Isolamento Social em Clientes Atendidos em uma Gestalt-Terapia de Curta Duração On-line: Avaliação Qualitativa

Social Isolation in Clients Attended in an Online Short-Term Gestalt Therapy: Qualitative Evaluation

Aislamiento Social en Clientes Atendidos en Terapia Gestalt en Línea de Corta Duración: Evaluación Cualitativa

Carolina Alves Cruz

Universidade Federal da Bahia

Paulo Coelho Castelo Branco

Universidade Federal do Ceará

Resumo

A partir do contexto de quarentena, advindo da pandemia de covid-19, em uma pesquisa clínico qualitativa, este estudo objetivou avaliar os efeitos de uma prática Gestalt-terapêutica de curta-duração on-line em pessoas com problemas de isolamento social. Foram selecionados quatro participantes, que se submeteram a cinco atendimentos. Após isso, foi empregado um roteiro semiestruturado de entrevista, para avaliar o processo terapêutico a partir das percepções dos clientes. Os resultados foram discutidos segundo a análise do conteúdo, obtendo-se os seguintes eixos: compreensão da experiência de isolamento social; experiência do atendimento on-line; efeitos da intervenção. Conclui-se que a Gestalt-Terapia se mostrou uma estratégia de cuidado à saúde que produziu efeitos positivos nos clientes, no sentido de possibilitar a eles a experiência de isolamento social, de modo a (re)elaborá-la e se (re)posicionar diante dela, de modo mais apropriado e criativo.

Palavras-chave: análise de conteúdo, Gestalt-terapia, isolamento social, pesquisa qualitativa, terapia on-line

Abstract

From the context of quarantine arising from the COVID-19 pandemic, through a qualitative clinical research, this study aimed to evaluate the effects of a short-term online Gestalt-therapeutic practice in people with social isolation problems. Four participants were selected who underwent five consultations. After that, a semi-structured interview script was used to evaluate the therapeutic process from the clients’ perceptions. The results were discussed according to content analysis, obtaining the following axes: social isolation experience understanding; online attendance experience; intervention’s effects. It is concluded that Gestalt-Therapy proved to be a health care strategy that produced positive effects on clients, in the sense of allowing them to have contact with the social isolation experience, in order to (re)elaborate it and (re)position in front of her, in a more appropriate and creative way.

Keywords: contend analysis, Gestalt therapy, social isolation, qualitative research, online therapy

Resumen

A partir del contexto de cuarentena derivado de la pandemia de COVID-19, en una investigación clínica cualitativa, este estudio objetivó evaluar los efectos de una práctica terapéutica Gestalt en línea de corto plazo en personas con problemas de aislamiento social. Fueron seleccionados cuatro participantes que se sometieron a cinco consultas. Posteriormente, se utilizó un guion de entrevista semiestructurada para evaluar el proceso terapéutico a partir de las percepciones de los clientes. Los resultados fueron discutidos según el análisis de contenido, obteniendo los siguientes ejes: comprensión de la experiencia de aislamiento social; experiencia de servicio en línea; efectos de la intervención. Se concluye que la Terapia Gestalt demostró ser una estrategia de atención en salud que produjo efectos positivos en los clientes, en el sentido de permitirles tener contacto con la experiencia de aislamiento social, para (re)elaborarla y (re)posicionarse ante él, en una forma más adecuada y creativa.

Palabras clave: análisis de contenido, terapia de Gestalt, aislamiento social, investigación cualitativa, terapia a distancia

Introdução

Após a detecção do SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19, em 31 de dezembro de 2019, em Wuhan, na China, houve o desencadeamento de uma crise global a partir da pandemia, sendo declarada uma emergência de saúde pública de alcance e interesse internacional. O vírus apresentou um potencial de transmissibilidade alto, especialmente por haver infecção durante o período de incubação. Em 11 de março de 2020, a infecção de covid-19 foi declarada pandêmica pela Organização Mundial de Saúde. Em contrapartida, antes da disseminação da vacina, iniciada em dezembro 2021, medidas foram adotadas para atrasar e/ou mitigar o avanço da epidemia, visando a um menor pico de incidência em um curto espaço de tempo, o que sobrecarregou os sistemas de saúde (Brooks, et al., 2020).

No Brasil, os desafios foram potencializados devido à informação escassa de transmissibilidade do vírus em um país com uma desigualdade social explícita, onde uma parcela da população vive em situação de condições básicas de acesso a saúde, as quais são insuficientes (Werneck & Carvalho, 2020). As medidas utilizadas variaram de acordo com o plano de contingência de cada país e seguiram as fases de contenção, mitigação, supressão e recuperação. A contenção ocorreu, em um primeiro momento, quando ainda não havia sido identificados casos internos, e a principal ação era centrada no rastreamento de passageiros advindos do exterior, para evitar transmissão comunitária. A mitigação se concentrou no atraso do avanço da epidemia, unido ao isolamento de casos identificados positivos. A supressão intentou reverter o crescimento epidêmico, reduzindo número de casos a níveis baixos e mantendo essa situação indefinidamente, a exemplo do direcionamento dos primeiros suprimentos de vacina e medicamentos direcionados a indivíduos com condições médicas pré-existentes e população de risco, esperando que a imunidade da população se acumulasse no decorrer do tempo. Por fim, na fase de recuperação, observou-se uma involução de casos novos e a reestruturação socioeconômica do país (Barreto et al., 2020).

Dentre as principais medidas antes da vacinação, destacaram-se a quarentena, o lockdown, o distanciamento social e o isolamento social. A quarentena se trata da separação e restrição do movimento de pessoas que foram potencialmente expostas a uma doença, reduzindo seu risco de propagação, passando um período de 14 dias, considerado o tempo de incubação do vírus. Lockdown, embora não faça parte do vocabulário em saúde pública, é uma medida governamental mais rígida de bloqueio total, com possível aplicação de multas e fiscalização quando a recomendação se torna obrigatória. O distanciamento social é feito voluntariamente, com a finalidade de ficar longe o suficiente de outras pessoas, objetivando a diminuição da probabilidade de contágio até que a capacidade de assistência do sistema de saúde se estabilize, ou algum tratamento terapêutico efetivo seja implantado. O isolamento social pode ser subdividido em: vertical, para manter somente pessoas dos grupos de risco separadas; horizontal, para preservar a maior parte da população em suas residências (Brooks et al., 2020; Werneck & Carvalho, 2020).

Situações de emergências e desastres anteriores solicitam o suporte psicológico in loco e viabilizam o atendimento de urgência por equipes de psicólogos treinados. No cenário pandêmico de isolamento social, tais estratégias foram desencorajadas, tendo em vista o risco iminente à população, levando a um comprometimento e uma restrição das terapias presenciais e ao fomento das terapias on-line, para minimizar o risco de propagação do vírus (Schmidt et al., 2020). Com a difusão da internet e o avanço das tecnologias da informação e comunicação no campo da psicoterapia, sobretudo durante e após a pandemia (Gonçalves & Ferreira Neto, 2023), foi possível constatar mudanças pragmáticas na atuação da psicologia clínica, desde o primeiro contato entre cliente e terapeuta a feedbacks recebidos no processo terapêutico. Isso reverberou na relação clínica, de modo que o campo e o setting parecem ter perdido delimitação física e temporal, abrindo novos desafios e possibilidades (Feijó et al., 2021).

Nesse contexto, a Gestalt-Terapia teve de se adaptar a um contato pelo ambiente virtual, a partir do desenvolvimento de um atendimento visando a um ajustamento criativo diante da situação pandêmica (Severino, 2021). A Gestalt-Terapia on-line apresenta, pois, o potencial de acompanhar as mudanças na personalidade e nas relações intra e interpessoais, baseando-se na premissa de que a sua teoria de self se fundamenta em uma descrição fenomenológica do campo (Yontef, 1988/1998), sendo este manifesto, também, pelas vias virtuais. Assim, o clínico é o próprio instrumento de leitura do campo e de intervenção virtuais, favorecendo uma atuação mediada por tecnologias da informação e comunicação (Pimentel, 2017). A Gestalt-Terapia on-line, tal como suas compartes presenciais de curta duração (Pinto, 2009), considera o homem como um ser relacional, dando destaque à relação como componente terapêutico basilar (Faria, 2019). Considerando o exposto, este estudo objetivou avaliar qualitativamente os efeitos de uma prática Gestalt-terapêutica de curta duração on-line em pessoas com problemas de isolamento social em decorrência da pandemia de covid-19.

Método

Delineamento

Trata-se de uma abordagem de pesquisa clínico-qualitativa sobre o processo Gestalt-terapêutico de curta duração, empreendido de forma on-line. Esta modalidade tem relação com um tipo de pesquisa de fundamentação empírica que é direcionado à resolução de problemas coletivos, de maneira que os usuários do serviço estão envolvidos na compreensão e avaliação qualitativa do atendimento clínico que lhes foi prestado. Essa perspectiva é útil para desenvolver estudos sobre fenômenos socioculturais novos que afetam a saúde pública e têm implicações nos settings clínicos (Turato, 2013).

Seleção dos participantes, critérios de inclusão, descrição da intervenção e local da pesquisa

Os clientes participantes da pesquisa foram selecionados por critérios de amostragem intencional e por conveniência (Turato, 2013). A seleção ocorreu por busca ativa, através da divulgação da implementação do serviço de atendimento psicológico on-line. Foi criada uma página na rede social Instagram para fornecer as informações sobre os procedimentos do estudo e sobre a intervenção, bem como elaborado um formulário virtual para triagem dos participantes. Como critérios de inclusão, o participante deveria: a) apresentar queixas psicológicas decorrentes da vivência do isolamento social relacionado à prevenção de propagação e contágio do covid-19; b) ter mais de 18 anos; c) ter condições de conexão a Internet, com banda larga e aparelho que viabilizasse o atendimento on-line, além de habilidade para utilizá-los; d) residir no município onde foi realizado o estudo, para facilitar ­possível ­encaminhamento ou atendimento presencial, em caso de necessidade. Foram excluídos candidatos que apresentaram algum tipo de demanda emergencial (por exemplo, tentativa de suicídio). Das vinte e uma pessoas inscritas, somente quatro se adequaram aos critérios e compuseram a clientela final. Após contato virtual inicial, foi enviado por e-mail o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado por cada participante.

As intervenções foram baseadas nos princípios teóricos e práticos que sustentam a prática em Gestalt-Terapia (Perls et al., 1951/1997; Yontef, 1988/1998). Na perspectiva de curta duração, para os fins desta pesquisa, em todo o processo de aliança terapêutica, enfocou-se o isolamento social a partir de quatro pontos fundamentais (Pinto, 2009): o fundo, o estilo de personalidade que dá sustentação à queixa e ao sintoma; a figura trazida pelo cliente, sua dor, sua queixa, seu sintoma identificado, incluindo um olhar para seu ponto de interrupção no ciclo do contato; a situação terapêutica a cada sessão; o campo existencial, que inclui além de condições de vida em um determinado momento e como eles são vividos. Logo, evitou-se trabalhar todas as questões terapêuticas em função de figurar as demandas, os conteúdos e as intervenções direcionadas à uma tomada de consciência e elaboração sobre o sofrimento relacionado ao isolamento social no contexto pandêmico.

Os participantes se submeteram a cinco sessões on-line, uma vez por semana, com duração de 50 minutos cada uma. Embora houvesse a possibilidade de renovação dessa quantidade de sessões, isso não ocorreu, pois nenhum cliente demonstrou a necessidade de prolongamento do processo clínico. Os atendimentos aconteceram entre outubro de 2020 e março de 2021. As intervenções ocorreram sincronicamente pela plataforma digital Google Meet.

Procedimentos de Coleta e Análise dos Dados e Questões Éticas

Após o término de cada processo interventivo, foi aplicado um roteiro semiestruturado de entrevista, empregado com cada participante pela mesma plataforma digital. Na pesquisa clínico-qualitativa, esse roteiro serve como recurso para compreender os significados do fenômeno a que se direcionou a intervenção e avaliar os seus efeitos a partir da percepção dos usuários (Turato, 2013). Foram realizadas as seguintes perguntas: como foi estar isolado de contato social para você? Quais as principais repercussões da experiência do isolamento para você? Você poderia citar alguma experiência marcante durante o isolamento? No momento em que iniciamos os atendimentos on-line, como você estava? Como foi a sua experiência com os atendimentos on-line? Você teve alguma dificuldade no atendimento on-line? Você viu alguma vantagem ou desvantagem com o atendimento on-line? Como o atendimento afetou você durante e depois da experiência de isolamento? Você percebeu alguma mudança no decorrer dos atendimentos? Como você avalia o atendimento? Gostaria de falar mais alguma coisa? As respostas foram gravadas, transcritas e submetidas a uma análise de conteúdo, conforme as seguintes etapas (Turato, 2013): leitura geral; identificação de temas relacionados à compreensão do isolamento social e aos efeitos da Gestalt-Terapia; estabelecimento de eixos sobre os temas apreendidos.

Esses procedimentos ocorreram entre abril e setembro de 2021. O estudo seguiu os parâmetros e itens que regem o Conselho Nacional de Saúde (CNS), consoante as Normas e Resoluções CNS/466, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE n° 36769720.0.0000.5556).

Resultados

Pela análise das entrevistas realizadas após a conclusão dos atendimentos, elencamos três eixos temáticos. O primeiro, Compreensão da experiência de isolamento social, funciona para compreender o isolamento do cliente, os problemas decorrentes dessa experiência e a queixa que o levou ao movimento de busca por ajuda. O segundo, Experiência do atendimento on-line, remete ao processo de acompanhamento do cliente, mapeando como ele percebeu seus próprios movimentos terapêuticos no decorrer dos atendimentos. O terceiro, Efeitos da intervenção, versou como os clientes avaliaram o processo. Ressalta-se que denominamos cada um dos participantes atendidos pela letra “P”, seguida pelo seu número.

Discussão

Compreensão da Experiência de Isolamento Social

Diante da experiência de distanciamento social, os participantes relatam uma busca por uma reorganização da rotina. Identificamos que, a princípio, com as determinações direcionadas a evitar sair de casa, fechamento de áreas e atividades de convivência, os impactos foram mais adaptativos.

Fiquei agoniada pelo fato de procurando coisa para fazer e, depois, eu acabei me lotando (P1).

Inicialmente foi bem tranquilo, depois foi extremamente desafiador, né. . . Eu sempre tive a vida muito. . . Muito agitada, entre hospital, filho, escola, tudo isso. E parar, no início, foi bom, foi [sic] tipo umas férias (. . .). (P2).

A desadaptação como uma desorganização do self, por si só, não se trata de uma doença mental, mas de um mecanismo de ajustamento. Quando o indivíduo não consegue alterar suas formas de manipulação e interação, ele fica cristalizado, em um modo de atuação obsoleto e diminui suas condições de ir ao encontro da satisfação de suas necessidades. A perda de flexibilidade e dinamismo da própria vida pode gerar neuroses, as quais podem impactar no surgimento de desequilíbrios em que o indivíduo e seu grupo social vivenciam necessidades diferentes ou, ainda, quando o indivíduo não consegue distinguir entre suas necessidades e as do meio social, sem identificar qual a dominante. “O neurótico é o homem sobre quem a sociedade influi demasiadamente. Sua neurose é uma manobra defensiva para protegê-lo contra a ameaça de ser barrado por um mundo esmagador” (Perls, 1973/1988, p. 45). Portanto, o isolamento gera essa perda de flexibilidade, como é possível identificar na fala de P1, mas também possibilita novos ajustamentos, como observamos pela fala de P2.

Assim, o comportamento neurótico diz respeito a uma forma de ajustamento do self, contudo esse ajustamento tem a peculiaridade de que a função ego do self não consegue criar algo novo ou atualizar seus modos de contato, não restando muitas alternativas senão a inibição da sua própria ação, sendo a neurose, por esse motivo, a perda da função ego (Granzotto & Granzotto, 2004).

As funções do self (o id, o ego e a personalidade) são consideradas, também, etapas de um ajustamento criativo. Aquilo que opera inicialmente no self trata-se da função id, fazendo referência a todas as funções proprioceptivas, interoceptivas e exteroceptivas. Nesse sentido, o id se mostra como passivo, disperso e irracional. As questões relativas à corporeidade tomam destaque, uma vez que, com os sentidos e movimentos suspensos, as propriocepções protagonizam o campo. Pode ser compreendido como o fundo que se configura em possibilidades, acrescentando-se excitações orgânicas, o ambiente percebido de maneira vaga ou as situações inacabadas, as quais podem vir a se tornar conscientes. Já o ego, também conhecido como função ego-ato, é a função responsável pela alteridade, espontaneidade e individuação. Trata-se de uma função mais ativa e deliberada, em que há identificação ou alienação às possibilidades do campo, ocorrendo limitações ou intensificações do contato já em andamento. A personalidade enquanto estrutura do self é o sistema de atitudes tomadas em meio social e nas relações; é a compreensão de si próprio, na qual o self se sedimenta e se torna identidade (Perls et al., 1951/1997).

Partindo para a questão do isolamento social propriamente dito, é possível identificar, no relato dos participantes, uma mobilização de recursos de enfrentamento, bem como a elaboração de estratégias para lidar com os primeiros impactos da mudança de rotina ou dos sentimentos suscitados pela instauração da situação pandêmica. Há, portanto, uma conformação diferente do campo, que convoca o organismo a uma atualização de ajustamentos criativos. Com a progressão da queixa inicial, outras reações emocionais também foram surgindo. Ao serem questionados sobre a experiência de isolamento de convívio social devido à contaminação por covid-19, seja de algum familiar, seja por estar em grupo de risco, os participantes relatam experiências mais intensas.

Foi o momento que eu me senti mais só (P2).

É uma coisa que é quase impossível de descrever, porque você não pode mais abraçar, você não pode mais ter contato, não pode visitar. Você perde o tato, perde o contato com as pessoas reais (P3).

(. . .) então eu fiquei meio triste, porque me sentia só, realmente. Porque ninguém vinha aqui (. . .). No fundo eu estava muito nervosa, eu fiquei nervosa (P4).

A percepção da situação de isolamento nos trechos acima demonstra um sentimento de solidão, contudo a noção de contato vai para além da experiência tátil e diz respeito a uma manifestação da experiência em um campo. Segundo Perls et al. (1951/1997), não tem sentido definir alguém que respira sem o ar. A definição de um organismo é de um campo fronteiriço entre organismo/ambiente em que a experiência ocorre. Os excitamentos que ocorrem na fronteira de contato concedem sua energia para a formação de uma figura. O organismo, por sua vez, aproxima-se, evita, aniquila, avalia, manipula ou altera a realidade até que a situação inacabada esteja completa e o novo seja assimilado e integrado. Esse é também um processo de formação figura-fundo, e o próprio contato presente nas experiências do organismo normalmente segue a sequência de pré-contato, contato, contato final e pós-contato.

O pré-contato contato inicia os excitamentos do processo figura-fundo. para que. na fase seguinte do contato, haja a busca pela satisfação de necessidades ou a busca por um objeto. Nesse momento, o self delibera acerca do ambiente, rejeitando ou aceitando possibilidades, agindo com identificações ou alienações do ego. No contato final, a awareness já se encontra mais ampliada, e há uma ação direcionada à percepção e assimilação, facilitando o crescimento do organismo. A partir daí, no pós-contato, o self diminui para que o organismo possa integrar os novos elementos assimilados na fase anterior à sua estrutura preexistente. Nota-se, portanto, que o processo de contato se dá na relação consigo, com o outro e com o mundo, de modo que o organismo se autorregula no movimento de formação de novas gestalten (Perls et al., 1951/1997).

A restrição de convívio social e permutas afetivas na fronteira de contato gera gestalten inacabadas nas relações. Na fase de pré-contato, a função id está mais predominante e é possível que, no distanciamento social resultante dessa restrição do convívio, o organismo já experimente uma convocação do campo e excitamentos direcionados a novos ajustamentos. Todavia, na situação de isolamento devido à contaminação por covid-19, o organismo se encontra em uma fase do ciclo de contato que suscita experiências diferentes do primeiro caso, experimentando um protagonismo maior da função ego. É na fase de contato que o organismo em isolamento se depara com seu maior desafio quanto à satisfação das necessidades e às deliberações sobre o vivido, já que os recursos relacionais e afetivos são restritos. Nesse momento surgem alternativas, por exemplo, a realização de chamadas de vídeo com pessoas queridas, de forma a atuar como ajustamentos criativos à nova circunstância (Perls et al., 1951/1997).

Os impactos iniciais da mudança abrupta de rotina, sem previsão de retorno a uma normalidade relativa, geram um sofrimento voltado à insegurança de lidar com a imprevisibilidade e a falta de controle do futuro. Há uma elevação de tensão que, por se unir à restrição do convívio social e à fragilização da rede de suporte, pode repercutir no aumento da fragilização emocional. A Fundação Osvaldo Cruz (2020) aponta alguns tipos de estressores que podem aumentar a probabilidade de ocorrência de sofrimento psicológicos e outros tipos de agravo em saúde mental, a saber: duração prolongada das medidas de distanciamento social; medo de ser infectado e de infectar outras pessoas; frustração e tédio pela perda da rotina usual; informações insuficientes ou inadequadas; suprimentos insuficientes ou inadequados; dificuldade de acesso ou fragilidade no apoio da rede socioafetiva.

De maneira geral, todos os participantes indicam em suas falas repercussões de mudança de rotina e reações emocionais iniciais como medo, tristeza, aumento do estresse e solidão. Eles enfatizam a progressão de tais reações e o surgimento de outras, como o P3, que expõe estar cansado no atual momento, devido ao tempo prolongado vivenciando tal situação atípica: “Mas falar sobre isso e lidar com isso tem sido de uma maneira muito. . . Cansativa. Eu tô cansado! Eu tô cansado. Eu tô realmente muito cansado!” (P3).

De acordo com Granzotto e Granzotto (2004), o ajustamento do self a uma experiência desconhecida pode ser compreendido pela vertente das relações de figura-fundo e, portanto, como um evento temporal. No caso de um ajustamento neurótico, a função ego não consegue criar algo novo ou se atualizar no seu campo de possibilidades. Então, quando o ego se direciona para o contato, há uma inibição da ação, e as deliberações se tornam fundo, o que compromete a qualidade do contato. Isso interfere na autorregulação do organismo, de modo que ele não chega ao contato final nem à satisfação de suas necessidades, bem como suscita situações inacabadas. Se o self está inibido na neurose, isso significa que ele não consegue compreender a situação como estando em mutação, ou seja, a neurose é uma fixação em um passado que não muda, daí seu caráter temporal do self.

Diante da circunstância de uma pandemia, em que as trocas afetivas, físicas, presenciais e sociais estão restritas, além de tantas outras mudanças e limitações no campo, o caráter dinâmico do contato é afetado e, consequentemente, dos ajustamentos do self a esse ­contexto adverso. Compreender a temporalidade da neurose é identificar as diversas maneiras como a inibição intervém nas diversas dinâmicas temporais de contato.

O P3 chama atenção por solicitar a interrupção do atendimento on-line após a primeira sessão. Apresenta-se, a princípio, como tendo sido motivado por uma situação de grande vulnerabilidade, com a queixa de cansaço, esgotamento, medo de se contaminar e de morrer. Após a primeira sessão, ao pedir interrupção do acompanhamento, tentamos compreender a decisão e P3 refere acreditar que ainda não está preparado para relatar a intensidade dos seus sentimentos, nomeando o ato de fazer como ‘traumático’. Explica que ainda se encontra em processo para aprender a lidar e, por isso, não poderia tratar como pós-trauma.

Falando a respeito do meu cotidiano de precauções ao contágio, é cansativo! É uma tortura mental e dilacera! Tem horas que eu sinto dores no meu corpo que eu sei que são emocionais. Eu sinto dores no meu corpo e eu sei que é meu psicológico está muito. . . Quebrado! Eu sinto como se eu tivesse carregando dez de mim nas minhas costas (P3).

Pondera-se que algumas questões pudessem influenciar na decisão deste participante, como resistência, fuga ou, de fato, uma experiência de evento traumático. Contudo, P3 acrescenta que o momento em que buscou ajuda se tratava de um momento de vulnerabilidade maior: “Eu estava no momento mais vulnerável no sentido de esperança, de não ter esperança, no sentido vulnerável do medo. . . . O sentido do mais alto grau de vulnerabilidade, de todas essas questões que. . . Que me encontro” (P3). A travessia de um momento carregado de ausência de espera suscita na desesperança e no desamparo. Em direção a uma necessidade de heterossuporte, o cliente busca ajuda, um movimento catalisador em direção ao autossuporte (Perls, 1973/1988).

Experiência do Atendimento On-line

Considerando-se a experiência dos atendimentos on-line, identificamos a forma como cada participante chega para ser atendido, levando em conta sua queixa, seu estado emocional e psicológico na situação de busca por ajuda e os movimentos do participante durante o processo da vivência dos atendimentos.

O P2 apresenta um sentimento de desesperança ao iniciar o atendimento e de incredulidade diante da obtenção de possíveis resultados com o serviço. Identificamos alguns significados do processo terapêutico no relato dos participantes, tendo P2 usado uma analogia da representação de uma “boia”. Compreendemos que, para este participante, o atendimento psicológico on-line funcionou como amparo e suporte, evitando o agravo em uma situação de sofrimento. Nessa direção, P1 também faz referência ao atendimento como uma forma de ajuda e alívio da tensão, corroborando também o discurso de P3, ao descrever como um acolhimento e alívio da tensão.

Eu iniciei a terapia incrédula e foi uma salvação. Foi. . . como é que eu digo? Uma boia em alto mar, que me impediu de afundar mais (P2).

Foi bom porque eu pude conversar e me colocar aqui. De certa forma ajuda. . . Melhor colocar para fora do que ficar pra dentro (P1).

Então assim, quando você é acolhido, de alguma forma, suaviza (P3).

Os aspectos claramente trazidos pelos participantes supracitados (suporte, ajuda e ­acolhimento) coincidem com a proposta da Gestalt-Terapia na perspectiva do cuidado, cuja pretensão não é oferecer respostas, explicações ou promessas de resolução nem tampouco interpretar ou fazer pelo outro. Trata-se de uma proposição voltada a “estar com” o outro, respaldada em pressupostos dialógicos, orientada por uma postura de respeito, consideração e solidariedade (Lima, 2019). O cuidado é uma das primeiras experiências vivenciadas pelo ser humano. Nas fases iniciais de desenvolvimento, o indivíduo é emocional e fisicamente dependente do cuidado alheio na satisfação de suas necessidades. À medida que o amadurecimento ocorre, ensinamentos vão sendo transmitidos a partir das formas de cuidado recebido, que, por sua vez, vão construindo um referencial de cuidados consigo, com o outro e com o que cerca.

Ser cuidadoso e aprender a se cuidar são experiências que se correlacionam, sendo fundamentais para o desenvolvimento de uma “noção de si mesmo”, para o entendimento de quem somos nós, e para a compreensão de nossas possibilidades e modos próprios de ser e estar no mundo (Lima, 2019, p. 1053).

Para a Gestalt-Terapia (Perls, 1973/1988), conforme a pessoa amadurece, menos ela tende a depender do cuidado do outro e mais desenvolve recursos para cuidar de si e desenvolver autoapoio. Quando isso não ocorre, há um bloqueio na fluidez de contato organismo/ambiente, cujo processo é denominado como neurose. O processo psicoterapêutico, portanto, tem a finalidade de assimilar no momento atual as situações inacabadas, integrando-as ao self. De acordo com Lima (2019), além de não conseguir construir um autoapoio suficiente, o neurótico também tem dificuldade com o desenvolvimento de ideias, normas e atitudes próprias.

Seguindo a linha de pensamento de Perls (1975/1977, p. 45), “o neurótico é a pessoa sobre quem a sociedade influi demasiadamente e seus comportamentos são ajustamentos criativos para protegê-lo da ameaça de um mundo esmagador”. Tendo em vista uma sociedade com grande quantidade de pessoas neuróticas, teremos uma sociedade neurótica, na qual possivelmente encontraremos um funcionamento em que há pouco desenvolvimento de relações de autonomia e de reflexão crítica sobre normas e valores adotados, o que nos leva a pensar sobre as repercussões de tal constatação em uma situação pandêmica.

Nessa direção, uma das ressonâncias do processo terapêutico e da produção de cuidado nele envolvido é a autorregulação. Perls et al. (1951/1997) definem autorregulação como a tendência de uma tensão em se sobressair e organizar ou reorganizar a awareness, de modo que a consciência espontânea da necessidade e, consequentemente, a organização das funções de contato são como a autorregulação acontece. Quando esses processos se dão com a incorporação de material novo do ambiente, uma nova figura se forma e se direciona para o primeiro plano. Compreendemos, portanto, que, além de um resultado ou efeito da psicoterapia, a autorregulação também acontece de maneira processual, dialógica e fluida no decorrer do processo. Identificamos na fala de P2 o que se assemelha a tal dinâmica: “Eu ficava ansiando pelo momento para ver como que seria, e o resultado estava sempre positivo a cada sessão, justamente por me sentir mais acolhida” (P2).

As vivências acima referidas, ocorrendo em ambiente on-line, são em si uma experiência nova, à qual muitas pessoas têm se adaptado à sua maneira. Contudo, vale salientar especificidades citadas pelos participantes, que devem ser analisadas para uma intervenção mais adequada à realidade particular de cada um deles. A privacidade, o sigilo e as condições ­adequadas para realização do atendimento on-line, como qualidade da conexão de internet, por exemplo, foram alguns dos aspectos identificados que interferem tanto na relação quanto na forma como o terapeuta faz sua leitura da situação clínica.

Efeitos da Intervenção

É possível identificar que os efeitos do atendimento on-line de curta duração foram ocorrendo de maneira processual, como já citado, sendo possível identificá-los durante a intervenção com impactos imediatos, bem como após sua conclusão. Dentre tais efeitos, destacamos os movimentos de ampliação da percepção. De acordo com Yontef (1988/1998), o objetivo da Gestalt-Terapia é o crescimento e a autonomia, através de um aumento da consciência, ou awareness. Esta, por sua vez, compreende o conhecimento do ambiente, a responsabilidades pelas escolhas, o autoconhecimento, a autoaceitação e a capacidade de contato. Sendo assim, uma psicoterapia bem-sucedida consegue integração. Com base no relato do P2, esse processo foi iniciado através da relação terapêutica e da postura de acolhimento por parte do terapeuta: “Eu me senti mais acolhida e eu percebi que tinha mais facilidade de desatar os meus nós, os meus entraves. De. . . enfim. . . de desatar os meus processos para que eu pudesse seguir melhor” (P2).

Um modo de compreender o processo de integração considera alguns elementos decisivos na história evolutiva da humanidade. Perls (1975/1977) explica que, a partir do desenvolvimento do córtex, o cérebro adquiriu a habilidade de postergar respostas e modelar o próprio comportamento em favor de permitir o acesso a experiências anteriores. Nesse sentido, essa deliberação do homem apoiou o comportamento instintivo espontâneo, que, por sua vez, corrobora a satisfação de necessidades organísmicas. A partir disso, o homem passa a não mais usar sua deliberação para apoiar a espontaneidade, mas para refreá-la. Posteriormente, quando o homem começa a ter consciência de si e o conhecimento da “mente”, aliados a noção cristã de pecado, ele começa a voltar-se contra si próprio, obliterando as necessidades espontâneas, que eram favoráveis ao desenvolvimento e crescimento. Nasce então uma dicotomia: o indivíduo vive uma lógica de produtividade não mais para o benefício da sociedade a qual compõe, e ele e a sociedade perdem sua medida de sobrevivência. Essa dicotomia, unindo-se aos dualismos da personalidade, comportamento e linguagem, conduzem a uma desintegração do organismo.

Compreendemos, então, que a cultura na sociedade atual, de certa forma, começa a bloquear a espontaneidade através de uma racionalização, gerando comportamentos e discursos que nos afastam da experiência genuína, fato que torna a cultura neurótica, subjugando o indivíduo a um funcionamento neurótico (Perls, 1975/1977). O isolamento social é exemplo de um fenômeno cultural que alimenta essa tendência pervertida de evitação de contato (presencial direto por conta do risco de contágio e experiencial de si, do outro e do mundo). A proposta de reintegração considera ainda outros aspectos que alicerçam processos, como a fluidez das fronteiras de contato do indivíduo, além de maior autonomia e do desenvolvimento de autossuporte. Observamos, no discurso do P1, referências que aludem a tal questão, em que, a partir de um conflito inicial, o paciente modifica a percepção de si próprio: “Eu aprendi autocontrole, de tentar me controlar. Saber que o problema que eu tenho, eu posso conversar com várias pessoas ou profissionais, que se eu realmente não querer, nada muda. Então, de certa forma, depende de mim” (P1).

Conforme os apontamentos de Perls (1975/1977), a psicoterapia tem como objetivo tornar presente os conflitos internos não percebidos, sendo possível que o trabalho real a ser realizado esteja sendo descoberto pela primeira vez na situação de conflito. Ressalta-se, novamente, a importância do fortalecimento do self e da autoconsciência, para que o organismo alcance uma atitude de indiferença criativa e identificação com a solução emergente. A autonomia e o autossuporte para lidar com tais conflitos são, portanto, elementares no processo.

Tendo em vista que uma neurose é caracterizada por uma grande quantidade de situações inacabadas, se o organismo consegue identificar suas necessidades e reintegrar à sua personalidade aspectos anteriormente alienados, a realidade para ele se torna diferente. Destarte, a integração tem relação diretamente proporcional ao desenvolvimento de autossuporte. Haverá, consequentemente, condições mais favoráveis para que a pessoa venha lidar com os conflitos, assim como uma diminuição do nível de sofrimento psíquico. Identificamos tais aspectos nas falas dos participantes 2 e 3, a seguir,

No final, na soma, eu saí muito mais confiante. Eu não estou assim. . . Curada! Não. Mas eu me sinto mais confiante para enfrentar os meus processos (P2).

Me trouxe paz de espírito. Me trouxe tranquilidade. Por mais que eu relate que estou cansado, que há uma. . . Uma perturbação, a terapia me trouxe paz, de fato (P3).

Ademais da diminuição desse nível de tensão e sofrimento, o crescimento gerado por esse processo é fator associado como sucesso terapêutico, uma vez que o organismo agora tem uma autoexpressão e assimilação da realidade mais adequadas à experiência e à espontaneidade. Como pontuado por Perls (1975/1977, p. 97):

O tratamento termina quando o paciente tiver alcançado os requisitos básicos: mudança na aparência, uma técnica de auto-expressão e assimilação adequada e a habilidade para estender a tomada de consciência para o nível não-verbal. Ele terá então alcançado o estado de integração que facilita seu próprio desenvolvimento e pode seguramente ser deixado sozinho.

Tal situação também comprova-Se no caso de P4, quando ela demonstra proatividade na busca de novos ajustamentos e busca por contato: “Eu já estou começando a fazer algumas atividades. E também foi bom falar com você. Foi melhor para tomar algumas atitudes que eu não estava fazendo. . . Música, conversar com amigos, pelo celular mesmo” (P4).

A partir desse trecho, outro aspecto identificado faz referência a como este participante se isolou de toda forma de contato, em consequência do isolamento de contato físico. Com base na intervenção realizada com a psicoterapia de curta duração, revelaram-se movimentos em direção a maior autonomia e novos direcionamentos no fluxo da experiência. Em síntese, a awareness, ou os movimentos de ampliação da percepção, o desenvolvimento e o crescimento, a autonomia e o autossuporte, a diminuição do sofrimento e as mudanças no fluxo da experiência são os aspectos interpretados que podemos elencar como identificados pelos próprios clientes ao final do processo de intervenção.

Considerações Finais

A partir da profusão de psicoterapias on-line decorrente do contexto pandêmico advindo do covid-19, em uma abordagem de pesquisa clínico-qualitativa, este estudo objetivou avaliar os efeitos de uma prática Gestalt-terapêutica de curta-duração on-line em pessoas com problemas de isolamento social. Foram selecionados quatro clientes participantes, que se submeteram a cinco atendimentos. Após isso, foi empregado um roteiro semiestruturado de entrevista, para avaliar o processo terapêutico a partir das percepções dos participantes. Os resultados foram analisados conforme a análise do conteúdo. Os seguintes eixos, discutidos à luz da Gestalt-Terapia, foram elencados: compreensão da experiência de isolamento social; experiência do atendimento on-line; e efeitos da intervenção.

Com esse percurso, acessamos a experiência dos atendimentos on-line, identificando o acolhimento e a relação terapêutica como via de acesso à experiência e ao cuidado com aspectos que atravessam o processo de tratamento do isolamento social. Dentre os efeitos da intervenção, à luz de uma compreensão gestáltica, ressalta-se o desenvolvimento e crescimento do cliente, assim como os movimentos de ampliação perceptual em direção à maior autonomia, ao autossuporte e à diminuição do sofrimento, gerando mudanças no fluxo da experiência. Ajuizamos que a Gestalt-Terapia de curta duração on-line se mostrou uma estratégia de cuidado à saúde que produziu efeitos terapêuticos positivos nos clientes atendidos, no sentido de lhes possibilitar um contato com a experiência de isolamento social, de modo a (re)elaborá-la e se (re)posicionar ante a ela de forma mais apropriada e criativa.

Ressaltamos que os dados foram coletados em uma etapa inicial da pandemia e a análise foi realizada em uma fase na qual a situação de contágio estava mais controlada, em razão da cobertura vacinal da população. Isso impactou a maneira como as pessoas vivenciam o isolamento social, bem como seus problemas emocionais e psíquicos decorrentes. Ou seja, a pessoa contaminada que necessita passar pelo isolamento social, já com a vacina disponível, pode não vivenciar as mesmas vicissitudes de quem esteve isolado no auge da pandemia. As modificações no decorrer do tempo em que foi realizado o estudo nos faz pensar em outras consequências suscitadas pela pandemia, que também podem se tornar alvo de novos estudos, como intervenções em pessoas enlutadas por mortes durante a pandemia.

Como limites deste estudo, apontamos que ele focou nos efeitos da intervenção a partir da perspectiva dos usuários do serviço. Torna-se necessário complementar o estudo a partir da perspectiva da psicoterapeuta e do que foi monitorado durante as intervenções. Como o processo terapêutico aconteceu em uma modalidade interventiva de curta duração, consideramos que um serviço com mais sessões poderia prover outros resultados.

Além disso, considerando que após a pandemia o uso de tecnologias da comunicação e informação na psicoterapia se tornou recorrente, recomendamos investigações sobre a validade clínica, as potencialidades e as limitações do emprego da Gestalt-Terapia nesse meio. Destacamos, finalmente, que os achados decorrentes desse estudo devem ser entendidos como parciais, pelo seu caráter ideográfico, de modo que eles devem ser lidos com cautela, para não gerar uma naturalização de que a Gestalt-Terapia on-line ocorre de forma igual à sua manifestação presencial. Este cenário evoca, também, a necessidade de revisar e ampliar teoricamente a noção gestáltica de campo, para problematizar como ela pode ser implicada à dimensão virtual.

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Recebido em: 03/06/2022

Última revisão em: 29/06/2023

Aceite final: 20/05/2024

Sobre os Autores:

Carolina Alves Cruz: Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Gestalt-Terapia pela Faculdade Sudoeste (Unigrad). Especialista em Urgência pelo Programa de Residência em Urgência da UFBA. Bolsista de Mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). E-mail: carol.alvescruz27@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4308-8391

Paulo Coelho Castelo Branco: [Autor para contato]. Pós-Doutor e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Docente permanente interno do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente colaborador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: pauloccbranco@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4071-3411

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa. v16i1.2070

Relatos de pesquisa