Bem-Estar Subjetivo, Qualidade de Vida e Sintomas Psicológicos em Adultos após Acidente Vascular Cerebral

Subjective Well-Being, Quality of Life and Psychological Symptoms in Adults after Stroke

Bienestar Subjetivo, Calidad de Vida y Síntomas Psicológicos en Adultos después del Accidente Vascular Cerebral

Luana Thums

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)

Jaqueline de Carvalho Rodrigues1

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Resumo

Investigou-se a percepção do bem-estar subjetivo (BES), qualidade de vida (QV) e sintomas psicológicos de indivíduos que estavam ou não em reabilitação após acidente vascular cerebral (AVC). Participaram 15 adultos (M = 40,73; DP = 9,46 anos), que responderam à escala brasileira de Bem-Estar Subjetivo (EBES), Escala de Qualidade de Vida Específica para AVC (EQVE-AVE) e Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse. A partir do levantamento, verificou-se que a amostra apresentou níveis baixos e moderados de BES e de QV. Participantes que se mantiveram em reabilitação após o AVC demonstraram maiores níveis de afetos positivos, menores afetos negativos e sintomas de estresse. Maiores sintomas psicológicos estiveram relacionados a menores níveis de BES e QV. Este estudo destaca a importância da reabilitação pós-AVC, focando as necessidades de cada indivíduo. Serviços de atendimento multiprofissional devem considerar o quanto os aspectos emocionais e as experiências subjetivas afetam a recuperação dos pacientes.

Palavras-chave: bem-estar subjetivo, qualidade de vida, acidente vascular cerebral, reabilitação

Abstract

We investigated the perception of subjective well-being (BES), quality of life (QV), and psychological symptoms of individuals who were or were not in rehabilitation post-stroke. Fifteen adults participated (M = 40.73; SD = 9.46 years), who responded to the Brazilian Subjective Well-Being Scale (EBES), Stroke-Specific Quality of Life Scale (EQVE-AVE), and Depression, Anxiety and Stress Scale. From the survey, we found that the sample had low and moderate levels of BES and QV. Participants who remained in rehabilitation after stroke demonstrated higher levels of positive affect, lower negative affect, and symptoms of stress. Higher psychological symptoms were related to lower levels of BES and QV. This study highlights the importance of post-stroke rehabilitation, focusing on the needs of each individual. Multiprofessional care services should consider how emotional aspects and subjective experiences affect patients’ recovery.

Keywords: subjective well-being, quality of life; stroke, rehabilitation

Resumen

Fue investigada la percepción del bienestar subjetivo (BES), la calidad de vida (QV) y los síntomas psicológicos de las personas que estaban o no en rehabilitación después de un accidente cerebrovascular (AVC). Participaron 15 adultos (M = 40,73; SD = 9,46 años), que respondieron la Escala Brasileña de Bienestar Subjetivo (EBES), Escala de Calidad de Vida Específica al Accidente Cerebrovascular (EQVE-AVE) y Escala de Depresión, Ansiedad y Estrés. A partir de los resultados, se constató que la muestra tenía niveles bajos y moderados de BES y QV. Los participantes que permanecieron en rehabilitación después del AVC demostraron niveles más altos de afecto positivo, menor afecto negativo y síntomas de estrés. Los mayores síntomas psicológicos se relacionaron con niveles más bajos de BES y QV. Este estudio destaca la importancia de la rehabilitación posterior al AVC, centrándose en las necesidades de cada individuo. Los servicios de atención multiprofesional deben considerar cómo los aspectos emocionales y las experiencias subjetivas afectan la recuperación de los pacientes.

Palabras clave: bienestar subjetivo, calidad de vida, accidente vascular cerebral, rehabilitación

Introdução

Uma das doenças neurológicas que mais causam incapacidade no Brasil e no mundo é o acidente vascular cerebral (AVC), o que gera altos custos de hospitalização e tratamento, além de exigir boa capacidade de adaptação do paciente e de seus familiares (Thrift et al., 2017; Schmidt et al., 2019). Dependendo do tipo e do local da lesão, o AVC causa prejuízos cognitivos, motores e alterações de humor, que podem influenciar e limitar atividades cotidianas simples (Terroni et al., 2003; Piassaroli et al., 2012; Rodrigues et al., 2019). A perda da produtividade e a incapacidade de desenvolver atividades rotineiras e laborais após a lesão costumam afetar a estabilidade emocional dos pacientes (Silva et al., 2016). Portanto, um plano de recuperação para pessoas acometidas por um AVC deve ser pensado de forma ampla e multiprofissional, com o intuito de repercutir positivamente nos aspectos sociais e psicológicos. O êxito nas adaptações vai impactar os níveis de bem-estar e a qualidade de vida (QV) desses adultos (Ravelo & Néri, 2006).

A QV e o bem-estar subjetivo (BES) dizem respeito a uma avaliação da satisfação com a própria vida, considerando um padrão que a pessoa tenha definido para si (Albuquerque & Tróccoli, 2004). O conceito de QV teve início com as buscas por formas de controlar as doenças e reduzir a mortalidade, aumentando, assim, a expectativa de vida por meio de estratégias de promoção de saúde e melhorias (Silva et al., 2018). Ainda não há um consenso sobre a definição de QV e, por se tratar de um termo complexo que se relaciona a aspectos físicos, psicológicos, sociais e às crenças pessoais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a definiu como a percepção sobre sua posição na vida em um contexto cultural e de valores, em relação a seus objetivos, padrões, expectativas e preocupações (The WHOQOL Group, 1995).

A percepção da QV relacionada à saúde pode demonstrar os efeitos que o AVC gera sobre o nível de satisfação e de bem-estar. Hopman e Verner (2003) verificaram melhoras significativas e impactos positivos na QV de adultos pós-AVC durante a reabilitação. Contudo, esses resultados apresentaram declínio significativo nos seis meses posteriores à alta, sendo que o retorno à vida anterior ao AVC pode ter ampliado a percepção das perdas de funções e da dependência. A diminuição da interação social, um ambiente não favorável e sintomas depressivos têm um efeito adverso na QV, que pode variar com o tempo em paralelo aos reajustes psicológicos e sociais (Corad-Artal et al., 2000; Fisher et al., 2022). Por outro lado, pacientes com menores prejuízos motores, cognitivos, idade, tempo de permanência na internação hospitalar e maior independência funcional, escolaridade, com ocupação e que receberam cuidados de reabilitação após o AVC demonstraram uma melhor percepção de QV (Barbosa et al., 2022).

O BES refere-se à avaliação que o indivíduo faz de como se sente e como se relaciona com os diversos domínios de sua vida (Ravelo & Néri, 2006). Inclui tanto julgamentos cognitivos reflexivos, como satisfação com a vida, quanto respostas emocionais à vida contínua em termos de emoções positivas e agradáveis versus emoções desagradáveis e negativas (Diener et al., 2018). É avaliado com base na frequência de afetos positivos e negativos experienciados (aspectos emocionais) e pela satisfação (julgamento cognitivo) com as diversas áreas da vida (Diener et al., 1985). Assim, o nível de BES vai depender das variáveis emocionais e racionais vivenciadas em cada situação, de acordo com os valores e as crenças internalizadas, que podem ser mensuradas por meio de uma medida de satisfação geral com a vida (Diener et al., 1985; Diener et al., 2018).

Eventos como separação, perdas monetárias e doenças/lesões causam impactos negativos no BES (Kettlewell et al., 2020). Portanto, a vivência de um AVC, por trazer consequências para diferentes áreas da vida dos indivíduos, gera efeitos negativos no BES geral, considerando-se que pode alterar ambas as esferas, cognitiva e afetiva de bem-estar, simultaneamente. No estudo de Simeone et al. (2015), pacientes que sofreram AVC relataram mudanças profundas três meses após retornarem para suas casas e que, apesar de alívio pela recuperação, sentiam suas vidas desaceleradas, além de se verem como um fardo para seus familiares. Ainda, essas pessoas podem apresentar memórias vívidas da fase aguda da doença e consequências emocionais que podem repercutir em um transtorno de estresse pós-traumático.

Além de alterações na percepção do BES e da QV, pacientes pós-AVC frequentemente experimentam sintomas de depressão (Fisher et al., 2022). Estes estão associados a um menor desempenho na memória, na atenção e na velocidade do processamento de informações e influenciam negativamente na autopercepção (Santos et al., 2019). As repercussões dos sintomas depressivos podem gerar prejuízos funcionais e retardo na melhora, comprometendo o processo de reabilitação (Terroni et al., 2003).

Conhecer todas as implicações físicas, psicológicas e emocionais de sofrer um AVC traz benefícios no que tange ao manejo e à recuperação do paciente. De acordo com Ravelo e Néri (2006), fatores como a capacidade cognitiva, o suporte social, a ocupação produtiva, altos níveis de afeto positivo, baixos níveis de sintomas depressivos e as atividades diárias são critérios que influenciam no BES e aumentam as chances de recuperação. Portanto, o sucesso nas adaptações demandadas pelo AVC e o suporte social se tornam um importante indicador do BES. É necessário que essa população tenha acesso aos serviços de reabilitação que contemplem suas reais necessidades, atentando-se para as capacidades e potencialidades de cada usuário (Schmidt et al., 2019).

Devido ao recente fenômeno mundial da pandemia do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), também é preciso levar em conta que este fator pode repercutir no BES e na QV das pessoas devido a uma série de situações, como o isolamento, a suspensão de serviços oferecidos, as mudanças no convívio familiar, o medo do contágio e as incertezas diante da doença. Sendo assim, um serviço de reabilitação que consiga contemplar as necessidades do paciente e as imprevisibilidades do cotidiano e dos contextos aos quais estes estão inseridos deve considerar alternativas e adaptações que suportem este cenário atual.

A partir do exposto, o objetivo deste estudo foi investigar os níveis de BES, QV e sintomas psicológicos em adultos que realizaram ou não reabilitação após o episódio de AVC. Como objetivos específicos, pretendeu-se: a) fazer um levantamento dos níveis de BES, QV e sintomas de depressão, ansiedade e estresse de adultos pós-AVC; b) comparar se os casos que realizam algum tipo de reabilitação (seguem em atendimento mesmo durante a pandemia) relatam melhor QV e BES, além de menores sintomas de depressão, estresse e ansiedade em relação aos casos que interromperam seus atendimentos ou nunca os realizaram; e c) analisar se há associação entre sintomas de depressão, ansiedade e estresse, QV, BES e tempo pós-AVC dos participantes. Como hipótese, sugere-se que os níveis de BES e QV estarão reduzidos após a ocorrência de um AVC em adultos (Corad-Artal et al., 2000; Kettlewell et al., 2020), principalmente em pacientes que não estão em reabilitação, e que haverá relação ­significativa negativa entre os estados emocionais e psicológicos (maiores níveis de ­depressão, ansiedade e estresse) e menores níveis de BES e QV (Terroni et al., 2003; Santos et al., 2019).

todo

Participantes

Participaram deste estudo 15 adultos brasileiros, selecionados por conveniência, diagnosticados com AVC, falantes do português, com idades entre 20 e 61 anos (M = 40,73; DP = 9,46), em sua maioria do sexo feminino (73,3%), de diferentes regiões do país. Os participantes estavam ou não em processo de reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia, psicoterapia etc.) e possuíam adequada capacidade de compreensão da linguagem. A Tabela 1 apresenta os demais dados sociodemográficos dos participantes.

Tabela 1

Dados Sociodemográficos dos Participantes

Características

 

Frequência

%

Estado civil

Casado(a)

6

40,0

Solteiro(a)

3

20,0

Divorciado(a)

3

20,0

União estável

3

20,0

Crença religiosa

Católico(a)

7

46,7

Espírita

3

20,0

Sem religião

3

20,0

Protestante

2

13,3

Escolaridade

Superior completo

5

33,3

Colegial completo (médio completo)

4

26,7

Ensino médio incompleto

3

20,0

Superior incompleto

2

13,3

Primário completo (4ª série do fundamental)

1

6,7

Tipo de escola

Pública

11

73,3

Pública e privada/privada

4

26,7

Profissão

Outros

5

33,3

Pessoas de serviços e vendedores

3

20,0

Especialistas das profissões intelectuais e científicas

2

13,3

Pessoal administrativo e similares

2

13,3

Técnicos e profissionais de nível intermediário

1

6,7

Dirigentes

1

6,7

Operadores industriais e da agricultura e pesca

1

6,7

Ocupação atual

Sem ocupação atual

8

53,3

Aposentado

3

20,0

Especialistas das profissões intelectuais e científicas

2

13,3

Dirigentes

1

6,7

Pessoal administrativo e similares

1

6,7

Comorbidade psiquiátrica

Não possui

5

33,3

Ansiedade

3

20,0

Depressão

3

20,0

Ansiedade e depressão

3

20,0

Outro

1

6,7

Classe social

C1

5

33,3

B2

4

26,7

C2

3

20,0

B1

2

13,3

D-E

1

6,7

Segundo informações dos participantes, a partir de seus exames médicos, o diagnóstico de AVC predominante foi o isquêmico, com lesão no hemisfério direito (Tabela 2) e tempo médio de lesão de 2,66 anos (DP = 2,13). A maioria dos participantes estava em reabilitação (66,7%) ou já a realizou em algum momento (80%). Destes, 11 participantes receberam intervenção em fisioterapia, cinco em psicoterapia, dois em terapia ocupacional, dois em fonoaudiologia e dois em neuropsicologia. Alguns realizavam acompanhamento simultaneamente com mais de um profissional. Durante a pandemia, sete participantes tiveram seus atendimentos interrompidos (58,3%) e cinco mantiveram seus atendimentos (41,7%). Apenas três participantes nunca realizaram reabilitação (20%). A maioria dos participantes não praticava atividades físicas (60%). Não foi controlado o tempo de reabilitação, frequência, nem o local onde realizavam reabilitação. O objetivo do estudo foi apenas delimitar quem recebeu algum tipo de intervenção pós-AVC.

Tabela 2

Dados de Lesão dos Participantes, Segundo seus Exames de Neuroimagem

Característica

Frequência

%

Tipo de AVC

Isquêmico

8

53,3

Hemorrágico

5

33,3

Isquêmico e trombose venosa cerebral

1

6,7

AIT, hemorrágico e isquêmico

1

6,7

Hemisfério cerebral

Direito

10

66,7

Esquerdo

3

20,0

Bilateral

1

6,7

Não informado

1

6,7

Procedimentos e Instrumentos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da universidade onde foi desenvolvida, sendo divulgada para a comunidade em geral por meio das mídias sociais. Os participantes foram selecionados por demonstração de interesse com base no diagnóstico de AVC. As entrevistas aconteceram de forma remota (on-line), e os questionários foram respondidos no Google Forms, com o auxílio da pesquisadora. Todos assinalaram a ­concordância por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) disponível de forma on-line, estando cientes do que se tratava a pesquisa, salientando que a participação ocorreu de forma autônoma, voluntária e anônima.

Inicialmente, os participantes responderam ao questionário de condições de saúde e aspectos socioculturais para caracterização da amostra. Ainda, foram identificados seus dados médicos, tipos de reabilitação realizada e se o atendimento foi interrompido durante a pandemia. Posteriormente, preencheram à Escala Brasileira de Bem-Estar Subjetivo (EBES) (Albuquerque & Tróccoli, 2004) composta por 62 itens, divididos em duas subescalas do tipo likert de cinco pontos. A primeira avalia os sentimentos e as emoções positivas e negativas, enquanto a segunda avalia a satisfação com a vida. Para avaliação dos níveis de BES, foi considerado como ponto de corte a média 3, sendo assim, 1 e 2 representa baixo BES; 3, moderado BES; e 4 e 5, elevado BES (Silva & Heleno, 2012). Um BES elevado inclui a vivência de maiores afetos positivos e baixa frequência de afetos negativos, dessa forma, quanto maior os escores de afetos positivos e satisfação com a vida e menores escores de afetos negativos, mais altos são os níveis de BES. A escala apresenta índices de consistência interna de α= 0,95 para afeto positivo, α= 0,95 para afeto negativo e α= 0,90 para satisfação-insatisfação com a vida no contexto brasileiro (Albuquerque & Tróccoli, 2004).

Em seguida, os participantes responderam à Escala de Qualidade de Vida Específica para AVC (EQVE-AVE – Stroke Specific Quality of Life Scale – SSQOL; Williams et al., 1999). Trata-se de uma escala de autorrelato que contém 49 itens distribuídos em 12 domínios: Mobilidade (6 itens); Energia (3 itens); Função da Extremidade Superior (5 itens); Trabalho/Produtividade (3 itens); Humor (5 itens); Autocuidado (5 itens); Papéis Sociais (5 itens); Funções Familiares (3 itens); Visão (3 itens); Idioma (5 itens); Pensamento (3 itens) e Personalidade (3 itens), classificados em uma escala likert de 5 pontos (Williams et al., 1999). O nível de QV é mensurado por meio da percepção do participante, sendo que quanto mais positiva, maior a probabilidade de pontuar escores altos na escala; e quanto mais negativa, maior a probabilidade de pontuar escores mais baixos. Os escores inferiores a 147 pontos foram considerados níveis baixos para a QV, e os escores acima desta pontuação foram considerados como boa/adequada QV (Moreira et al., 2015). As qualidades psicométricas da versão brasileira foram avaliadas por Gomes-Neto (2007), que, por meio da análise de Rasch, demonstrou uma consistência interna de 0,93 e das medidas de habilidade dos hemiplégicos de 0,98. O instrumento foi considerado clinicamente útil para a população à qual é proposta.

Por fim, os participantes responderam a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) (Vignola et al., 2014). Este instrumento é composto por 21 itens, divididos em três subescalas com sete itens cada um, pontuadas em uma escala likert de 4 pontos. Os níveis dos estados emocionais são classificados em normal, leve, moderado, severo e extremamente severo, sendo que escores mais altos correspondem a níveis mais graves de depressão, ansiedade e estresse. O instrumento apresenta adequadas evidências de validade e fidedignidade para a população brasileira. O alfa de Cronbach foi de 0,92 para depressão, 0,90 para estresse e 0,86 para ansiedade (Vignola et al., 2014). Cada participante demorou aproximadamente uma hora para responder à pesquisa e, posteriormente, recebeu os resultados dos seus questionários como forma de agradecimento.

Análise de Dados

Para responder aos objetivos específicos deste estudo, foram realizadas análises descritivas dos resultados das escalas DASS-21, EBES e EQVE-AVE e um levantamento da porcentagem das respostas da amostra. Participantes foram divididos em dois grupos, a fim de comparar seus escores nessas escalas, por meio de teste não paramétrico de Mann-Whitney: 1) fazem reabilitação e mantiveram seus atendimentos durante a pandemia; 2) nunca fizeram reabilitação ou faziam e tiveram seus atendimentos interrompidos durante a pandemia. Além do nível de significância, foi analisado o tamanho de efeito para as diferenças entre os dois grupos (Cohen, 1988). Por fim, realizou-se análise de correlação de Spearman (p < 0,05), a fim de verificar a associação entre as variáveis tempo pós-AVC, DASS-21, EBES e EQVE-AVE.

Resultados

Este estudo teve como objetivo analisar os níveis de BES, QV e aspectos emocionais de adultos que realizaram ou não reabilitação após o episódio de AVC. Inicialmente, foi realizado um levantamento dos escores dos participantes nos instrumentos que avaliam esses construtos. O BES foi avaliado por meio dos níveis de satisfação com a vida e da frequência dos afetos positivos e negativos, indicando o nível de BES de modo geral. No total da escala, os participantes apresentaram um escore médio de 2,9 (DP = 1,0) nos afetos negativos e de 3,2 (DP = 1,1) nos afetos positivos, o que indica um baixo nível de afetos negativos e um nível moderado de afetos positivos.

Os sentimentos e as emoções pontuados com maior frequência pelos participantes foram: sentir-se envergonhado (60%), seguido de deprimido, transtornado, ansioso (afetos negativos), amável, alegre e determinado (afetos positivos), indicados em 53,3% da amostra. Os adultos apresentaram baixa frequência de afetos negativos e baixa a moderada de afetos positivos. No domínio de satisfação com a vida, o escore médio apresentado pela amostra foi de 2,9 (DP = 0,8), o que indica um baixo nível de satisfação com a vida. Apesar de grande parte da amostra avaliar a vida de forma positiva, a maioria dos participantes indicou que se pudessem mudariam o passado (66,7%) e que a vida poderia estar melhor (60%).

A avaliação da QV foi mensurada por meio da percepção que os participantes têm sobre o impacto do AVC em aspectos físicos, psicológicos e sociais, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a percepção da QV. Os participantes apresentaram um escore total médio de 134,67 pontos (DP = 39,99), com pontuação mínima de 88 e máxima de 218, o que indica que a maior parte da amostra apresentou um baixo nível de QV. Participantes indicaram maior comprometimento da QV quanto à falta de energia (73,3%), prejuízos nos papéis familiares (46,7%) e sociais (66,7%), deficits na mobilidade (66,7%), no humor (60%), mudança de personalidade (66,7%), dificuldades de memória (66,7), necessidade de ser cuidado (60%) e prejuízos no trabalho/produtividade (53,3%). Os participantes, em sua maioria, indicaram não apresentar dificuldades de linguagem (53,3%).

Na escala DASS-21, o aspecto mais pontuado foi o estresse, com sintomas como dificuldade em se acalmar e relaxar, sentir-se sensível, emotivo demais e tendência a reagir de forma exagerada às situações, seguidos pela depressão (achar difícil ter iniciativa para fazer as coisas, sentir-se depressivo e sem ânimo e não conseguir se entusiasmar com nada) e ansiedade (sentir medo sem motivo e que ia entrar em pânico). A maioria dos participantes indicou ausência de sintomas de depressão (40%), seguida de sintomas leves (26,7%), moderados (20%) e graves (13,3%). No domínio do estresse, 80% dos participantes apresentaram nível normal; 13,3%, moderado; e 6,66%, leve. Quanto a sintomas de ansiedade, a maior parte da amostra demonstrou níveis normal e leve (33,3% cada um), seguidos de nível moderado e extremamente severo (13,3% cada), e 6,66%, severo.

Foram comparados os resultados dos participantes nas escalas BES, EQVE-AVE e DASS-21, divididos em grupos que mantiveram ou não seus atendimentos em reabilitação durante a pandemia. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos nos itens BES – afetos positivos e negativos, e na variável estresse do DASS-21, com grandes tamanhos de efeito. Adultos que mantinham seus atendimentos em reabilitação apresentaram maiores afetos positivos, menores afetos negativos e menores níveis de estresse, conforme pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3

Comparação dos Escores nas Escalas BES, EQV-AVE e DASS-21 entre os Grupos que Estavam ou não em Reabilitação Durante a Pandemia

Escala

Grupo em reabilitação

(n = 5)

Grupo sem reabilitação

(n = 10)

U

p

r

M (DP)

Mín.-Máx.

M (DP)

Mín.-Máx.

EBS afeto positivo

93,00 (10,88)

81 - 103

57,50 (21,00)

30 - 96

45,500

0,008*

0,63

EBS afeto negativo

51,60 (12,16)

39 - 66

91,00 (21,92)

61 - 119

2,000

0,003*

0,74

EBS satisfação com a vida

53,60 (8,17)

40 - 60

40,70 (12,70)

23 - 59

40,500

0,055

0,47

EQVE-AVE

160,00 (36,00)

121 - 218

122,00 (37,11)

77 - 190

40,000

0,075

0,46

DASS-21 depressão

5,80 (7,56)

0 - 18

12,30 (6,31)

0 - 21

11,500

0,099

0,44

DASS-21 ansiedade

7,80 (3,63)

2 - 12

10,80 (6,46)

2 - 21

19,500

0,513

0,19

DASS-21 estresse

5,20 (5,45)

0 - 13

13,70 (3,83)

7 - 20

5,500

0,013*

0,63

Nota: M = média; DP = desvio-padrão; EBS = Escala de Bem-Estar Subjetivo; EQVE-AVE = Escala de Qualidade de Vida no AVC; Mín. = escore mínimo; Máx. = escore máximo; r = tamanho de efeito. São considerados um tamanho de efeito grande valores maiores que 0,6 (Cohen, 1988). *A correlação é significativa no nível 0,05.

A Tabela 4 apresenta as correlações entre as escalas BES, EQVE-AVE e DASS-21 e o tempo pós-AVC. De modo geral, observa-se que escores em afetos positivos apresentaram correlação negativa de moderada a forte com os afetos negativos, depressão, ansiedade e estresse. Ainda, os afetos positivos se correlacionaram de forma positiva e forte com os níveis de satisfação com a vida e com a QV. Houve correlação negativa e moderada entre os afetos negativos e sintomas de depressão e estresse. A QV correlacionou-se significativamente de forma positiva e moderada a forte com afetos positivos e satisfação com a vida. Também houve correlação negativa e forte entre a QV e sintomas de depressão, e moderada, com o estresse e os afetos negativos. O tempo pós-AVC correlacionou-se de forma negativa e moderada apenas com a variável ansiedade, portanto, participantes com menos tempo pós-AVC apresentam maiores níveis de sintomas de ansiedade.

Tabela 4

Correlações entre as Escalas de BES, QV, DASS-21 e Tempo Pós-AVC

 Escalas

EBS afeto positivo

EBS afeto negativo

EBS satisfação com a vida

EQVE-AVE

DASS-21 Depressão

DASS-21 Ansiedade

DASS-21 Estresse

Anos

pós-AVC

EBS afeto positivo

1

-,825**

,819**

,733**

-,687**

-,571**

-,712**

,451

EBS afeto negativo

-,825**

1

-,683**

-,612*

,570*

,478

,688**

-,431

EBS satisfação com a vida

,819**

-,683**

1

,845**

-,767**

-,523*

-,714**

,407

EQVE-AVE

,733**

-,612*

,845**

1

-,667**

-,415

-,634*

,401

DASS-21 Depressão

-,687**

,570*

-,767**

-,667**

1

,605*

,541*

-,123

DASS-21 Ansiedade

-,571**

,478

-,523*

-,415

,605*

1

,453

-,567*

DASS-21 Estresse

-,712**

,688**

-,714**

-,634*

,541*

,453

1

-,412

Anos pós-AVC

,451

-,431

,407

,401

-,123

-,567*

-,412

1

Nota: EBS = Escala de Bem-Estar Subjetivo; EQVE-AVE = Escala de Qualidade de Vida no AVC; **A correlação é significativa no nível 0,001; *A correlação é significativa no nível 0,05.

Discussão

A hipótese de que os níveis de BES e QV estariam reduzidos após a ocorrência de um AVC foi confirmada. De modo geral, a amostra apresentou níveis baixos e moderados de BES e QV, o que vai ao encontro da literatura que relata que pessoas com algum tipo de lesão cerebral apresentam níveis reduzidos nestas variáveis (Corad-Artal et al., 2000; Hopman & Verner, 2003; Kettlewell et al., 2020). Embora os participantes tenham avaliado a vida de forma positiva, a maioria indicou que ela poderia estar melhor e que, se pudesse, mudaria o passado. Os resultados também confirmam a hipótese de que há associação negativa desses domínios com os estados emocionais, sendo que os participantes que apresentaram maiores níveis de depressão, ansiedade e estresse obtiveram menores níveis de BES e QV.

Os participantes indicaram que alterações como perda de energia, papéis familiares, humor, personalidade, autocuidado e papéis sociais interferiam em sua QV, o que vai ao encontro dos resultados encontrados por Moreira et al. (2015). Pessoas que sofrem uma desorganização em suas vidas devido a uma doença necessitam se adaptar a uma nova rotina, retomando gradualmente capacidades e competências afetadas (Simeone et al., 2015). As altas pontuações em itens como “sentir que era um fardo para a família”, “sentir-se afastado e isolado das pessoas” e entender que “a condição física interferiu na vida social” indicam dificuldades na condução dos ajustes sociais exigidos após a vivência de um AVC e contribuem para uma percepção mais baixa da QV. Além disso, o comprometimento da funcionalidade das pessoas que sofreram um AVC dificulta sua reinserção social e retomada das atividades anteriormente desenvolvidas (Moreira et al., 2015).

Na descrição da amostra, percebe-se que a maioria dos participantes não retomou suas ocupações laborais ou estava aposentada, sendo que, destes, apenas dois tinham mais de 42 anos de idade. O fato de esses adultos não conseguirem retornar para seus trabalhos impacta a percepção da QV e do BES, pois, além do deficit econômico, o não retorno ao trabalho afeta tanto a participação quanto a inserção do indivíduo na esfera social (Trad et al., 2017).

Na descrição da amostra, observa-se também que a maioria dos participantes tem alta escolaridade. Portanto, as pessoas que responderam aos questionários têm acesso à internet e funcionalidade para participar de estudos como este, que exigem certo grau de compreensão. Ainda, os participantes indicaram que a linguagem foi o domínio menos afetado em sua QV, o que também facilita a compreensão de informações escritas. Sendo assim, a baixa escolaridade e os deficits linguísticos podem representar um fator de risco no acesso a informações e aos programas de reabilitação e tratamento do AVC (Fernandes et al., 2012; Moreira et al., 2015). Acredita-se que pacientes com menor nível escolar e deficits mais severos apresentariam escores ainda mais reduzidos de BES e QV se comparados a esta amostra.

Na comparação dos níveis de BES, QV e sintomas psicológicos, verificou-se que quem estava em reabilitação percebia maiores níveis de afetos positivos e menores níveis de afetos negativos e sintomas de estresse, em relação aos adultos que não estavam em reabilitação (interromperam durante a pandemia ou nunca a fizeram). Portanto, realizar intervenções em fisioterapia, psicoterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e neuropsicologia impacta de forma positiva a vida de adultos pós-AVC. O processo de recuperação e retomada das atividades é gradual e variável de acordo com os deficits manifestados. Programas de reabilitação voltados para a reinserção social, retomada de autonomia e independência, que buscam olhar para as necessidades singulares de cada pessoa, auxiliam na melhora da QV (Barbosa et al., 2022; Rangel et al., 2013), conforme nossos resultados sugerem.

Quanto aos estados emocionais, os participantes indicaram que quanto maiores os níveis de depressão, ansiedade e estresse, menores os níveis de afetos positivos, de BES e de QV, o que corrobora dados de outros estudos (Barbosa et al., 2022; Fisher et al., 2022). Em uma revisão sistemática realizada por Ferreira (2020), constatou-se que a presença de fatores psicológicos pode influenciar na percepção da doença e na gravidade com que as consequências de um evento como as lesões encefálicas são percebidas, interpretadas e vivenciadas. Estados emocionais clínicos que comprometem a QV e os níveis de BES também podem interferir na adesão aos programas de reabilitação, dificultando a reinserção desses pacientes na sociedade e na retomada gradual da autonomia (Fisher et al., 2022). Assim, a compreensão da doença e de possíveis comorbidades se faz essencial para implementação de um tratamento adequado e de um planejamento que busca otimizar e potencializar recursos em prol da melhora desses pacientes, uma vez que o engajamento no tratamento é essencial para o aumento da efetividade.

O presente estudo também mostrou que participantes com menos tempo pós-AVC apresentaram maiores níveis de ansiedade do que aqueles que convivem com o diagnóstico há mais tempo. Considera-se que esse resultado pode estar relacionado a uma possível estabilidade do convívio com a sintomatologia e percepção da doença de quem convive com o diagnóstico, como também pode estar relacionada a fatores contextuais como a atual pandemia do covid-19. Segundo Barros et al. (2020), a pandemia tem produzido um aumento de sintomas depressivos, ansiosos, sentimento de solidão e incertezas, fatores estes que se apresentaram comprometidos após a vivência de um AVC na amostra em estudo, o que pode refletir de forma significativa nos estados emocionais e na experiência de afetos negativos, comprometendo tanto a QV quanto o BES de uma população já vulnerável. Assim, ressalta-se novamente a necessidade de considerar os aspectos contextuais no planejamento da reabilitação.

Uma vez que os níveis de BES são mensurados também pelos afetos, entende-se que experiências emocionais intensas, positivas ou negativas, podem se sobrepor à doença instaurando barreiras ou facilitando um processo de reabilitação e melhora. Defender um serviço que priorize uma compreensão global do paciente não é somente necessário, mas também efetivo. Acredita-se que a psicologia pode contribuir de maneira significativa no processo de compreensão, recuperação e na forma com que esses adultos vão lidar e vivenciar a vida pós-AVC, auxiliando no direcionamento de um tratamento adequado que possibilite entender as experiências objetiva, subjetiva e afetiva do processo de adoecimento e recuperação, reduzindo ou minimizando os impactos negativos dessas.

Conclusões

Este estudo teve por intuito auxiliar na compreensão e na dimensão da experiência pós-AVC, dando ênfase na vivência subjetiva e nos fatores psicológicos como relevantes nos processos de adesão e recuperação que o sucedem. Verificou-se que adultos pós-AVC percebem baixos níveis de afeto positivo, pior QV e sintomas psicológicos, principalmente quando nunca fizeram reabilitação ou tiveram seu atendimento interrompido. Portanto, o acesso a serviços de reabilitação, respeitando a singularidade e os deficits específicos apresentados, deve ser facilitado a todos os adultos que experenciam este episódio e convivem com uma doença crônica.

Os resultados deste estudo contribuem para uma literatura nacional ainda escassa na compreensão da QV, do BES e de fatores psicológicos de adultos pós-AVC, enfatizando o lugar da psicologia como uma prática necessária e favorável aos programas de apoio e reabilitação, que condizem com uma atuação mais sensível e humanizada do cuidado. A capacidade de compreender e avaliar o sujeito por meio de uma visão holística demonstra e incentiva a importância do trabalho interdisciplinar, que, atendendo a todas as necessidades do paciente, consegue fornecer um plano de tratamento e reabilitação mais qualificado e efetivo.

Uma limitação deste estudo é o número reduzido da amostra devido a coleta ter se dado por conveniência e no formato on-line, respeitando as indicações de distanciamento social, fator este que pode ter contribuído para a não adesão de participantes em estados clínicos mais graves, com deficits de linguagem ou com menor nível de escolaridade. Sugere-se que pesquisas futuras possam aumentar a amostra e realizar estudos longitudinais que acompanhem o progresso desses adultos, podendo, assim, melhor verificar as variáveis que alteram os níveis de BES e QV e influenciam na recuperação e reorganização pós-AVC.

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Recebido em: 19/05/2022

Última revisão: 03/11/2022

Aceite final: 16/12/2022

Sobre as autoras:

Luana Thums: Psicóloga pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Psicóloga em consultório particular. E-mail: lu_thums@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9553-0458

Jaqueline de Carvalho Rodrigues: Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Departamento de Psicologia do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica (PUC-Rio). E-mail: jaquecarvalhorodrigues@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9947-4705


1 Endereço de contato: Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea, Rio de Janeiro, RJ. CEP 22543-900. Telefone: (021) 99479-1503. E-mail: jaquecarvalhorodrigues@gmail.com

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v14i4.2045