Impacto do trabalho na saúde dos profissionais do atendimento pré-hospitalar móvel em meio à Covid-19

Impact of work on the health of mobile pre-hospital care professionals in the midst of Covid-19

Repercusione del trabajo en la salud de los profesionales móviles de atención prehospitalaria en medio de Covid-19

Mateus Estevam Medeiros-Costa

Jorge Tarcísio da Rocha Falcão

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Regina Heloisa Maciel

Cynthia de Freitas Melo

Universidade de Fortaleza (Unifor)

Resumo

Durante a pandemia de covid-19, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) desempenhou um papel crucial no atendimento e transporte de pacientes. No entanto, o contexto de trabalho e os danos relacionados à saúde do SAMU são pouco explorados. Este estudo averiguou o contexto de trabalho e os danos relacionados à saúde dos profissionais do SAMU durante a pandemia de covid-19. A amostra incluiu 179 trabalhadores que responderam a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho e a Escala de Avaliação de Danos Relacionados ao Trabalho. Verificou-se que a maior parte dos trabalhadores apresentaram pontuações médias, variando de críticas a graves, em relação ao contexto de trabalho. Quanto aos danos relacionados ao trabalho, foram observados níveis moderados. Vale ressaltar a influência significativa das relações socioprofissionais nos aspectos psicossociais dos profissionais.

Palavras-chave: SAMU, Saúde do trabalhador, Contexto de trabalho, Covid-19, Ergonomia da atividade

Abstract

During the COVID-19 pandemic, the Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) played a crucial role in the care and transportation of patients. However, the working conditions and health-related damages in SAMU are understudied. This study investigated the working context and health-related damages among SAMU professionals during the Covid-19 pandemic. The sample consisted of 179 workers who completed the Work Context Assessment Scale and the Work-Related Injury Assessment Scale. It was found that 70% of the workers had average scores ranging from critical to severe regarding the working context. As for work-related damages, moderate levels were observed. It is worth noting the significant influence of socio-professional relationships on the psychosocial aspects of the professionals.

Keywords: SAMU, worker health, working context, COVID-19, activity ergonomics

Resumen

Durante la pandemia de Covid-19, el Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) desempeñó un papel crucial en la atención y transporte de pacientes. Sin embargo, se ha investigado poco acerca del contexto laboral y los daños relacionados con la salud en el SAMU. En este estudio, se investigaron el contexto laboral y los daños relacionados con la salud en los profesionales del SAMU durante la pandemia de Covid-19. La muestra incluyó a 179 trabajadores que respondieron a la Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho y la Escala de Avaliação de Danos Relacionados ao Trabalho. Se encontró que el 70% de los trabajadores presentaron puntuaciones promedio, que variaron de críticas a graves, en relación con el contexto laboral. En cuanto a los daños relacionados con el trabajo, se observaron niveles moderados. Cabe destacar la influencia significativa de las relaciones socio-profesionales en los aspectos psicosociales de los profesionales.

Palabras clave: SAMU, salud del trabajador, contexto laboral, Covid-19, ergonomía de la actividad

Introdução

O contexto de trabalho dos profissionais que integram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) é altamente desafiador, especialmente em momentos de crise, como foi a pandemia de covid-19. Esses profissionais desempenham um papel crucial no atendimento pré-hospitalar de situações de urgência, estando na linha de frente ao entrar em contato direto com pacientes suspeitos ou confirmados com a doença. A natureza desafiadora do contexto de trabalho pode acarretar danos significativos à saúde desses indivíduos (Morais et al., 2021).

A pandemia de covid-19 impôs desafios significativos à organização do trabalho do SAMU. Diante dessa nova realidade, houve a necessidade de adaptar procedimentos e protocolos, visando assegurar a segurança dos profissionais e a qualidade do atendimento prestado (Caneppele et al., 2020). Além disso, foram estabelecidos protocolos específicos para lidar com casos suspeitos ou confirmados de covid-19, que incluem diretrizes minuciosas sobre o uso adequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), medidas de higiene e desinfecção, bem como procedimentos de atendimento voltados para a redução do risco de contaminação tanto dos profissionais quanto dos pacientes (Assunção et al., 2021).

Nesse sentido, muitas regiões também organizaram equipes de resposta dedicadas exclusivamente a casos relacionados à covid-19. Essa medida permitiu uma melhor gestão dos recursos disponíveis e garantiu uma resposta mais ágil e eficiente para os casos suspeitos ou confirmados. Para lidar com tal situação, os profissionais do SAMU receberam treinamentos e capacitações específicas. Essas formações abordam temas como o uso adequado de EPIs, procedimentos de atendimento específicos, manejo de pacientes em condições graves e outros aspectos relevantes para garantir a segurança e a eficácia dos atendimentos durante a pandemia (Azevedo & de Medeiros, 2021; Dal Pai et al., 2021).

Entre os desafios mais prementes durante a pandemia, destaca-se a exposição constante ao vírus. Apesar da adoção dos EPIs, a natureza das atividades desempenhadas pelos profissionais do SAMU os coloca em constante risco de contaminação. A exposição frequente ao perigo aumenta a probabilidade de infecção, impactando negativamente não somente a saúde física desses indivíduos, mas também o seu bem-estar mental (Guimarães et al, 2020; Ribeiro et al., 2020).

É essencial considerar o aumento exponencial na demanda pelos serviços de urgência e emergência durante o período da pandemia (Amaro et al., 2023). Tal situação sobrecarregou intensamente os profissionais do SAMU, que enfrentaram longas jornadas de trabalho sem descanso adequado e estiveram constantemente sob pressão emocional. Essas condições puderam resultar em esgotamento físico e mental, impactando diretamente a saúde desses profissionais, que desempenham um papel crucial (Mendonça et al., 2021).

Outro fator estressante foi a escassez de recursos e o temor da contaminação, o que contribuiu para o aumento da ansiedade, da depressão e do risco de desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) (Almeida et al., 2022). Além dos riscos supracitados, os profissionais do SAMU foram expostos a outros perigos ocupacionais, tais como acidentes de trânsito, exposição a agentes biológicos distintos do coronavírus e lesões musculoesqueléticas decorrentes do manuseio de pacientes. Esses riscos adicionais agravam ainda mais a situação, tornando os profissionais do SAMU ainda mais vulneráveis (Dal Pai et al., 2021; Morais et al., 2021).

Considerando a importância dos profissionais do SAMU à saúde pública brasileira e o seu papel no combate a covid-19, é essencial compreender os danos à saúde associados a esse contexto de trabalho. Portanto, este estudo teve como objetivo averiguar o contexto de ­trabalho e os danos relacionados à saúde dos profissionais do SAMU durante a pandemia de covid-19. O contexto de trabalho é constituído pelas condições de trabalho, a organização do trabalho e as relações socioprofissionais. Contudo, os danos relacionados ao trabalho correspondem aos dados físicos, psicológicos e sociais (Mendes & Ferreira, 2007).

Nesse sentido, a abordagem da Ergonomia da Atividade serviu como base para a condução da pesquisa (Ferreira et al., 2013). Diferente de abordagens tradicionais da ergonomia, que focam na adaptação do trabalhador, a Ergonomia da Atividade busca compreender a dinâmica real do trabalho, analisando as estratégias desenvolvidas pelos profissionais para lidar com as exigências da tarefa (Medeiros-Costa et al., 2024).

Essa perspectiva é particularmente relevante no atendimento pré-hospitalar móvel, onde os trabalhadores precisam tomar decisões rápidas em condições adversas, lidando com fatores como ritmo intenso, sobrecarga e exigências emocionais. A finalidade deste estudo é contribuir para o aprimoramento do conhecimento teórico e metodológico sobre o trabalho dos profissionais de saúde em situações de urgência, oferecendo evidências empíricas que possam auxiliar na melhoria das condições de trabalho e dos serviços prestados. No entanto, devido ao intenso isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, não foi possível estabelecer um espaço adequado para a análise e transformação das atividades laborais (Pádua & Ferreira, 2020).

Método

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e exploratório, com uma abordagem quantitativa. A base teórica utilizada foi a Ergonomia da Atividade, e os participantes foram os profissionais que trabalham no SAMU do Brasil.

Procedimento de coleta de dados e cuidados éticos

Essa pesquisa foi realizada durante um período de intenso isolamento social causado pela pandemia de covid-19, como já mencionado. Para divulgar e coletar os dados, foram utilizadas redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp) e e-mails. Após a postagem, as pessoas que acompanhavam esses meios puderam acessar o questionário de forma autônoma, individual, autoaplicável e anônima, com uma média de duração de 15 minutos. O método de amostragem foi em bola de neve, com a acessibilidade sendo o critério-chave para participação no estudo.

Considerando que se trata de uma pesquisa envolvendo seres humanos no âmbito do SUS, o estudo seguiu as disposições nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o CAAE nº 36698020.0.0000.5537. Os participantes assinaram um Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE) para preservar seu anonimato.

Instrumentos

Além do questionário sociodemográfico, foram aplicadas remotamente duas escalas que compõem o Inventário do Trabalho e Riscos de Adoecimento (Itra) (Ferreira & Mendes, 2003; Mendes & Ferreira, 2007):

1. Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), composta por três fatores: Condições de Trabalho (10 itens, com confiabilidade de 0,89), Organização do Trabalho (11 itens, com confiabilidade de 0,72) e Relações Socioprofissionais (10 itens, com confiabilidade de 0,87). Utilizou-se uma escala Likert de cinco pontos.

2. Escala de Avaliação de Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT), composta por três fatores: Danos físicos (12 itens, com confiabilidade de 0,88), Danos Psicológicos (10 itens, com confiabilidade de 0,93) e Danos Sociais (10 itens, com confiabilidade de 0,93). Também foi utilizada uma escala Likert de cinco pontos para essas avaliações.

Participantes

Inicialmente, 212 indivíduos participaram do estudo. No entanto, devido à existência de formulários incompletos, a amostra final consistiu em 179 protocolos validados. A idade média dos participantes foi de 40,37±9,47 anos, variando entre 20 e 68 anos. A maioria dos participantes era do sexo feminino (60,3%), casados ou em união estável (60,3%) e tinham filhos (93,2%). Em relação à formação educacional, houve uma variedade, com 46,9% possuindo certificação de estudos técnicos, 21,2% com ensino médio, 22,9% com pós-graduação e apenas 8,9% com graduação. Os respondentes vieram de 16 estados brasileiros, com maior percentual vindo do Rio Grande do Sul (21,8%), seguido por Ceará (11,7%), Rio de Janeiro (11,2%), Bahia (10,1%) e Rio Grande do Norte (8,4%).

Os participantes foram caracterizados como profissionais que exerciam suas atividades, em média, há 7,96±5,91 anos. Entre eles, 48,6% eram servidores públicos efetivos e 44,1% trabalhavam de 30 a 40 horas por semana. Em relação aos cargos, 33,5% eram auxiliares ou técnicos de enfermagem, 27,4% eram enfermeiros, 14% eram motoristas-condutores, 11,7% eram médicos e 8,9% eram técnicos auxiliares de regulação médica (Tarm). Em menor frequência, participaram operadores de frota (1,7%), condutores de motolância (1,7%) e trabalhadores de cargos administrativos e de apoio (1,1%). Além disso, 51,4% dos participantes tinham dois ou mais vínculos empregatícios.

Análise dos dados

Os dados foram analisados em quatro etapas, usando o pacote estatístico Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 25. Primeiro, foi realizado um perfil descritivo da amostra, incluindo frequência, porcentagem e medidas de tendência central e dispersão. Em seguida, os resultados foram classificados em níveis satisfatórios, críticos e graves com base nas pontuações médias. Pontuações médias entre 1,0 e 2,3 indicam bem-estar no trabalho e são consideradas satisfatórias, enquanto pontuações médias entre 2,4 e 3,7 são classificadas como moderadas e indicam uma situação limite, com potencial de mal-estar e risco de adoecimento. Pontuações médias entre 3,8 e 5,0 são consideradas graves, representando alto mal-estar no trabalho e exigindo medidas imediatas para eliminar ou mitigar os problemas.

Na terceira etapa, foram realizadas comparações das médias de pontuação do contexto de trabalho, custo humano e dados relacionados à saúde entre diferentes grupos e características sociodemográficas. Foram utilizados testes t para amostras independentes e análise de variância (Anova) unilateral. Para identificar os grupos divergentes após a Anova, foi realizado o teste post hoc de Bonferroni.

Na quarta etapa da análise, foram realizadas análises de regressão linear múltipla para investigar os preditores dos danos relacionados à saúde. Os danos relacionados ao trabalho foram divididos em danos físicos, danos sociais e danos psicológicos. As variáveis explicativas foram os fatores que correspondem ao contexto de trabalho (condições de trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais) e aos aspectos sociodemográficos. Foram conduzidas análises de regressão múltipla linear, utilizando o método por etapas, mais conhecido como stepwise.

O método stepwise combina elementos das abordagens backward (retroativa) e forward (progressiva), realizando uma seleção de variáveis em duas fases distintas. Essa abordagem oferece a vantagem de explorar tanto as variáveis preditoras mais relevantes quanto as menos relevantes. O objetivo é encontrar um equilíbrio entre a inclusão excessiva e a exclusão excessiva de variáveis no modelo, identificando as variáveis mais significativas que afetam os danos relacionados ao trabalho e construindo um modelo que leve em consideração essas variáveis relevantes. A intensidade do modelo foi avaliada pelo coeficiente R² ajustado (R²ᵦ). Para avaliar a capacidade de previsão das variáveis explicativas em relação às variáveis dependentes, foram aplicados os mesmos índices utilizados na análise de correlação. Quanto mais próximo de 1 ou -1 for o coeficiente, mais forte será a capacidade de explicação das variáveis (Ramos et al., 2016).

Resultados

Após uma avaliação minuciosa do contexto de trabalho dos profissionais que atuam no âmbito do SAMU, constata-se que aproximadamente 70% deles demonstram pontuações médias, que variam de críticas a graves, nas dimensões de Condições de trabalho, Organização do trabalho e Relações socioprofissionais, conforme apresentado nos intervalos de frequência (%) descritos na tabela 1.

Tabela 1

Média, Desvios-Padrão e Inserção Percentual em Intervalos de Frequência (Satisfatório/Crítico/Grave) na Avaliação do Contexto de Trabalho do SAMU

Variáveis

M

DP

Intervalos de frequência (%)

Satisfatório

Crítico

Grave

Condições de trabalho

3,17

1,08

23,5

42,5

34,1

As condições de trabalho são precárias

3,26

1,36

30,7

24,6

44,7

O ambiente físico é desconfortável

3,34

1,46

31,3

14,5

54,2

Existe muito barulho no ambiente de trabalho

3,36

1,47

32,4

18,4

49,2

O mobiliário existente no local de trabalho é inadequado

3,35

1,46

31,8

15,6

52,5

Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as tarefas

3,08

1,35

35,2

27,9

36,9

O posto/estação de trabalho é inadequado para a realização das tarefas

2,90

1,36

40,2

26,8

33,0

Os equipamentos necessários para realização das tarefas são precários

3,07

1,33

39,1

22,3

38,5

O espaço físico para realizar o trabalho é inadequado

2,87

1,33

42,5

24,0

33,5

As condições de trabalho oferecem riscos à segurança das pessoas

3,53

1,31

24,6

21,2

54,2

O material de consumo é insuficiente

2,91

1,36

43,6

21,8

34,6

Organização do trabalho

3,48

0,70

5,6

53,3

39,1

O ritmo do trabalho é excessivo

3,70

0,96

8,9

34,6

56,4

As tarefas são cumpridas com pressão de prazos

3,74

1,17

15,6

25,7

58,7

Existe forte cobrança por resultados

3,78

1,21

17,3

22,9

59,8

As normas para execução das tarefas são rígidas

3,70

1,19

16,2

27,9

55,9

Existe fiscalização do desempenho

3,23

1,27

28,5

24,6

46,9

O número de pessoas é insuficiente para se realizar as tarefas

3,50

1,37

25,7

21,2

53,1

Os resultados esperados estão fora da realidade

3,04

1,25

33,5

29,6

36,9

Existe divisão entre quem planeja e quem executa

3,66

1,34

20,7

21,8

57,5

As tarefas são repetitivas

3,66

1,21

17,3

25,7

57,0

Falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho

3,28

1,29

27,9

29,1

43,0

As tarefas executadas sofrem descontinuidade

3,02

1,20

34,6

28,5

36,9

Relações socioprofissionais

3,06

0,98

23,5

44,1

32,4

As tarefas não são claramente definidas

2,58

1,26

51,4

24,6

24,0

A autonomia e inexistente

2,83

1,22

41,9

30,2

27,9

A distribuição das tarefas é injusta

3,18

1,38

36,3

16,8

46,9

Os funcionários são excluídos das decisões

3,55

1,38

25,7

19,0

55,3

Existem dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados

3,06

1,40

39,7

18,4

41,9

Existem disputas profissionais no local de trabalho

3,51

1,43

27,4

19,0

53,6

Falta integração no ambiente de trabalho

3,12

1,25

33,0

27,9

39,1

A comunicação entre funcionários é insatisfatória

3,02

1,24

34,6

30,7

34,6

Falta apoio das chefias para o meu desenvolvimento profissional

3,26

1,53

34,6

17,9

47,5

As informações que preciso para executar minhas tarefas são de difícil acesso

2,50

1,31

53,6

24,6

21,8

Destaca-se que a dimensão mais fragilizada no contexto de trabalho é a Organização do trabalho (3,48±0,70), em comparação com as demais dimensões. Nessa perspectiva, observam-se índices preocupantes em relação a aspectos como “Existência de uma forte pressão por resultados” (3,78±1,21), “Cumprimento de tarefas sob intensa pressão de prazos” (3,74±1,17), “Excesso de ritmo de trabalho” (3,70±0,96) e “Rigor das normas para execução das tarefas” (3,70±1,19) (Tabela 1).

As Condições de trabalho (3,17±1,08) também são alarmantes, com escores médios que permanecem em níveis críticos. Contudo, uma análise dos intervalos de frequência revela que a população estudada se concentra predominantemente na faixa considerada grave em relação a variáveis como “Desconforto do ambiente físico” (54,2%), “Riscos à segurança das pessoas nas condições de trabalho” (54,2%), “Inadequação do mobiliário existente no local de trabalho” (52,5%), “Elevado nível de ruído no ambiente de trabalho” (49,2%), “Precariedade das condições de trabalho” (44,7%) e “Insuficiência dos instrumentos de trabalho para a realização das tarefas” (36,9%) (Tabela 1).

Observa-se, de acordo com a Tabela 1, que o fator Relações socioprofissionais (3,06±0,98) também exibe pontuações médias críticas. Dentre as variáveis que compõem esse fator, destacam-se: “Exclusão dos funcionários das decisões” (55,3%), “Existência de disputas profissionais no ambiente de trabalho” (53,6%), “Ausência de apoio das chefias para o desenvolvimento profissional” (47,5%), “Injustiça na distribuição das tarefas” (46,9%), “Dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados” (41,9%) e “Falta de integração no ambiente de trabalho” (39,1%).

Com base nos dados apresentados na Tabela 2, é possível observar que os danos relacionados ao trabalho demonstraram níveis relativamente baixos em comparação com o contexto de trabalho em geral. Os danos físicos, psicológicos e cognitivos apresentaram escores médios moderados, com valores de 3,00±0,84, 2,41±1,04 e 2,42±1,07, respectivamente. Isso indica que, em média, os trabalhadores relataram uma presença moderada desses tipos de danos.

Tabela 2

Média, Desvios-Padrão e Inserção Percentual em Intervalos de Frequência (Satisfatório/Crítico/Grave) na Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho do SAMU

Variáveis

M

DP

Intervalos de frequência (%)

Satisfatório

Crítico

Grave

Danos físicos

3,00

0,84

22,9

57,5

19,6

Dores no corpo

3,39

1,12

19,6

33,0

47,5

Dores nos braços

3,34

1,19

25,1

28,5

46,4

Dor de cabeça

2,32

1,29

58,7

22,3

19,0

Distúrbios respiratórios

2,56

1,20

49,2

27,4

23,5

Distúrbios digestivos

3,58

1,25

20,7

24,0

55,3

Dores nas costas

2,78

1,46

42,5

23,5

34,1

Distúrbios auditivos

2,84

1,33

39,7

29,6

30,7

Alterações de apetite

2,47

1,28

48,6

31,8

19,6

Distúrbios na visão

3,70

1,33

20,1

18,4

61,5

Alterações do sono

3,60

1,29

21,8

18,4

59,8

Dores nas pernas

2,73

1,41

45,8

21,2

33,0

Distúrbios circulatórios

2,64

1,30

45,3

29,6

25,1

Danos psicológicos

2,41

1,04

55,9

30,2

14,0

Amargura

2,34

1,34

58,1

20,1

21,8

Sensação de vazio

2,59

1,44

52,5

20,1

27,4

Sentimento de desamparo

2,58

1,27

50,3

25,1

24,6

Mau-humor

2,60

1,43

48,0

21,8

30,2

Vontade de desistir de tudo

2,54

1,30

51,4

25,7

22,9

Tristeza

2,55

1,25

53,1

24,0

22,9

Irritação com tudo

2,54

1,43

54,2

19,6

26,3

Sensação de abandono

2,32

1,37

60,9

17,3

21,8

Dúvida sobre a capacidade de fazer as tarefas

2,26

1,29

64,2

16,8

19,0

Solidão

1,77

0,87

89,9

5,0

5,0

Danos sociais

2,42

1,07

50,8

34,6

14,5

Insensibilidade em relação aos colegas

2,42

1,34

57,5

17,3

25,1

Dificuldades nas relações aos colegas

2,83

1,40

43,6

21,8

34,6

Vontade de ficar sozinho

2,62

1,34

49,2

23,5

27,4

Conflitos nas relações fora do trabalho

2,30

1,23

63,7

15,6

20,7

Agressividade com os outros

2,10

1,19

68,2

17,3

14,5

Dificuldade com os amigos

2,50

1,30

53,1

24,6

22,3

Impaciência com as pessoas em geral

2,20

1,23

65,9

17,3

16,8

Os “Distúrbios digestivos” também se destacaram nessa análise, com uma pontuação de 3,58±1,25. Esses distúrbios afetaram significativamente a saúde dos participantes, sendo classificados em três níveis: satisfatório (20,7% da amostra), crítico (24% da amostra) e grave (55,3% da amostra). Quanto aos “Distúrbios na visão”, observou-se uma pontuação média de 3,70±1,33. Cerca de 20% dos participantes encontraram-se no intervalo satisfatório, enquanto 18,4% estavam no intervalo crítico e uma proporção significativa de 61,5% no intervalo grave (Tabela 2).

As alterações do sono também se mostraram preocupantes. Com uma pontuação média de 3,60±1,29, os participantes apresentaram uma alta prevalência de problemas relacionados ao sono: 21,8% encontraram-se no intervalo satisfatório, enquanto 18,4% estavam no intervalo crítico e 59,8% no intervalo grave. Ademais, as dores no corpo e nos braços foram relatadas por uma proporção considerável de participantes, com 47,5% e 46,4%, respectivamente, no intervalo classificado como grave. Por sua vez, a maior parte dos participantes se encontra no intervalo satisfatório às variáveis que compõem os Danos psicológicos e os Danos sociais manteve (Tabela 2).

Foram identificadas diferenças significativas nas Condições de trabalho (p<0,01) e na Organização do trabalho (p<0,001) entre os diversos cargos (Tabela 3). Observaram-se diferenças significativas nas Condições de trabalho entre os grupos de Tarm e auxiliares ou técnicos de enfermagem (p<0,001), bem como entre os grupos de Tarm e motoristas-condutores (p<0,001). No que diz respeito à Organização do trabalho, o grupo de motoristas-condutores apresentou diferenças significativas em relação aos grupos de auxiliares ou técnicos de enfermagem (p<0,001), enfermeiros (p<0,02) e médicos (p<0,001).

Tabela 3

Comparação de Médias do Contexto de Trabalho do SAMU Associadas aos Aspectos Sociodemográficos

Variáveis

Condições de trabalho

Organização do trabalho

Relações socioprofissionais

M

DP

p

M

DP

p

M

DP

p

Gênero

Masculino

71

3,15

1,13

0,83

3,49

0,66

0,97

3,00

0,99

0,49

Feminino

108

3,18

1,05

3,48

0,72

3,10

1,03

Idade (Faixa etária)

≤ 18 e ≤ 29 anos

16

2,71

1,08

0,20

3,17

0,87

0,17

2,51

1,11

0,05

≥ 30 e ≤ 41 anos

80

3,24

1,13

3,52

0,63

3,16

0,99

≥ 42 anos

83

3,19

1,02

3,50

0,72

3,07

0,91

Estado civil

Solteiro

71

3,21

1,16

0,68

3,47

0,68

0,79

3,00

0,99

0,53

Casado/União estável

108

3,14

1,03

3,49

0,71

3,10

0,97

Nível escolar

Ensino médio

38

2,99

1,06

0,07

3,42

0,70

0,07

2,99

0,95

0,04

Ensino técnico

84

3,09

1,06

3,39

0,75

2,90

0,94

Ensino superior completo

16

3,81

1,02

3,85

0,50

3,58

1,01

Pós-graduação

41

3,23

1,11

3,58

0,63

3,25

0,99

Cargo

Auxiliar ou técnico de enfermagem

60

3,03

0,83

0,00

2,31

1,08

0,00

2,33

1,08

0,00

Enfermeiro

49

3,10

0,71

2,52

0,97

2,49

0,94

Médico

21

2,86

0,71

2,79

0,97

2,80

0,86

Motorista-condutor

25

2,50

0,90

1,92

0,94

1,90

0,90

Tarm

16

3,54

0,74

3,16

1,27

3,11

1,26

Operador de frota

3

3,78

0,55

2,05

0,30

2,20

0,20

Condutor de motolância

3

2,58

1,42

1,57

0,99

1,43

0,67

Administrativo e cargos de apoio

2

2,33

1,89

1,71

1,01

1,45

0,49

Tempo de serviço no SAMU

≤ 1 e ≤ 5 anos

71

3,19

1,13

0,39

3,51

0,67

0,07

3,01

1,05

0,06

≥ 6 e ≤ 10 anos

57

3,02

1,15

3,32

0,81

2,88

1,00

> 10 anos

51

3,30

0,93

3,63

0,56

3,32

0,79

Possui outro vínculo empregatício

Sim

92

3,18

1,00

0,84

3,49

0,70

0,95

2,98

1,00

0,25

Não

87

3,15

1,16

3,48

0,70

3,15

1,16

Carga horária semanal

≤ 20 e ≤ 30 horas

45

3,21

1,14

0,96

3,40

0,69

0,40

2,80

0,88

0,17

≥ 31 e ≤ 40 horas

79

3,12

1,02

3,44

0,74

3,18

0,98

> 40 horas

48

3,20

1,18

3,59

0,66

3,08

1,03

Outra

7

3,20

0,75

3,74

0,52

3,31

1,00

Com relação aos danos relacionados ao trabalho e aos aspectos sociodemográficos, observou-se que as variáveis Nível escolar e Cargo apresentaram diferenças significativas nos três fatores da EADRT. O teste post hoc de Bonferroni revelou diferenças significativas nos seguintes grupos: ensino superior em comparação com os grupos do ensino médio (p < 0,03) e técnico (p < 0,01) em relação aos danos físicos; ensino superior em comparação com os grupos do ensino médio (p < 0,03) e técnico (p < 0,001) em relação aos danos psicológicos; e ensino superior em comparação com os grupos do ensino técnico (p < 0,001) e os pós-graduados (p < 0,04) em relação aos danos sociais. Quanto à variável cargo, foram observadas diferenças significativas entre os motoristas-condutores e os Tarm nos três fatores da EADRT, com um valor de p igual a 0,00 (Tabela 4).

Tabela 4

Comparação de Médias dos Danos Relacionados ao Trabalho do SAMU Associadas aos Aspectos Sociodemográficos

Variáveis

Danos físicos

Danos sociais

Danos psicológicos

M

DP

p

M

DP

p

M

DP

p

Gênero

Masculino

71

3,06

0,88

0,44

2,44

0,94

0,97

2,41

0,97

0,89

Feminino

108

2,96

0,81

2,42

1,15

2,41

1,09

Idade (Faixa etária)

≤ 18 e ≤ 29 anos

16

2,78

0,91

0,44

2,36

1,14

0,19

2,45

1,10

0,34

≥ 30 e ≤ 41 anos

80

3,06

0,79

2,59

1,14

2,53

1,11

≥ 42 anos

83

2,97

0,87

2,28

0,97

2,29

0,96

Estado civil

Solteiro

71

3,06

0,89

0,44

2,53

1,01

0,30

2,51

0,99

0,31

Casado/União estável

108

2,96

0,81

2,36

1,11

2,35

1,08

Nível escolar

Ensino médio

38

2,88

0,85

0,01

2,47

1,12

0,00

2,39

1,08

0,00

Ensino técnico

84

2,86

0,78

2,19

0,93

2,14

0,88

Ensino superior completo

16

3,58

0,72

3,24

0,94

3,21

0,89

Pós-graduação

41

3,15

0,88

2,55

1,18

2,68

1,15

Cargo

Auxiliar ou técnico de enfermagem

57

3,02

0,84

0,00

2,33

1,06

0,00

2,32

1,08

0,00

Enfermeiro

44

3,06

0,73

2,39

0,83

2,43

0,90

Médico

20

2,88

0,72

2,73

0,82

2,75

0,97

Motorista-condutor

24

2,51

0,92

1,88

0,92

1,93

0,96

Tarm

16

3,54

0,74

3,11

1,26

3,16

1,27

Operador de frota

3

3,78

0,55

2,20

0,20

2,05

0,30

Condutor de motolância

3

2,58

1,42

1,43

0,67

1,57

0,99

Administrativo e cargos de apoio

2

2,33

1,89

1,45

0,49

1,71

1,01

Tempo de serviço no SAMU

≤ 1 e ≤ 5 anos

71

2,99

0,88

0,44

2,50

1,10

0,31

2,45

1,05

0,82

≥ 6 e ≤ 10 anos

57

2,90

0,88

2,25

1,08

2,34

1,07

> 10 anos

51

3,11

0,72

2,52

1,00

2,43

0,99

Possui outro vínculo empregatício

Sim

92

2,93

0,82

0,28

2,35

1,00

0,12

2,29

1,03

0,36

Não

87

3,06

0,86

2,50

1,12

2,53

1,03

Carga horária semanal

≤ 20 e ≤ 30 horas

45

2,93

0,83

0,79

2,37

0,86

0,57

2,25

0,91

0,67

≥ 31 e ≤ 40 horas

74

2,96

0,90

2,31

1,12

2,46

1,16

> 40 horas

43

3,09

0,83

2,40

0,94

2,41

1,00

Outra

7

3,11

0,65

2,87

1,07

2,67

1,11

Por outro lado, variáveis como gênero, estado civil, carga horária semanal e tempo de serviço no SAMU não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) em relação às dimensões do contexto de trabalho e aos danos relacionados ao trabalho. Isso sugere que tais fatores podem não exercer influência direta nas condições avaliadas. No entanto, a ausência de significância também é informativa, pois indica que outras variáveis, como nível escolar e cargo, podem ter um papel mais determinante nas percepções e impactos relatados.

No que diz respeito ao R²ᵦ, ele quantifica o poder explicativo da regressão, ou seja, a proporção da variação dos danos relacionados à saúde que é explicada pelas variações no contexto de trabalho e pelos aspectos sociodemográficos. Os resultados destacam que as Relações socioprofissionais exercem a maior influência sobre os danos relacionados à saúde no cenário do pré-hospitalar móvel, especialmente no que se refere aos Danos sociais (β = 0,473) e os Danos psicológicos (β = 0,465) (Tabela 5).

Tabela 5

Regressão Linear Múltipla Referente ao Contexto de Trabalho e os Aspectos Sociodemográficos e seu Poder Explicativo sobre o Custo Humano no Trabalho do SAMU

Variáveis Explicativas

Variável Dependente

Danos físicos

Danos sociais

Danos psicológicos

B

β

B

β

B

β

Aspectos sociodemográficos

Idade

*

*

-0,231

-0,139

-0,229

-0,142

Sexo

*

*

*

*

*

*

Estado Civil

*

*

*

*

*

*

Nível Escolar

*

*

*

*

*

*

Tempo de serviço

*

*

*

*

*

*

Cargo

*

*

*

*

*

*

Carga horária semanal

*

*

*

*

*

*

Possui outro emprego

*

*

*

*

*

*

Contexto de trabalho

Condições de trabalho

0,343

0,441

0,160

0,162

0,165

0,171

Organização do trabalho

*

*

*

*

*

*

Relações socioprofissionais

0,228

0,264

0,518

0,473

0,497

0,465

R = 0,64

R² = 0,41

R²ᵦ = 0,40

R = 0,59

R² = 0,35

R²ᵦ = 0,34

R = 0,59

R² = 0,35

R²ᵦ = 0,34

*Variáveis excluídas do modelo de regressão por não apresentar força preditiva.

Os coeficientes de determinação revelam que 40% da variação dos Danos físicos podem ser explicados pelas Condições de trabalho (β = 0,268) e pelas Relações socioprofissionais (β = 0,264). É importante destacar que tanto os Danos sociais quanto os Danos psicológicos apresentaram coeficientes de determinação equivalentes, responsáveis por explicar 34% da variação observada. Em tal situação, as variáveis preditoras que demonstraram influência significativa sobre esses fatores foram as Relações Socioprofissionais (β = 0,473; β = 0,465, respectivamente) e as Condições de Trabalho (β = 0,162; β = 0,171, respectivamente) (Tabela 5).

Além disso, constatou-se uma relação inversa entre a variável Idade e os Danos sociais (β = -0,139) e os Danos psicológicos (β = -0,142), indicando que a idade está associada à redução dos danos relacionados ao trabalho no ambiente do pré-hospitalar móvel, conforme evidenciado na tabela 5.

Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo investigar o contexto de trabalho do SAMU, bem como os danos relacionados à saúde dos profissionais que o compõe, durante a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, causada pelo vírus SARS-CoV-2. Os resultados evidenciaram um panorama preocupante, uma vez que aproximadamente 70% dos profissionais apresentaram pontuações médias consideradas críticas a graves para o contexto de trabalho. Os profissionais do SAMU apresentam índices mais críticos em comparação a outros grupos, como docentes (Cunha et al., 2024), agentes comunitários de saúde (Lima et al., 2022) e profissionais hospitalares (Cortez et al., 2021).

A análise dos danos relacionados ao trabalho no SAMU revelou níveis moderados, com uma acentuação nos danos físicos. Destacam-se os distúrbios digestivos e visuais, que impactaram a saúde dos participantes, assim como as alterações do sono, que apresentaram alta prevalência. Dores no corpo e nos braços também foram comuns, indicando desconforto físico associado ao trabalho. Essas mesmas queixas foram particularmente prevalentes entre os profissionais de enfermagem do SAMU de Santa Catarina (Worm et al., 2016).

Semelhantemente, os trabalhadores de enfermagem do centro cirúrgico indicaram riscos baixos para danos psicológicos e sociais. Porém, os itens relacionados aos danos físicos foram considerados de risco médio (Madrid & Glanzner, 2021). No estudo de Nascimento et al. (2022) os profissionais de enfermagem de um hospital universitário também apresentaram baixos índices para os danos psicológicos e sociais, mas queixas sobre os danos físicos foram registradas. Esses resultados destacam a necessidade de intervenções e melhorias no contexto do serviço pré-hospitalar móvel (Ferreira & Mendes, 2008; Mendes & Ferreira, 2007; Maciel et al., 2022; Medeiros-Costa et al., 2023).

No entanto, os resultados obtidos nesta pesquisa revelaram uma deterioração maior à saúde, o que reflete um agravamento mais pronunciado durante o período pandêmico. Nesse período conturbado, a classe trabalhadora enfrentou adversidades devido à intensificação da precarização (Souza, 2020). Foi observado um aumento recorrente nos relatos de sintomas como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, aumento do uso de substâncias e manifestações psicossomáticas (Dubey et al., 2020; Zhang et al., 2020).

Ao comparar as médias entre grupos ao associar os aspectos sociodemográficos, foram identificadas diferenças significativas entre todos os fatores do contexto de trabalho e os fatores que compõem os danos relacionados ao trabalho entre os diversos cargos. Essas diferenças destacam a importância de considerar a especificidade de cada grupo profissional ao planejar intervenções e melhorias no ambiente de trabalho. Conforme destacado por Teixeira et al. (2020), é importante problematizar o uso genérico da categoria “profissionais de saúde”, sem levar em consideração a heterogeneidade abrangida por esse termo. Isso envolve não apenas a diversidade de categorias profissionais que atuam nesse campo, mas também a falta de uma perspectiva crítica em relação às diferenças e às especificidades das condições de trabalho entre essas categorias. Especialmente relevante é a hierarquização que influencia as relações técnicas e sociais entre esses profissionais e trabalhadores.

Os resultados apontam que as Relações socioprofissionais exercem a maior influência sobre os danos relacionados à saúde no contexto do pré-hospitalar móvel, especialmente no que se refere aos danos psicossociais. Diversos fatores podem influenciar esse resultado, entre eles se destacam o contato com diferentes tipos de casos, de públicos e de realidades, a insatisfação dos usuários com a qualidade do atendimento e a existência de relações conflituosas tanto entre colegas de trabalho quanto entre os profissionais e a chefia (Fonseca et al., 2020).

No Brasil, as disparidades inter e intrarregionais e as políticas adotadas para o setor da saúde nos últimos anos enfraqueceram o SUS, principalmente, com o (des)governo de Jair Bolsonaro (Willrich et al., 2022). Com a pandemia de covid-19, essas deficiências se tornaram mais evidentes, afetando diretamente 70% da população que depende dos serviços de saúde pública, além dos profissionais que enfrentaram condições de trabalho precárias e inadequadas. Entretanto, destaca-se que a desigualdade na distribuição da produção científica sobre a saúde dos trabalhadores durante a pandemia ainda requer uma atenção mais cuidadosa dos pesquisadores (Ribeiro et al., 2020).

É fundamental continuar acompanhando os impactos sociais das questões abordadas neste estudo no período pós-pandemia, adicionando descobertas e reflexões às conclusões aqui apresentadas. Os “novos modelos de trabalho” ainda são relativamente recentes e ganharam destaque durante a pandemia, portanto, requerem atenção especial da comunidade científica e de outras áreas para compreender sua evolução futura. Além disso, é crucial encarar essa discussão como uma questão política que exige ação e intervenção dos próprios trabalhadores, a fim de enfrentar e transformar os efeitos negativos, incluindo os impactos na saúde (Souza, 2020).

No entanto, é fundamental mencionar algumas limitações associadas a esta pesquisa. Em primeiro lugar, deve-se destacar o tamanho da amostra, o que implica que as pontuações obtidas são representativas apenas desse grupo específico e não podem ser generalizadas. Além disso, é importante ressaltar que a precisão das respostas fornecidas pelos participantes também pode ser considerada uma limitação, uma vez que o uso de escalas quantitativas pode não capturar integralmente o contexto de trabalho e os riscos de saúde enfrentados.

Compreender e abordar os desafios enfrentados pelos trabalhadores do pré-hospitalar móvel de urgência é crucial para promover melhores condições àqueles que fazem o SUS. Ademais, é por meio de intervenções e ações coletivas que se pode transformar o trabalho, garantindo a segurança e a saúde de todos os envolvidos.

Referências

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Recebido em: 1º/03/2023

Última revisão: 22/02/2025

Aceite final: 24/02/2025

Sobre os(as) autores(as):

Mateus Estevam Medeiros-Costa: Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: mateusesetevam@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2242-6259

Jorge Tarcísio da Rocha Falcão: Doutor em Psicologia pela Université de Paris 5 (René Descartes/Sciences Humaines-Sorbonne). Professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: falcao.jorge@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2798-3727

Regina Heloisa Maciel: Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor). E-mail: reginaheloisamaciel@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2933-7021

Cynthia de Freitas Melo: Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor). E-mail: cf.melo@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3162-7300

doi: http://dx.doi.org/10.20435/ pssa.v1i1.2414

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