Estudos sobre os Instrumentos Diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista
Studies on the Diagnostic Instruments for Autism Spectrum Disorder
Estudios sobre los Instrumentos Diagnósticos del Trastorno del Espectro Autista
Janine Juli de Morais Lima
Renata Pereira Furtado
Alexandra Ayach Anache
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Resumo
Introdução: Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), o Brasil possuía 3,3 milhões de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), sendo que 45,6 milhões apresentavam algum tipo de deficiência; no entanto, ainda há dificuldades para se diagnosticar, em decorrência dos poucos instrumentos validados para a população brasileira, o que tem ocasionado aumento de pessoas diagnosticadas com esta característica, colocando em discussão os critérios e encaminhamentos para atendimentos em unidades de saúde ou em clínicas particulares. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar o conjunto das produções acadêmicas que estão disponíveis no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na PubMed que abordam os instrumentos de diagnóstico do TEA. Metodologia: Realizou-se uma revisão sistemática das produções acadêmicas nas bases se dados da CAPES e da PubMed, no período de 2014 a 2024. Os descritores foram: transtorno do espectro autista com o operador booleano “e” diagnóstico, transtorno do espectro autista “e” avaliação. Após a seleção das produções identificadas nas referidas bases de dados, realizou-se a análise integrativa deste conjunto. Resultados: Foram analisados 5 artigos, os quais demonstraram a necessidade de investimentos em pesquisa para construção de instrumentos de diagnóstico que sejam adaptados e validados para a realidade da população brasileira, uma vez que os instrumentos mais citados foram DI-R, o ADOS (incluindo a versão ADOS-2), o CARS e o M-CHAT.
Palavras-chave: transtorno do espectro autista, diagnóstico, instrumentos
Abstract
Introduction: According to data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE, 2020), Brazil had 3.3 million people with autism spectrum disorder (ASD), of which 45.6 million had some type of disability; however, there are still difficulties in diagnosing, due to the few instruments validated for the Brazilian population, which has caused an increase in the number of people diagnosed with this characteristic, which puts the criteria and referrals for care into discussion in health units or private clinics. The aim of this work is to identify and analyze the set of academic productions that are available on the website of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES) and on PubMed that address ASD diagnostic instruments. Methodology: A systematic review of academic productions was carried out in the CAPES and PubMed databases, from 2014 to 2024. The descriptors were: autism spectrum disorder with the Boolean operator “and” diagnosis, autism spectrum disorder “and “evaluation”. After selecting the productions identified in the aforementioned databases, an integrative analysis of this set was carried out. Results: 5 were analyzed articles, which demonstrated the need for investment in research to build diagnostic instruments that are adapted and validated for the reality of the Brazilian population, since the most cited instruments were DI-R, ADOS (including the ADOS-2 version), CARS and M-CHAT.
Keywords: autism spectrum disorder, diagnosis, instruments
Resumen
Introducción: Según datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE, 2020), Brasil tenía 3,3 millones de personas con Trastorno del Espectro Autista (TEA), de las cuales 45,6 millones tenían algún tipo de discapacidad; sin embargo, aún existen dificultades para diagnosticar, debido a los pocos instrumentos validados para la población brasileña, lo que ha provocado un aumento en el número de personas diagnosticadas con esta característica, poniendo en discusión los criterios y derivaciones para atendimientos em unidades de salud o clínicas privadas. El objetivo de este trabajo es identificar y analizar el conjunto de producciones académicas que están disponibles en el sitio web de la Coordinación para el Perfeccionamiento del Personal de Educación Superior (CAPES) y en PubMed que abordan instrumentos de diagnóstico del TEA. Metodología: Se realizó una revisión sistemática de producciones académicas en las bases de datos CAPES y PubMed, de 2014 a 2024. Los descriptores fueron: trastorno del espectro autista con el operador booleano “y” diagnóstico, trastorno del espectro autista “y” evaluación. Luego de seleccionar de las producciones identificadas en las bases de datos antes mencionadas, se realizó un análisis integrativo de este conjunto. Resultados: Se analizaron 5 artículos, que demostraron la necesidad de invertir en investigaciones para construir instrumentos de diagnóstico adaptados y validados para la realidad de la población brasileña, ya que los instrumentos más citados fueron DI-R, ADOS (incluida la versión ADOS-2), CARS y M -CHARLAR.
Palabras clave: trastorno del espectro autista, diagnóstico, instrumentos
Introdução
Atualmente, observa-se um aumento nos diagnósticos de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). O Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2023) reporta uma prevalência de 1 a cada 36 crianças diagnosticadas com este transtorno, o que representa um aumento de mais de 22% em comparação com a pesquisa de 2020, que indicava uma prevalência de 1 a cada 44 crianças. No entanto, não foram encontrados instrumentos validados na literatura para a população brasileira que possam rastrear a presença do TEA e, consequentemente, subsidiar orientações para o planejamento de atendimentos e a implementação de processos educativos. Essa situação demanda mais pesquisas e investigações aprofundadas.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), o Brasil possuía 3,3 milhões de pessoas com TEA, sendo que 45,6 milhões apresentavam algum tipo de deficiência. Aproximadamente 2,3 milhões de pessoas diagnosticadas com TEA concentravam-se em 60% na faixa etária de 5 a 17 anos e em 30% na faixa etária de 18 a 50 anos. Há uma lacuna de registros de crianças entre 2 e 5 anos com atraso no desenvolvimento, um dos critérios que gera suspeita de TEA. Em regra geral, o TEA tem sido caracterizado por déficits consideráveis na comunicação e interação social, além de comportamentos repetitivos e estereotipados, com alguns sintomas que podem ser identificados no início da infância, mas, em alguns casos, não se tornam evidentes até a idade escolar (Virués-Ortega, 2010).
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta predominantemente a comunicação e a interação social. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), publicado pela American Psychiatric Association (APA) em 2014, o TEA é definido de forma abrangente, refletindo o atual conhecimento sobre o transtorno. O TEA é caracterizado como um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta crianças precocemente em períodos críticos do desenvolvimento, e seus sintomas podem causar prejuízos significativos no funcionamento social, profissional e em outras áreas importantes da vida. Esses sintomas incluem déficits persistentes em duas áreas principais: (1) comunicação e interação social, manifestados em diversos contextos, e (2) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.
O termo “espectro” enfatiza a diversidade na apresentação e gravidade dos sintomas, bem como nas habilidades e níveis de funcionamento dos indivíduos com TEA. Anteriormente classificados como transtornos globais do desenvolvimento, esses distúrbios foram unificados sob o diagnóstico de TEA no DSM-5, que propõe três níveis de suporte: o nível 1, que exige apoio leve e/ou pontual; o nível 2, que requer apoio substancial; e o nível 3, que demanda apoio muito substancial. A etiologia do TEA está fortemente relacionada a fatores genéticos.
A ampla variação fenotípica entre indivíduos com TEA é atribuída à complexidade genética envolvida. O TEA não é causado por um único gene ou cromossomo específico, mas por uma combinação complexa de anomalias cromossômicas que, ao interagir, resultam nos comportamentos característicos do transtorno (Coutinho & Bosso, 2015).
Para a American Psychiatric Association (2014), diagnósticos dentro do espectro autista são mais precisos e confiáveis quando fundamentados em diversas fontes de informações, como observações clínicas, relatos dos cuidadores e de outros profissionais envolvidos na rotina e nos cuidados do indivíduo. Os déficits de comunicação social, tanto verbais quanto não verbais, manifestam-se de maneiras distintas, dependendo de fatores como idade, nível intelectual, capacidade linguística, história de tratamentos e o suporte atual. Muitos indivíduos com TEA apresentam dificuldades com a linguagem, que podem variar desde ausência total de fala, atrasos no desenvolvimento da linguagem, dificuldades na compreensão, ecolalia, até uma fala excessivamente literal ou alterada.
Embora a etiologia do TEA ainda não seja completamente compreendida, especialistas apontam para fatores genéticos, ambientais e neurológicos. O diagnóstico de transtornos mentais, incluindo o TEA, refere-se a um processo clínico sistematizado que envolve instrumentos, protocolos, entrevistas e observação (Assumpção e Pimentel, 2000). A utilização de exames físicos é empregada apenas para descartar doenças físicas que possam confundir o diagnóstico. Embora a avaliação psicológica atual utilize diversos instrumentos psicométricos para auxiliar no processo diagnóstico, o uso exclusivo de testes e protocolos não pode, nem deve, ser considerado suficiente para abarcar todas as dimensões envolvidas no desenvolvimento humano.
Baseando-se nos princípios da defectologia de Vygotsky, o autismo não é tratado como uma condição isolada, mas como uma manifestação da multiplicidade de formas de ser e de existir no mundo. Para Vygotsky, as limitações biológicas associadas a uma deficiência podem ser superadas ou transformadas por meio de interações sociais e mediações culturais (De Paoli & Machado, 2022). Assim, o desenvolvimento de indivíduos autistas está intrinsecamente ligado às oportunidades de participação social e às práticas educativas que reconheçam suas singularidades.
De acordo com De Paoli e Machado (2022), essa abordagem rejeita a visão patologizante e reducionista do autismo, que o interpreta exclusivamente como um conjunto de déficits e propõe uma análise que valorize as relações sociais e a diversidade humana.
As autoras também ressaltam a relevância do movimento da neurodiversidade, que busca ampliar a compreensão sobre o autismo como uma expressão legítima da diversidade humana, e não como um desvio ou patologia. Essa perspectiva incentiva a inclusão e a valorização das potencialidades de cada indivíduo, promovendo práticas sociais e educativas que respeitem suas particularidades (De Paoli & Machado, 2022).
Dessa forma, na perspectiva histórico-cultural, entendemos o transtorno do espectro autista (TEA) como uma configuração única que se desenvolve em um contexto social dinâmico.
Dentro dessa perspectiva, enfatiza-se a importância de superar estereótipos e práticas excludentes, reconhecendo o papel transformador das relações sociais e culturais no desenvolvimento de pessoas autistas, considerando o TEA como parte da diversidade humana.
De acordo com Vianna et al. (2023), o diagnóstico de TEA requer a avaliação do desenvolvimento infantil, por meio da observação do comportamento da criança em diferentes situações, incluindo atividades lúdicas, para avaliar suas características, considerando socialização, linguagem e comunicação, afeto-cognição, autocuidado e desenvolvimento motor. Esse processo, portanto, exige a colaboração de profissionais das áreas da saúde e da educação para realizar um diagnóstico completo.
Silva e Elias (2020), em sua revisão sobre instrumentos para avaliação do TEA, levantaram a discussão sobre a eficácia da avaliação, visto que, durante os estudos, não foram encontrados materiais suficientes, de acordo com as diretrizes propostas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Embora existam evidências de validação para alguns instrumentos, não foram identificados protocolos específicos para a avaliação do TEA no Brasil que atendam às normativas exigidas pelo referido Conselho. Em uma pesquisa mais recente, Carvalho et al. (2020) constataram que a predominância dos instrumentos está concentrada em triagem diagnóstica, evidenciando uma ênfase significativa nesse tipo de abordagem nos estudos psicométricos com indivíduos autistas. Entretanto, essa realidade contrasta com a situação brasileira, marcada pela escassez de pesquisas relacionadas à triagem diagnóstica e à elaboração e validação de instrumentos específicos para o TEA.
O avanço da avaliação psicológica dentro da Psicologia foi impulsionado pelo desenvolvimento de estratégias que permitiram inferências sobre o funcionamento da mente humana. Essas estratégias podem ser categorizadas em três grupos distintos: a criação de testes a partir da observação de comportamentos ou processos amostrais, a elaboração de testes por comparação com grupos selecionados de acordo com critérios específicos e a elaboração de testes baseados na análise da fantasia (Anache & Corrêa, 2010).
O que tange às implicações políticas e sociais da avaliação psicológica, alguns fatores, como a mecanização dos instrumentos e a instrumentalização da avaliação como meio de exclusão, merecem destaque. Bueno e Peixoto (2018) apontam quatro fatores possíveis para esses desafios, incluindo a confusão conceitual entre avaliação psicológica e testagem psicológica, além da má qualidade psicométrica de muitos instrumentos disponíveis. Esses problemas foram agravados pela rápida expansão dos cursos de Psicologia, o que resultou em deficiências na formação. Além disso, o surgimento de novas correntes de pensamento, como a humanista e a sócio-histórica, que se opunham à quantificação e ao positivismo, também contribuiu para tensionar as práticas tradicionais da avaliação psicológica, indicando a necessidade de aprimorar o ensino da avaliação psicológica nas universidades brasileiras. Diversos estudos, como o de Alchieri e Bandeira (2002), identificaram obstáculos que dificultam a melhoria da formação nesta área: (1) a persistência de uma visão limitada e preconceituosa sobre a avaliação psicológica, (2) a falta de capacitação dos docentes, (3) a carga horária reduzida das disciplinas relacionadas à avaliação psicológica e (4) o ensino descontextualizado e centrado apenas nos aspectos procedimentais dos testes psicológicos.
Com base nos pressupostos políticos e éticos da avaliação psicológica, é dever do profissional assegurar um processo diagnóstico que contemple as condições sociais e históricas do indivíduo. O uso excessivo de testes, sem conhecimento teórico adequado e não guiado pelos princípios éticos mencionados, pode aumentar a ocorrência de erros diagnósticos, especialmente em transtornos psicológicos complexos, como o TEA. Atualmente, não há um protocolo nacional de avaliação validado pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPS) para o diagnóstico do TEA, o que faz com que os profissionais dependam, em grande parte, do “olhar clínico” fundamentado em seu conhecimento teórico.
De acordo com Primi (2018), a avaliação psicológica não se limita apenas ao diagnóstico, desempenhando um papel essencial em diversas áreas. Ela pode ser utilizada para monitorar intervenções terapêuticas e educacionais, ajustar estratégias com base em dados objetivos, promover o desenvolvimento pessoal e profissional em contextos como seleção e orientação vocacional, além de contribuir para pesquisas científicas e validação de teorias. No ambiente educacional, a avaliação auxilia na identificação de necessidades específicas de aprendizado, favorecendo a inclusão e orientando práticas pedagógicas. Também é empregada em programas de prevenção, identificando fatores de risco e proteção em diferentes populações.
Assim, o objetivo deste trabalho é identificar e analisar o conjunto das produções acadêmicas que estão disponíveis no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na PubMed, sendo este um motor de busca de livre acesso à base de dados MEDLINE. Foram realizadas pesquisas que abordam os instrumentos de diagnóstico do TEA em ambas as plataformas.
Método
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, de caráter exploratório, em plataformas de pesquisa acadêmica no Portal da CAPES e na PubMed. Elas são bases de dados de referência nacional e internacional, respectivamente, as quais reúnem produções das áreas de educação, saúde e psicologia. Realizou-se uma revisão sistemática dos trabalhos selecionados, visando obter o estado do conhecimento sobre este tema referente ao período de 2014 a 2024. Os operadores booleanos utilizados foram “avaliação AND transtorno do espectro autista (tea OR diagnósticos OR instrumentos)”. Após a seleção das produções identificadas nas referidas bases de dados, realizou-se a análise integrativa deste conjunto.
Após a leitura dos resumos, adotamos como critérios de inclusão para a seleção dos artigos a limitação temporal, considerando produções publicadas nos últimos dez anos que abordaram especificamente os instrumentos de diagnósticos utilizados para a avaliação do TEA. Deste modo, excluímos os estudos publicados antes de 2014 e aqueles que não usaram nas palavras-chave os descritores já mencionados.
A busca pelos artigos foi realizada em dois mecanismos principais: no PubMed e o Portal CAPES. No Portal CAPES, os operadores booleanos utilizados foram “avaliação AND transtorno do espectro autista (tea OR diagnósticos OR instrumentos)” e pré-selecionados artigos publicados nos últimos dez anos (2014–2024), em qualquer idioma que haviam passado por revisão de pares e possuem acesso aberto.
Esse processo resultou na identificação de 70 produções, destas 1 produção estava duplicada, resultando em 69 produções totais, e posteriormente ocorreu a leitura dos resumos e título, dos quais 7 artigos foram considerados para a leitura do texto completo. Após a leitura das produções, foram selecionados 5 artigos adequados ao tema proposto.
Figura 1
Organograma do Método Utilizado na Revisão Bibliográfica no Portal CAPES
No Portal PubMED, os operadores booleanos utilizados foram “avaliação AND transtorno do espectro autista”, sendo pré-selecionados artigos publicados nos últimos dez anos (2014–2024), em qualquer idioma, que haviam passado por revisão de pares e com acesso aberto. Utilizando esses operadores, foi encontrado apenas um artigo, que foi descartado após a leitura do resumo da pesquisa.
Utilizando os operadores booleanos “Diagnóstico AND Transtorno do Espectro Autista”, foram achados dois artigos nos últimos dois anos, ambos descartados após leitura dos resumos pela incompatibilidade com o tema.
Figura 2
Organograma do Método Utilizado na Revisão Bibliográfica no Portal PubMED
Resultados e Discussões
Seguindo critérios de relevância e alinhamento com o tema proposto, foram analisados ao total 5 artigos, todos referentes ao portal de periódicos da CAPES e nenhum referente ao portal da PubMED.
Foi realizada uma pesquisa de revisão bibliográfica no Portal de Periódicos da CAPES com o objetivo de identificar os principais instrumentos diagnósticos utilizados para o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A análise incluiu cinco artigos completos, que abordaram diferentes ferramentas de avaliação. O primeiro artigo citou a utilização dos instrumentos Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R), Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS), Childhood Autism Rating Scale (CARS) e Social Responsiveness Scale (SRS). O segundo artigo aborda o Autism Behavior Checklist (ABC), a Childhood Autism Rating Scale (CARS), a Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT) e a Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA). No terceiro artigo, foram referenciados o Modified Checklist for Autism in Toddlers Revised/Follow-Up (M-CHAT-R/T), o Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R), o Autism Diagnostic Observation Schedule-2 (ADOS- 2), o Questionário de Triagem do Espectro do Autismo (ASSQ) e a Lista de Verificação do Comportamento do Autismo (ABC). Já o quarto artigo apresentou o uso do Protea-R e do Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI), enquanto o quinto artigo citou o Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT) e o Protea-R.
No total, foram identificados 11 instrumentos diferentes nos artigos detalhados na plataforma CAPES. Entre eles, os mais frequentemente mencionados foram o ADI-R, o ADOS (incluindo a versão ADOS-2), o CARS e o M-CHAT, demonstrando maior recorrência na literatura revisada. Apesar da variedade de instrumentos utilizados, nenhum deles apresenta validação pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), o que indica a necessidade de estudos futuros voltados à validação dessas ferramentas para o contexto brasileiro.
Esses instrumentos, desenvolvidos em contextos socioculturais específicos, podem não capturar adequadamente as nuances culturais e sociais do Brasil. A ausência de protocolos adaptados para o TEA no Brasil cria um descompasso entre a prática diagnóstica e as normas nacionais, o que pode levar a diagnósticos inadequados e intervenções menos eficazes (Silva & Elias, 2020). Vale ressaltar que os testes psicológicos são ferramentas sistemáticas usadas para avaliar comportamentos e fornecer informações relevantes em contextos de avaliação psicológica (Reppold e Noronha, 2018). A análise de seus resultados deve considerar o perfil do sujeito e o contexto da avaliação (Farias, 2012).
Internacionalmente, há um esforço contínuo para garantir que os testes psicológicos sejam válidos e fidedignos (Reppold e Noronha, 2018). Organizações como a American Psychological Association e a International Test Commission desenvolvem diretrizes para a criação e o uso desses testes, e publicações como o Mental Measurements Yearbook e o EFPA Review model ajudam a revisar e aprimorar os instrumentos.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabeleceu o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) para regulamentar e melhorar a qualidade dos testes psicológicos. Com o objetivo de promover a regulamentação, a Resolução CFP 002/2003, atualizada pela 005/2012, define requisitos para a elaboração e comercialização de testes e instituiu a Comissão Consultiva para avaliar e aprovar esses instrumentos. Contudo, com as novas resoluções, houve um avanço significativo na produção e na qualidade dos testes nacionais (Reppold e Noronha, 2018). A escolha de instrumentos deve ser feita com atenção às normas, qualidades psicométricas e fundamentação teórica. Avaliar corretamente crianças e adolescentes requer testes adaptados às suas necessidades específicas e à diferenciação dos sintomas em várias fases da vida (Farias, 2012).
A ausência de instrumentos validados pelo SATEPSI para o diagnóstico de TEA representa um problema crítico. Embora o uso de testes como M-CHAT, ADOS e ADI-R seja amplamente difundido, a falta de validação para o contexto brasileiro revela um descompasso entre a prática diagnóstica e as normas estabelecidas nacionalmente. Isso evidencia a necessidade de investimentos em pesquisa para adaptar e validar instrumentos que considerem as especificidades socioculturais do Brasil. A dependência excessiva do “viés clínico” do avaliador pode introduzir variações subjetivas no diagnóstico, ressaltando a importância de desenvolver protocolos mais padronizados.
A mecanização dos testes e sua instrumentalização como ferramentas de exclusão social, como apontado por Patto (1997) e Bueno e Peixoto (2018), levantam questões éticas fundamentais. Quando aplicados de maneira acrítica, esses testes podem reforçar preconceitos e estigmas, perpetuando desigualdades sociais e culturais. Dessa forma, é essencial que psicólogos e outros profissionais envolvidos no processo avaliativo estejam cientes das implicações éticas de seus métodos, evitando o uso de instrumentos que não foram devidamente validados para o contexto em que estão atuando. Além disso, a visão limitada e descontextualizada da avaliação psicológica, frequentemente centrada apenas em aspectos procedimentais, contribui para uma formação inadequada dos profissionais. São necessárias discussões teóricas sobre as implicações sociais e políticas da avaliação, assim como uma formação prática que prepare os estudantes para lidar com contextos diversificados e complexos, como o TEA.
A pesquisa reforça a importância de uma abordagem multidisciplinar na avaliação de crianças com TEA. O envolvimento de profissionais de áreas como Pedagogia, Fonoaudiologia e Psiquiatria é essencial para uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento infantil, permitindo uma avaliação mais precisa e, consequentemente, intervenções mais eficazes.
Neste sentido, a aproximação com a Teoria Histórico-Cultural para o processo de avaliação diagnóstica permite observar não apenas as características comportamentais imediatas, mas também os fatores sociais, culturais e históricos que influenciam o desenvolvimento do indivíduo. A adoção de uma abordagem dialética, que explora o potencial de desenvolvimento além dos déficits observados, pode evitar diagnósticos precipitados ou excessivamente centrados em resultados psicométricos. No entanto, não se observou, no conjunto das produções analisadas, esta perspectiva de estudo.
Vygotsky propõe que o desenvolvimento humano não pode ser compreendido isoladamente do contexto histórico e social em que o indivíduo está inserido. Assim, a avaliação, sob essa perspectiva, deve ir além da simples identificação de déficits ou dificuldades individuais, buscando compreender como as interações sociais e o ambiente educacional influenciam o desenvolvimento das funções mentais superiores (Vygotsky, 1989).
Um dos conceitos centrais da Teoria Histórico-Cultural é a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que descreve a diferença entre o que uma criança pode realizar sozinha e o que pode realizar com a ajuda de um adulto ou de colegas mais experientes, identificando as funções psicológicas desenvolvidas e aquelas que podem emergir com o apoio de pistas, mediações ou interações colaterais, contribuindo assim para a formação de novas funções psicológicas (Vygotsky, 1989).
Essa perspectiva implica em uma mudança de foco: de uma avaliação que busca identificar déficits individuais para uma que considera as condições históricas e sociais que promovem o desenvolvimento da criança. Isso inclui o papel da escola, dos professores e da sociedade mais ampla na formação das funções psicológicas superiores (Vygotsky, 2011). Trata-se de uma avaliação dinâmica, cujo objetivo é entender os processos de aprendizagem em vez de apenas avaliar o resultado ou mesmo o desempenho da pessoa com TEA. No entanto, este é um aspecto que merecerá novos estudos.
A avaliação diagnóstica do transtorno do espectro autista (TEA) é crucial para a implementação de intervenções eficazes e personalizadas. No entanto, a escassez de instrumentos de avaliação adaptados ao contexto brasileiro levanta questões significativas sobre a adequação das práticas diagnósticas e o impacto na qualidade da assistência oferecida aos indivíduos com TEA. Esta análise aborda a carência de instrumentos validados e oferece uma crítica à luz da Teoria Histórico-Cultural de Lev Vygotsky, explorando como a teoria pode informar e enriquecer a prática diagnóstica.
Conclusão
As conclusões desta pesquisa destacam a necessidade urgente de desenvolver instrumentos de avaliação que considerem a realidade cultural e social brasileira, além de estarem alinhados às normativas do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a fim de assegurar a qualidade e precisão dos diagnósticos. Embora ferramentas como o M-CHAT, ADOS e ADI-R sejam amplamente utilizadas, a ausência de validação por parte do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) evidencia um descompasso significativo entre as práticas diagnósticas no Brasil e as normativas nacionais. A dependência do julgamento clínico subjetivo do avaliador e a falta de padronização nos protocolos diagnósticos podem resultar em diagnósticos imprecisos, o que impacta negativamente tanto as intervenções terapêuticas quanto o desenvolvimento das crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista (TEA).
A carência de instrumentos adaptados é um reflexo das lacunas existentes na pesquisa e na adaptação de ferramentas diagnósticas ao contexto sociocultural brasileiro. A adaptação cultural e a validação local dos instrumentos são essenciais para garantir que as avaliações considerem as especificidades culturais e sociais que podem influenciar a manifestação e o reconhecimento dos sintomas do TEA. Sem essas adaptações, o risco de diagnósticos imprecisos e a perpetuação de desigualdades no acesso a intervenções apropriadas aumentam.
Além disso, a crítica à mecanização dos testes e sua potencial instrumentalização como ferramenta de exclusão social, conforme apontado por Patto (1997) e Bueno e Peixoto (2018), levanta questões éticas significativas. O uso de instrumentos não validados pode reforçar preconceitos, perpetuando desigualdades socioculturais, o que destaca a necessidade de maior responsabilidade ética por parte dos profissionais. Para além dos aspectos técnicos, é imprescindível uma formação crítica e reflexiva que prepare os profissionais para lidar com a diversidade e complexidade dos contextos, especialmente no que se refere ao TEA.
A integração da Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky no processo de avaliação oferece uma perspectiva mais ampla, considerando fatores sociais, culturais e históricos. Essa abordagem possibilita uma avaliação mais dialética, menos centrada em déficits, e amplia a compreensão sobre o potencial de desenvolvimento das crianças, evitando diagnósticos precipitados ou excessivamente dependentes de testes psicométricos.
Por fim, este estudo ressalta a necessidade de investimentos em pesquisa para adaptar e validar instrumentos de diagnóstico que reflitam as especificidades socioculturais brasileiras, contribuindo para uma prática diagnóstica mais equitativa e eficaz. Além disso, reforça a importância de promover discussões teóricas e éticas sobre as implicações sociais e políticas da avaliação psicológica no contexto do TEA.
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Recebido em: 15/09/2024
Última revisão: 10/01/2025
Aceite final: 12/01/2025
Sobre os autores:
Janine Juli Morais Lima: [Autora para contato]. Pós-graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bacharel em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Membro do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Humano e Educação Especial da UFMS. E-mail: Janine.lima@ufms.br, Orcid: https://orcid.org/my-orcid?orcid=0009-0008-5658-024X
Renata Pereira Furtado: Pós-Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bacharel em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Membro do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Humano e Educação Especial da UFMS. E-mail: renata_pereira@ufms.br, Orcid: https://orcid.org/0009-0006-3519-1769
Alexandra Ayach Anache: Estágio pós-doutoral em Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos, e em Educação na Universidade de Brasília, com ênfase em educação especial. Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Licenciada e graduada em Psicologia pela UCDB. Professora titular e coordenadora do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Humano e Educação Especial da UFMS. E-mail: Alexandra.anache@ufms.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7937-4448
Dossiê: Avanços e Desafios da Avaliação Psicológica