da ESF. Assim, buscou-se abordar essas diferentes perspectivas clínicas que se encontram permeando as práticas dos profissionais. Inicialmente, apresentam-se as falas que trazem uma visão da clínica transpassada por uma concepção ainda muito voltada para o âmbito ambulatorial e médico centrado. Deste modo, evidencia-se pouca implicação com o cuidado longitudinal e a frequente prescrição de medicamentos e encaminhamentos, demonstrando-se uma prática embasada na queixa-conduta. Contudo, os participantes também apresentaram uma abertura para uma clínica mais plural e conectada à realidade dos usuários, permitindo, assim, o reconhecimento de outras dimensões implicadas no processo de saúde-doença, como também o delineamento de estratégias desenvolvidas pelas equipes de cuidado extramuros da ESF em saúde mental. Portanto, a linha de raciocínio deste trabalho desenvolveu-se a partir da perspectiva das diferentes clínicas: Clínica Tradicional; Clínica Degradada; e Clínica Ampliada (Campos, 2003).

Como já mencionado inicialmente, a Saúde da Família apresenta-se como uma estratégia de destaque no que tange à reorientação do modelo assistencial pautado na reorganização da atenção em saúde, por preconizar práticas mais plurais e ampliadas na compreensão do processo de saúde-doença (Silva et al., 2017). Desta maneira, muitas das situações envolvendo saúde mental poderiam ser atendidas neste nível de atenção. Entretanto, denota-se, a partir das falas a seguir, que algumas ações em saúde mental nas ESFs ainda se baseiam na conduta medicamentosa e no encaminhamento aos serviços especializados:

Ou a gente encaminha para o CAPS ou a doutora dá uma medicação (Profissional 1).

Às demandas de saúde mental é um problema aqui para nós, né. Porque a gente tenta encaminhar para o pessoal do CAPS. A gente tem, né, liga para o acolhe, liga para os CAPS de um modo geral e a gente tenta encaminhar para lá (Profissional 3).

Semelhante a isto, o estudo de Santos e Bosi (2021) descreve que as ações em saúde mental desenvolvidas pelos profissionais de ensino superior reforçam essa lógica do encaminhamento. De certo modo, cabe destacar que, ainda que seja efetuado o encaminhamento, haveria a necessidade de uma articulação entre os serviços, ou seja, uma rede de atenção integrada.

Algumas das ações que poderiam ser desenvolvidas em parceria entre o CAPS e a ESF, segundo Silva et al., (2017), são: atividades em grupo, visita domiciliar, reuniões e ações educativas entre as equipes. Esta interlocução entre CAPS e ESF denomina-se de apoio matricial e tem por finalidade oferecer suporte e orientação adequada aos profissionais da ESF, no que se refere às demandas em saúde mental no território. Com isso, a proposta do apoio matricial vem com a finalidade de minimizar os encaminhamentos tradicionais, uma vez que propõe a corresponsabilização do cuidado no território e preconiza práticas sustentadas sobre uma perspectiva interdisciplinar (Santos et al., 2020).

Com isso, cabe salientar que a prática do encaminhamento não deve ser tomada como única alternativa no que diz respeito à atenção assistencial a estas situações, uma vez que, conforme Campos et al. (2018), estes encaminhamentos podem, por vezes, saturar os serviços especializados, além de fragmentar as ações da atenção básica diante dessas situações, ou seja, adquirindo uma característica de “transferência de responsabilidade” (Silva et al., 2017, p. 122).

O fragmento do relato a seguir é elucidativo dessa preocupação com a fragmentação do cuidado, bem como do encaminhamento como uma transferência de responsabilidade:

. . . já tomou fluoxetina, sertralina, já tomou desvenlafaxina, agora não sei o que está usando. Faz horas que eles não vêm pegar receita aqui. Ele vai lá no CAPS agora, por causa do psiquiatra, mas quem vai é o pai. Não sei se ele consegue levar ele, alguma vez (Profissional 12).

Esse relato permite analisar que centralizar o cuidado na conduta medicamentosa diante das queixas de saúde mental pode propiciar que usuários e profissionais se acomodem e se tornem dependentes desta conduta, inibindo outras possibilidades e estratégias de cuidado. Como aponta Molck et al. (2021) em seu estudo sobre o uso de psicotrópicos, os autores identificaram a medicação como uma resposta praticamente exclusiva no que tange aos cuidados em saúde mental no âmbito da ESF.

Isto se reflete em condutas terapêuticas que caminham na direção do uso indiscriminado de medicamento e, consequentemente, da medicalização da vida, situação que acaba por fazer parte do dia a dia de muitos serviços de saúde (Campos et al., 2018). Este aspecto também se fez presente no estudo de Silva et al. (2017, p. 122) os quais colocam que “o medicamento tornou-se a principal ferramenta”, quando não, a única terapêutica disponível nos serviços de saúde diante das demandas de saúde mental que ainda seguem a lógica do modelo biomédico (Silva et al., 2017).

Outra questão a ser problematizada nesta abordagem, de acordo com Molck et al. (2021, p. 8), refere-se a um certo “esvaziamento da relação médico-paciente”, quando o profissional assume uma postura restritamente técnica, prejudicando, assim, outras possibilidades de acolher as demandas, os sintomas e as necessidades dos usuários. Tal perspectiva pode implicar o risco de desconsiderar as causas psicossociais, as experiências da vida e as singularidades, dando-se preferência à prescrição de psicotrópicos (Molck et al., 2021).

Outro aspecto que foi analisado de maneira crítico-reflexiva se refere à centralidade do cuidado ainda muito direcionada para a figura do profissional médico, embora muito se venha enfatizando sobre a relevância do trabalho multidisciplinar, especialmente no contexto da ESF. Este aspecto da centralização tem implicações diretas na concretização desta proposta, uma vez que dificulta o diálogo interdisciplinar entre todos os envolvidos no processo do cuidado. Assim, a centralidade na figura do médico (Gama et al., 2021; Molck et al., 2021) e em seu saber-poder (Campos et al., 2018; Onocko-Campos, & Gama, 2013), no decorrer dos processos de trabalho e no delineamento das intervenções, mostrou-se evidente nos seguintes relatos:

. . . sempre para eles é o médico, é a palavra do médico, entendeu? . . . Porque eles só imaginam que quem resolve o problema deles é o médico (Profissional 4).

. . . muito centralizada no médico. Tudo vai para o médico, tem coisas que a enfermagem consegue resolver, muitas, a maioria das coisas a gente consegue resolver, mas não, eles têm que passar pelo médico (Profissional 9).

A partir dos relatos, podem-se elucidar algumas questões que derivam da monopolização na figura do médico e que podem comprometer o cuidado em saúde mental. De acordo com Yasui et al. (2018), o saber médico, quando colocado de forma preponderada sobre os demais profissionais, acaba por produzir uma compartimentalização das ações e, por sua vez, comprometendo a relação entre as diferentes práticas e profissionais, bem como fomentando a reprodução da hierarquização dos saberes.

Outro aspecto trazido pelos participantes que têm influência na constituição da clínica derivada da centralidade no médico e na medicação decorre da renovação de receitas. Tal prática, segundo Campos (2003), dá origem a uma clínica intitulada de “clínica degradada”. A clínica torna-se degradada, de acordo com o autor, por seguir um sistema de “queixa-conduta” no qual não se questiona sobre outras formas de agir, para além das formas padronizadas, e nem se considera a necessidade de cada usuário.

Toda vez que a racionalidade estritamente clínica é atravessada por outras racionalidades do tipo instrumental ou estratégico, há uma degradação de sua potencialidade teórica e perde-se a oportunidade de resolver problemas de saúde (Campos, 2003, p. 60).

As falas a seguir parecem indicar, em certo sentido, a presença desta perspectiva clínica apresentada pelo autor:

É o que ela tem, hoje a mãe vem, tá ali, para pegar as receitas para ela, tá. Ela vai no CAPS, para as consultas, né, com psiquiatra, psicólogo. Daí ela dá lá, quando falta vem aqui (Profissional 12).

[Usuária encaminhada para outro serviço da rede] Ela não veio, não tive mais contato com ela assim, ela não teve mais consulta comigo. . . . Eu acredito que, a partir daí, que ela vai vir aqui, renovar uma receita, aí a gente consegue ter um cuidado a mais (Profissional 17).

Em sintonia com as falas expostas acima, o estudo de Silva et al. (2017) prediz que esta visão compartimentalizada da saúde mental nos serviços de saúde acaba por contribuir para a fragilidade do cuidado, dificultando o real entendimento do sujeito como um todo. Além desse aspecto, outro fator a ser destacado, segundo Gama et al. (2021), diz respeito ao entendimento de que a saúde mental seja uma especialidade apenas da psicologia e da psiquiatria.

Deste modo, os processos de trabalho reforçam a lógica de fragmentação do cuidado, dificultando o desenvolvimento de um cuidado integral, na medida em que essa compartimentalização também pode vir a comprometer “a visão de totalidade do processo” (Santos & Bosi, 2021, p. 1745). Ainda nesse sentido, a fala a seguir permite observar que estas intervenções acabam por fragilizar o cuidado em saúde mental, além de ressaltar o entendimento do processo saúde-doença marcados por especialidades:

Eu preciso saber, lá, chega você está aqui na minha frente, eu tô consultando, a gente tá batendo um papo, preciso saber que medicação você toma, medicação, do teu estilo de vida, são várias informações. Daí quando você vai passando para os profissionais de saúde, cada um vai ter uma conduta e né, teria que ser assim, baseado na conduta. . . . mas aí a corrente se quebra, antes mesmo de se começar porque daí eu tenho uma conduta e mandei lá para o meu colega, sei lá, psiquiatra, que eu não sei o que ele está fazendo, eu só sei depois quando vem renovar a receita, mas assim, sabe (Profissional 17).

Diante da fala apresentada, pode-se inferir que haveria uma certa fragmentação do cuidado, no qual cada profissional toma a sua conduta de acordo com o seu entendimento da situação, demonstrando, assim, uma certa fragilidade na compreensão da situação e revelando a ausência de um projeto terapêutico singular. Neste sentido, embora o sistema de saúde vigente invista na integralidade do cuidado, este princípio parece avançar de forma lenta nas práticas cotidianas em saúde. Segundo Mattos (2004, p. 1412), as mudanças no que tange à integralidade: “. . . acontecem aqui e acolá, mas ainda não ganharam a ­generalização nem a visibilidade que almejamos”. E é por este motivo que, para o autor, é oportuno intensificar as discussões acerca dos “potenciais e limites de sua difusão” (Mattos, 2004, p. 1412). Diante disso, questiona-se: por que está sendo tão difícil pôr em prática a integralidade do cuidado no cotidiano dos serviços?

Na tentativa de esboçar um caminho para compreender este questionamento, Mattos (2004) pontua, em seu estudo, que os profissionais detêm um grande conhecimento empírico sobre as doenças e sobre o quanto estas podem acentuar o sofrimento dos sujeitos. No entanto, ao atuar na perspectiva da integralidade, o profissional necessita compreender o processo de saúde-doença em sintonia com os modos do andar da vida de cada sujeito. Além do mais, cada sujeito se expressa de uma forma única dentro de seu contexto. Daí a importância dos encontros entre profissionais e usuários. “Mais do que isso, defender a integralidade nas práticas é defender que nossa oferta de ações deve estar sintonizada com o contexto específico de cada encontro” (Mattos, 2004, p. 1414).

Por outro lado, entendendo a responsabilidade sanitária que as equipes das ESFs exercem nos seus respectivos territórios de atuação, o cuidado longitudinal se mostra importantíssimo. Isto porque ele opera na garantia da continuidade da atenção em saúde. Conforme Portaria nº 2.436 (2017), o cuidado longitudinal pressupõe a continuidade da construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo e de modo permanente. Desta forma, prevê o acompanhando das ações em saúde, evitando, assim, a perda de referências e ampliando a corresponsabilização do cuidado de forma compartilhada, sendo a atenção básica a referência para o cuidado. A fala da profissional apresentada a seguir evidencia elementos que esboçam o cuidado longitudinal:

Por mais que ele seja encaminhado para lá, a gente vai fazer visita, vai continuar indo, porque, tipo assim, indo na casa, sabe, vendo como que está tudo certinho. Não vai perder o vínculo com a unidade, embora ele vá para um lugar onde é mais especializado para ele, né. Vai ser ajuda mútua, né (Profissional 7).

Além disso, visando ampliar o entendimento acerca do cuidado, entende-se o papel vital dos agentes comunitários de saúde (ACS) como interlocutores entre a comunidade e o serviço de saúde, na garantia desta continuidade do cuidado. A partir de suas práticas no território propriamente dito é que se concretiza essa responsabilidade sanitária da ESF, na garantia de estratégias que possibilitam o cuidado extramuros, exemplificadas pelas visitas domiciliares (Secco et al., 2020). Dito isto, o trabalho de Yasui et al. (2018) vem a se somar, ao descrever que são os ACS os “. . . profissionais que têm a potencialidade de colocar no cenário dos serviços de saúde a vida como ela é, em sua dimensão trágica e complexa” (Yasui et al., 2018, p. 178).

Deste modo, as visitas se mostram de grande valia, ao permitir o entendimento do contexto social e familiar do usuário de forma mais ampliada. Ainda que esses profissionais apresentem pouca formação técnica no que tange às especificidades da atenção à saúde mental, eles são capazes de identificar demandas e compartilhar com a equipe (Campos et al., 2020; Secco et al., 2020). Isso pode ser identificado no relato da Profissional 1:

O atendimento assim, quando aparece aqui uma pessoa que a gente vê que tem problema, a gente procura fazer uma visita domiciliar, para conhecer a família, conhecer o meio que aquela pessoa vive (Profissional 1).

Em relação à prática dos agentes comunitários de saúde, um estudo realizado por Marchesan (2018) vem ao encontro do que foi expresso pela participante, enfatizando a atuação dos agentes comunitários de saúde por meio da escuta qualificada no tocante das demandas de sofrimento psíquico na atenção básica. Desta maneira, mesmo dispondo de pouco conhecimento técnico, esses profissionais demonstraram uma prática promotora de cuidado em saúde mental nas suas microáreas.

Para tal, mostra-se oportuno frisar a potência da utilização da escuta qualificada, na medida em que esta configura-se como uma aliada nos momentos de encontro entre os usuários e os agentes comunitários de saúde, com o intuito de melhor esclarecer as demandas em saúde mental. Além disso, a escuta propicia a criação de laços afetivos e de confiança. Esse recurso pode ser observado no fragmento da entrevista a seguir, no qual se identifica uma postura sensível e acolhedora, o que teria contribuído para que a participante pudesse se dar conta da complexidade da situação, entendendo que algo não estava bem, e, diante do que foi apresentado pelo usuário, tentasse construir outras possibilidades de cuidado:

Uma vez tinha um cara que queria se matar, tentou se matar duas vezes enforcado. . . . sempre perto das perícias. Eu digo bah, não é possível, né. Aí o cara passa seis mês bem, bem assim entre aspas, tomando um horror de medicação, chegava perto da perícia ele começava a surtar, e querer se matar e isso e aquilo. Digo, ah, mas tem alguma coisa errada, né. Aí um dia conversando com ele, qual é o problema . . . o que acontece? Aí ele disse, vou te dizer eu tenho medo de perder o benefício porque tenho três filhos para sustentar, não tenho como trabalhar, porque ele era obeso e tinha quebrado as duas pernas. Ficou com uma dificuldade para caminhar, não tenho como sustentar e se eu perder esse benefício eles vão viver do quê? Vão comer o quê? Aí ele começou a chorar. . . . Aí foi quando a gente conseguiu a internação dele . . . Ele voltou pra casa bem. Aí vinha uma psiquiatra de lá acompanhar ele em casa. A gente fez o acompanhamento dele um tempão, assim, em casa. Mas assim, oh, quando a gente consegue, assim, passar para além do que é a internação aí a gente consegue ver uma melhora, alguma coisa assim (Profissional 9).

A riqueza desse relato nos permite evidenciar a importância de considerar no processo de cuidado em saúde mental o olhar atento para as outras dimensões que compõem o processo de saúde-doença, entendendo o cuidado como multifatorial. Essa perspectiva requer uma aproximação com o entorno social, familiar e cultural do usuário, construindo, assim, uma perspectiva de clínica ampliada. Isto vem ao encontro das falas das participantes:

De um modo geral, ele não é a doença, ele é o paciente que tem atrás dele toda uma família, tem pai, tem mãe, tem filho, tem marido (Profissional 3).

É, tem a cultura, o que acontece na sua casa, não adianta você tratar com medicação, se a pessoa não tira o fator estresse, que causa a dificuldade da saúde mental (Profissional 16).

Assim, é a partir desta perspectiva que a clínica ampliada surge, com o objetivo de integrar diferentes linhas de saberes que convergem na produção e construção de ações que propiciam condições favoráveis para inclusão dos diferentes aspectos subjetivos ou sociais que compreendem o sujeito e o seu processo de saúde-doença (Ministério da Saúde, 2009). Essa concepção também está presente na fala da profissional a seguir:

Então, tu não tem como ver o paciente num só, tu tem que ver um paciente que está incluído numa e outra comunidade, no meio social diferente cada um, com uma situação econômica e social diferente, associada (Profissional 2).

Neste sentido, na fala retratada, percebe-se uma atuação em consonância com a clínica ampliada, uma vez que o profissional menciona outros aspectos envolvidos no processo de saúde-doença. Além disso, os profissionais participantes deste estudo também mencionaram várias práticas envolvendo ações por meio de grupos, como se pode evidenciar na fala a seguir:

. . . era um grupo que surgiu com o grupo de idosos, né, para o artesanato, enfim. E também fez muito bem, tem, se não me engano, a gente tem duas pacientes de baixo . . . que é uma paciente psiquiátrica que não interagia, aprendeu a pintar, fazer crochê, lá, bem faceira, motivada, sabe, para estar indo no grupo (Profissional 13).

Foi possível perceber ainda, por meio das falas, a valorização atribuída aos grupos por parte do profissional, o que sugere o reconhecimento das potencialidades de tais práticas para o bem-estar coletivo e também pessoal dos usuários participantes destas atividades. Embora não se tivesse evidenciado diretamente uma perspectiva terapêutica mais específica, entende-se que os grupos podem assumir diferentes modalidades de promoção e prevenção em saúde e, em alguma medida, estes parecem essenciais ao permitir a socialização, o envolvimento comunitário e, especialmente, o resgate da autonomia e da autoestima desses usuários. Estudo realizado por Secco et al. (2022), no qual foram entrevistados usuários de um grupo de promoção de saúde em uma ESF, destacaram o papel da equipe, em especial os ACS, na construção e consolidação do grupo. Os usuários destacaram, ainda, a percepção ampliada de cuidado, ancorada nas relações, no vínculo e no acolhimento. Tais aspectos também se evidenciam nos relatos a seguir:

E se tu não faz um grupo porque a promoção de saúde não é só para paciente, sabe, a promoção de saúde também é para prevenir aquela complicação de doença crônica que já está estabelecida . . . (Profissional 2).

. . . no contexto do SUS eu acho que seria como a gente diz, não só passar para um profissional, tomar a medicação, mais um conjunto de coisas, os grupos, sabe, de convivência, tu mostrar nos grupos . . ., mas, assim, no contexto de que as pessoas têm experiências diferentes. De fazer mais experiências de grupos terapêuticos de ter mais espaço para isso (Profissional 7).

Assim, além dos aspectos já enfatizados acerca da realização dos grupos, estes também facilitam o desenvolvimento de ações que ultrapassam a lógica mais medicamentosa e propiciam a abertura para uma intervenção de cunho mais ampliado (Secco et al., 2022). Consoante a isto, Klunck e Oliveira (2020) afirmam que a promoção à saúde não é algo estruturado e pronto, e sim construído no território com os sujeitos, de modo a considerar suas singularidades, reconhecendo, assim, as diferenças, acolhendo-as como potência e “possibilitando uma abertura à experimentação de novos modos de existência” (Klunck & Oliveira, 2020, p. 54). Dessa maneira, ressignifica-se o cuidado em saúde mental e repensam-se os modos de fazer saúde.

Segundo Onocko-Campos e Gama (2013), as práticas grupais mostram-se como estratégias fundamentais no campo da atenção básica, já que possibilitam a socialização, integração, o apoio psíquico e as trocas de experiências, além de proporcionarem o sentimento de pertencimento. Por outro lado, os autores problematizam que algumas dessas ações podem assumir características de uma clínica degradada, quando se volta para uma espécie de consulta coletiva, direcionando toda ação à não adesão ao tratamento e assumindo uma postura muito impositiva de condutas ditas terapêuticas (Onocko-Campos & Gama, 2013).

De fato, parece que alguns desafios ainda precisam ser superados no que tange às práticas em saúde mental no âmbito da atenção básica. Por outro lado, pode-se identificar a presença, ainda que não hegemônica, da clínica ampliada, a qual se constitui numa tentativa de sanar estas lacunas e propor outras estratégias de cuidado, superando esses desafios na tentativa de melhor compreender o sujeito e o seu adoecimento para além de um processo biológico.

Portanto, nota-se que, a partir das falas evidenciadas no decorrer deste texto, os profissionais demonstraram um movimento, ora sob uma atuação mais sustentada por uma prática mais tradicional, ora para uma prática mais alinhada à perspectiva da clínica ampliada. No tocante a esta perspectiva mais plural e conectada à realidade das populações atendidas, destaca-se a relevância dessas ações dos profissionais nos territórios das respectivas equipes de saúde da família, a partir da construção de práticas criativas e inventivas no campo da saúde mental. Isto vale também para as estratégias mais generalistas, uma vez que, mesmo que estas não tivessem um foco propriamente dito para saúde mental, de alguma forma, essas práticas favorecem significativamente à promoção da saúde mental, seja por meio do vínculo entre profissionais e usuários, seja pela corresponsabilidade do cuidado tanto em nível individual quanto coletivo. Por fim, parece ser importante destacar que se pôde identificar uma certa pluralidade de pontos de vista e práticas; assim, diferentes abordagens da clínica se fizeram presentes, desde um modelo mais tradicional, até um modelo de clínica degradada e, ainda, uma clínica ampliada.

Considerações Finais

Diante do que foi apresentado neste estudo, ressalta-se a importância da ESF ao desenvolver o cuidado em saúde mental no território, permitindo, assim, a descentralização para um cuidado mais próximo dos usuários. Além do mais, pela responsabilidade sanitária que a ESF assume, é importante trabalhar sobre uma perspectiva multidisciplinar e, mais ainda, pela criação de vínculo com a comunidade e a continuidade do cuidado de maneira longitudinal. Também é importante destacar a relevância do trabalho desenvolvido pelos agentes comunitários de saúde (ACS), sendo estes fundamentais na leitura do território. Os ACS, mesmo não dispondo de uma formação técnica em saúde mental, desenvolvem um trabalho importante no território, por meio da escuta qualificada e de ações extramuros, como as visitas domiciliares em conjunto com os demais profissionais das ESFs. Embora essa prática tenha um caráter mais generalista, ela traduz uma ação que caminha na direção dos pressupostos da clínica ampliada, ao compreender o sujeito com suas demandas sem desconsiderar o seu modo de vida.

Além disso, conclui-se que diferentes abordagens no cuidado em saúde mental encontram-se presentes no cotidiano das ESFs, evidenciando diferentes concepções sobre as práticas “clínicas”, ora marcadas por uma concepção mais tradicional (com os encaminhamentos, prescrições de medicamentos e voltadas para o profissional médico), ora para uma clínica degradada (intervenção centrada na queixa-conduta) e, em outros momentos, uma prática mais alinhadas a uma clínica ampliada, que pressupõe a compreensão do processo de saúde-doença de maneira plural e próxima do contexto de vida do sujeito.

Aliás, é a partir deste entendimento ampliado das necessidades em saúde que o cuidado integral acontece. Tarefa nada fácil, já que isso requer um envolvimento maior daquele que tece o cuidado junto ao usuário. Isto porque centrar o cuidado na prescrição de fármacos ou em consultas não é o suficiente, na medida em que se reconhece a complexidade das situações que envolvem o cuidado em saúde mental. Assim, evidencia-se a relevância das iniciativas relatadas pelos profissionais na construção novos movimentos e ações na realização do cuidado. Neste sentido, discutir estas nuances das diferentes “clínicas” no contexto da ESF, diante das demandas em saúde mental, mostra-se pertinente, ao compreender como estas podem ser fomentadas nas práticas assistenciais. Desta maneira, este trabalho se propõe a provocar reflexões sobre os modos de cuidado em saúde mental no território, a fim de contribuir para um cuidado integral, que venha a se somar com os processos de descentralização da assistência em saúde mental, ampliando a oferta de intervenções. Por fim, destaca-se que, embora tenha sido encontrado um movimento de mudança nas práticas em saúde mental, há, ainda, um longo caminho a ser percorrido na consolidação das práticas que envolvem a clínica ampliada.

Como limitação do estudo, denota-se que este trabalho apresenta apenas um recorte no que tange às práticas no cuidado em saúde mental, uma vez que foi realizado em duas ESFs localizadas em um mesmo município; assim, considerando-se a pluralidade da realidade brasileira, sugere-se a realização de novos estudos, com a finalidade de ampliar as discussões acerca desta temática, bem como promover a abertura para o aprimoramento das possibilidades da clínica no cuidado em saúde mental, no campo da atenção básica, com a participação de gestores e usuários.

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Recebido em: 07/01/2022

Última revisão: 08/11/2022

Aceite final: 29/06/2023

Sobre as autoras:

Franciéli Cavalheiro Viero: Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Mestrado CAPES. E-mail: francieliviero@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5156-4821

Dorian Mônica Arpini:  Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSM. E-mail: monica.arpini@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1667-5112


1 Endereço de contato: Rua Marechal Floriano Peixoto, 227, apto. 404, Centro. CEP: 97010-310. Telefone: (55) 997211009.

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v15i1.1883