Qualidade de Vida e Transtornos Psíquicos Menores em Seminaristas Católicos
Quality of Life and Minor Psychiatric Disorders in Catholic Seminarians
Calidad de Vida y Trastornos Psíquicos Menores en Seminaristas Católicos
Denisval Pereira Andrade
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
José Carlos Souza
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
Mirna Torres Figueiró
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
Karina Oliveira Andrade1
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Vinicius Oliveira Andrade
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Resumo
A religiosidade e a espiritualidade sempre foram consideradas importantes elementos de suporte para as pessoas que sofrem e/ou estão doentes. Objetivo: Avaliar a Qualidade de Vida (QV) geral e a prevalência de transtornos psíquicos menores nos seminaristas católicos. Método: Um estudo de corte transversal, descritivo e comparativo. Foram entrevistados 68 seminaristas católicos por meio dos questionários sociodemográfico, World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-100) e Self Report Questionnaire (SRQ-20). Resultados: A avaliação da QV mostrou-se alta em todos os domínios investigados. Com relação ao cruzamento entre as dimensões do WHOQOL-100 e a presença/ausência de sofrimento mental, em todos os domínios do instrumento de qualidade de vida, e SRQ-20, houve diferença significativa, demonstrando que os candidatos que possuíam sofrimento mental estavam piores em relação aos que não possuíam em todos os domínios do WHOQOL-100. Conclusão: A QV dos seminaristas foi boa e a prevalência de transtornos psíquicos menores não foi significante.
Palavras-chave: religiosidade, qualidade de vida, transtornos psíquicos menores, seminaristas católicoscatólicos
Abstract
The religiosity and the spirituality have always been considered important hang points to people who are suffering and/or are ill. Objective: To assess the general Quality of Life (QoL), the health index and the prevalence of minor psychiatric disorders in Catholic seminarians in Campo Grande city, MS. Method: It was chosen a transverse, descriptive and comparative study. 68 Catholic seminarians were interviewed using the following procedures: social-demographic questionnaire from World Health Organization Quality of Life-100 and Self Report Questionnaire-20. Results: The QoL’s assessment demonstrated to be high in all aspects investigated. Crossing the measures from WHOQOL-100 and the presence/absence of mental suffering, in all aspects of the quality of life instruments and SRQ-20, there was a significant difference, demonstrating that the candidates who had mental suffering were worse in comparison with those who did not have it in all aspects of WHOQOL-100. Conclusion: The seminarians’ QoL was good and the prevalence of minor psychiatric disorders was not significant.
Keywords: religiosity, quality of life, minor psychiatric disorders, catholic seminarians
Resumen
Religiosidad y espiritualidad siempre fueram consideradas importantes elementos de suporte para las personas que sufren y o estão enfermos. Objetivo: Evaluar la Qualidad de Vida (QV) general y la prevalencia de transtornos psiquicos menores en los seminaristas católicos. Método: Um estudio de corte transversal, descriptivo y comparativo. Fueran entrevistados 68 seminaristas católicos por medio de um cuestionario sócio demográfico World Health Organization Quality of life (WHOQOL-100) y Self Report Questionnaire (SRQ-20). Resultados: La avaliación de la QV se mostró alta em todos los domínios investigados. Com relación al cruzamiento entre las dimensiones do WHOQOL-100 y la presencia/ausencia de sufrimento mental, em todos los domínios del instrumento de qualidad de vida, y SRQ-20, hubo diferencia significativa demostrando que los candidatos que tenían sufrimento mental estaban peores em relación a los que no tenían em todos los domínios del WHOQOL-100. Conclusión: La QV de los seminaristas fue buena y la prevalencia de transtornos psiquicos menores no fue significativa.
Palabras clave: religiosidade, qualidad de vida, transtornos psiquicos menores, seminaristas católicos
Introdução
A Igreja Católica é considerada uma das organizações mundiais mais fortes e rigidamente estruturadas, sendo governada por leis estabelecidas com precisão. Tendo sua hierarquia composta pelo papa e, sequencialmente, pelos cardeais, bispos e padres.
Durante o Concílio de Trento (1545-1563), houve a criação e organização dos seminários. Estes são locais para formação dos futuros sacerdotes da Igreja Católica, observando-se a manutenção do celibato clerical e a reafirmação da hierarquia eclesiástica (Kretzer, 2009). A formação sacerdotal do padre católico se processa particularmente no âmbito do seminário, daí a denominação de seminaristas aos alunos que lá estudam.
A formação para padre católico é um processo no qual o seminarista estuda por, no mínimo, 7 anos. Durante o período de formação, eles podem concluir o Ensino Médio, enquanto estão no Propedêutico, seguidos dos cursos superiores de Filosofia e Teologia, além de desenvolverem atividades interpessoais com comunidades diversas (palestras, catequese, cursos de noivos, trabalhos pastorais etc.).
Esses seminaristas são chamados diáconos1 transitórios quando estão em sua fase final de formação. E, após o período de um ano como diáconos, são ordenados padres pelo bispo de sua região.
Para muitos seminaristas, o ingresso no seminário representa uma importante ocasião de promoção socioeconômica pela qual é possível cursar uma ou duas faculdades gratuitamente, ficar livre do trabalho remunerado, passar a viver em uma cidade maior, com clima cultural e social urbano, e residir em instalações do nível da classe média. No entanto é preciso cuidar da saúde mental dos atores envolvidos na religiosidade, quer sejam representantes ou adeptos das religiões.
Segundo Costa et al. (2002), diversos estudos sobre estresse e Qualidade de Vida (QV) reforçam a teoria de que as condições de vida das classes menos favorecidas seriam, na verdade, determinantes no aparecimento de doenças mentais. Alguns trabalhos mostram que, no âmbito da atenção primária, 40% das pessoas atendidas apresentam transtornos psíquicos menores.
No caso dos seminaristas, a origem sociocultural e econômica é heterogênea, o que pode evidenciar valores, expectativas e preocupações que limitam sua Qualidade de Vida.
O interesse pelos transtornos psíquicos menores (TPM) e a qualidade de vida (QV) dos seminaristas católicos surgiu da percepção socioestrutural – após 15 anos de atendimento psicológico a essa população - de cada indivíduo e das constantes e diferentes queixas de sintomas psíquicos menores. Dessa forma, esta pesquisa pretendeu trazer uma contribuição saudável no sentido de melhorar a saúde mental e a QV desses futuros profissionais que são referência na sociedade.
Qualidade de Vida: Histórico e Conceitos
Oliveira (2007) relatou que, desde a Antiguidade, diferentes referenciais filosóficos conceituam o que seja vida com qualidade. Aristóteles (384-322 a.C.), em escritos como Ética a Nicômaco, afirma que as pessoas concebiam boa vida ou bem-estar como sendo a mesma coisa que felicidade, e que o significado de felicidade se tornava uma questão de contestação, com dúbio entendimento, pois cada indivíduo costumava defini-la de uma forma diferenciada à de outro indivíduo.
Já Zanon (2001) apontou que os primeiros trabalhos sobre QV foram produzidos nos Estados Unidos em 1920, por Walther Stewart Edwards De Ming e Joseph Juran, que trabalhavam na Bell Company. Arthur Cecil Pigou, em The economics of welfare, livro que tratava de economia e bem-estar, foi o primeiro a mencionar o termo QV (Yamada, 2001), que ganhou destaque na mídia em 1964, quando Lyndon Johnson, presidente dos Estados Unidos da América, referindo-se ao sistema bancário norte-americano, utilizou-o para dizer que os objetivos só podem ser medidos por meio da QV que proporcionam às pessoas (Fleck et al., 1999).
De acordo com Fernandes (2007), do ponto de vista histórico, a QV foi discutida de várias formas e abordagens ao longo da história da humanidade. Ora estava ligada a indicadores individuais ou coletivos, ora tendo a saúde como componente ou como seu interesse.
Segundo Straub (2005), as pessoas são propensas a pensar na saúde como a ausência de ferimento debilitante. Como tal definição concentra-se apenas na ausência de um estado negativo, ela é incompleta. Embora seja verdade que as pessoas saudáveis estão livres de doenças, a maioria das pessoas concorda que a saúde envolve muito mais. Assim, continua o autor, é bastante possível, e até comum, que uma pessoa esteja livre de doenças, mas ainda não desfrute uma vida vigorosa e satisfatória. A saúde não se limita ao nosso bem-estar físico.
Para a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization [WHO], 1946), a saúde é um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente ausência de doença ou enfermidades”. Desse modo, a saúde física implica ter um corpo vigoroso, livre de doenças e hábitos relacionados com o estilo de vida, que proporcionam o seu aumento. A saúde psicológica envolve a capacidade de pensar de forma clara, ter autoestima e um senso geral de bem-estar. Finalmente, a saúde social engloba boas habilidades interpessoais, relacionamentos significativos com os amigos, a família e o apoio social em épocas de crise.
O padrão da doença, a partir do século XX, é outra mudança ocorrida. Se antes eram basicamente os transtornos agudos que causavam as mortes, agora as pessoas vivem com doenças crônicas por muitos anos. Embora não possam ser curadas, é possível tratar essas doenças para prevenir mortes prematuras e manter a QV.
De acordo com Fleck et al. (2008), podem ser citadas pelo menos seis grandes vertentes que convergiram para o desenvolvimento do conceito de QV, a saber:
- estudos de base epidemiológica sobre a felicidade e o bem-estar;
- busca de indicadores sociais;
- insuficiência das medidas objetivas de desfecho em saúde;
- psicologia positiva;
- satisfação do cliente;
- movimento de humanização da medicina.
Diante da ausência de consenso sobre a definição de QV, a Organização Mundial da Saúde reuniu especialistas de várias partes do mundo para propor um conceito a fim de abranger a complexidade do construto e inter-relacionar o meio ambiente com aspectos físicos, psicológicos, nível de independência, relações sociais e crenças pessoais (Fleck et al., 2008).
O conceito de QV muitas vezes se confunde com o de uma vida confortável. Para os médicos, ele pode ser entendido como o nível alcançado pelo indivíduo na consecução de seus objetivos de forma hierarquizada e organizada, pois a vida humana é vivida de acordo com um plano. Alguns autores relatam que o termo QV está presente em estudos com abordagens relacionadas ao trabalho, à saúde e uma visão holística da vida humana, abordagens estas associadas à satisfação de condições objetivas e subjetivas (Souza & Guimarães, 1999; Beck, Budó & Bracini, 1999).
Segundo o WHOQOL Group (1994, p. 34), QV “é a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. O conceito foi desenvolvido por um grupo de especialistas de 15 países, recrutados pelo WHOQOL. Os especialistas escolhidos pelo Grupo WHOQOL apontaram que, no construto QV, estão implícitos três aspectos fundamentais: a subjetividade, a multidimensionalidade (inclui, pelo menos, as dimensões: física, psicológica e social) e a bipolaridade (presença de dimensões negativas e positivas).
Para tornar o conceito de QV mais claro, Calman (1987) considerou que uma boa QV está presente quando as esperanças e expectativas de um indivíduo são adquiridas por meio de sua vivência, modificada pela idade e experiência. As implicações contidas na definição de QV são as seguintes:
1) só pode ser descrita pelo próprio indivíduo;
2) precisa levar em conta vários aspectos da vida;
3) está relacionada aos objetivos e às metas de cada indivíduo;
4) a melhora está relacionada à capacidade de identificar e de atingir esses objetivos;
5) a doença e seus respectivos tratamentos podem modificar esses objetivos;
6) os objetivos necessariamente precisam ser realistas, já que o indivíduo precisa manter a esperança de poder atingi-los;
7) a ação é necessária para diminuir o hiato entre a realização dos objetivos e as expectativas, quer pela realização dos objetivos, quer pela redução das expectativas. Essa ação pode ocorrer por meio do crescimento pessoal ou da ajuda dos outros;
8) o hiato entre as expectativas e a realidade pode ser a força motora de alguns indivíduos.
Neto (1997) estudou a prevalência de transtornos mentais em uma amostra de ministros religiosos cristãos, não católicos, residentes na cidade de São Paulo, verificando sua correlação com orientação religiosa e os fatores de estresse da vida pastoral. Os resultados apontaram que quanto maior o sofrimento mental, pior a qualidade de vida.
Transtornos Psíquicos Menores: Conceito e Dados Epidemiológicos
Segundo Menezes (1996), a epidemiologia mostra que milhões de pessoas sofrem algum tipo de doença mental no mundo. Está ocorrendo um aumento progressivo dessas doenças, principalmente nos países em desenvolvimento. Já Costa et al. (2002) apontaram que a prevalência de sintomas psiquiátricos, particularmente ansiedade e depressão, varia dependendo não só da população investigada e do instrumento utilizado na detecção, mas do período de tempo investigado e das condições socioeconômicas da população.
Moore (1936 apud Neto, 1997), bispo católico e psiquiatra, realizou pesquisa junto a sanatórios católicos e não católicos, públicos e privados e asilos para insanos dos Estados Unidos, para saber a incidência de insanidade entre sacerdotes e religiosos e compará-la com os dados epidemiológicos então disponíveis.
Observou que 44% das freiras apresentavam demência precoce; 18.55% eram maníaco-depressivas. Entre os sacerdotes homens o principal problema encontrado foi o alcoolismo, 20.7%. Psicose maníaco-depressiva e paranoia também foram observadas em maior número que na população.
Segundo Duckro et al. (1992), o tratamento efetivo para profissionais religiosos é extremamente preciso. Não é segredo que algumas pessoas entram na vida religiosa com certos conflitos não resolvidos, entre os quais se inclui a excessiva necessidade de servir aos outros, o gerenciamento da necessidade sexual.
A religiosidade e a espiritualidade sempre foram consideradas importantes elementos de suporte para as pessoas que sofrem e/ou estão doentes. Neto (1997) ressaltou que a religião pode causar impacto sobre a saúde, e isso pode ser manifestado de diversas maneiras. Ela pode influenciar certos comportamentos (estilo de vida), aumentando ou diminuindo os riscos para a saúde. Pode ainda criar uma rede de apoio social ou operar de modo a reduzir o impacto dos eventos vitais estressantes, tais como: doença, luto, mudanças residenciais involuntárias e a institucionalização.
Em relação a transtornos psíquicos durante a vida, estudo coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que a frequência varia de 12,2% na Turquia a 48,6% nos Estados Unidos (WHO, 2000). Os sintomas ansiosos, depressivos e somatoformes, que não chegam a se enquadrar nas categorias do DSM-IV-TR ou CID-10, além de transtornos psíquicos menores, são chamados na literatura de “morbidade psiquiátrica menor” e/ou “transtornos mentais comuns”.
Segundo Santos (2002), transtorno mental comum (TMC) ou menor refere-se à situação de saúde de uma população, com indivíduos que não preenchem os critérios formais para diagnósticos de depressão e/ou ansiedade, segundo as classificações DSM-IV-TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) e CID-10 (Classificação Internacional de Doenças – 10ª Revisão). Entretanto apresentam sintomas proeminentes que trazem uma incapacitação funcional comparável ou até pior que quadros crônicos já bem estabelecidos.
Santos (2002) apontou que, em geral, o quadro clínico comum dos transtornos mentais não faz os pacientes procurarem a assistência necessária e, muitas vezes, quando a procuram, são subdiagnosticados, de forma que podem não receber o tratamento adequado. No campo da atenção primária, ou da prática médica não psiquiátrica, isso se torna ainda mais relevante se levarmos em consideração a presença de comorbidades, que acabam por agravar o prognóstico, tanto por piora do quadro clínico principal quanto por aderência inadequada aos tratamentos propostos.
Os sintomas ansiosos, depressivos e somatoformes, comumente referidos como morbidade psiquiátrica menor (MPM), apresentam uma elevada prevalência na população geral adulta, além de serem diagnosticados em um terço ou mais das pessoas que procuram atendimento em serviços primários de saúde (Coutinho, Almeida Filho, & Mari, 1999).
Os objetivos deste trabalho são avaliar a QV geral e a prevalência de Transtornos Psíquicos Menores nos Seminaristas Católicos; caracterizar a amostra através das variáveis sociodemográficas; avaliar a QV geral através dos domínios do WHOQOL-100; comparar os dados sociodemográficos com os domínios do WHOQOL-100; avaliar a presença de Transtornos Psíquicos Menores através do SRQ-20 e Comparar domínios do WHOQOL-100 com a prevalência os Transtornos Psíquicos Menores.
Com base na análise dos dados, acredita-se que teremos uma visão ampla da qualidade vida e da prevalência de DPM nessa amostra, sugerindo ações que venham contribuir com a melhora na QV dos seminaristas, visando a melhor desempenho em suas atribuições e funções missionárias com eficácia e realização pessoal.
Método
Participantes e critérios de inclusão
Foram entrevistados 68 seminaristas, todos residentes no seminário católico escolhido, e que concordaram em participar da pesquisa, respondendo aos questionários.
Critério de exclusão
Seminaristas que se recusaram a participar da pesquisa.
Procedimentos
A autorização para a coleta de dados necessários à pesquisa junto aos seminaristas foi concedida pelo bispo e por reitores responsáveis pelo seminário. O primeiro contato foi realizado no mês de julho/2009 em virtude da aprovação do projeto pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Após a aprovação do Comitê de Ética da UCDB, foi realizado um estudo piloto, com o objetivo de verificar o tempo a ser gasto com as respostas aos questionários, destinado a quatro candidatos do Curso de Filosofia noturno. Os seminaristas foram convidados a responder ao instrumento de pesquisa, e a aplicação ocorreu em horário livre, nas salas de estudo disponíveis na instituição.
Os questionários aplicados foram isentos de identificação. Porém, como toda pesquisa que envolve seres humanos, foi entregue para o preenchimento dos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que contou com o número do registro de identidade, a data e a assinatura dos 68 seminaristas, assim como o telefone e o e-mail do pesquisador e do orientador da pesquisa para contato.
De posse do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado, ocorreu a aplicação do instrumento para a coleta de dados pelo próprio pesquisador ou entrevistador; nesse caso foram duas acadêmicas de Psicologia da UCDB. As instruções foram apresentadas verbalmente, por aproximadamente 4 minutos, com ênfase na responsabilidade, no sigilo dos dados e na conferência das respostas de todas as questões. Foram entregues três questionários: o sociodemográfico, o WHOQOL-100 e o SRQ-20. Alguns participantes preenchiam e já devolviam concomitantemente para o pesquisador; outros optaram por um tempo maior para o preenchimento.
No período matutino, os questionários foram respondidos na unidade Propedêutico; no vespertino, na unidade de Filosofia. No dia seguinte, no período matutino, na unidade de Teologia. O preenchimento dos questionários foi à caneta, sem limite de tempo, com oportunidade para tirar dúvidas. O tempo médio estimado para o preenchimento dos três questionários foi de aproximadamente 40 minutos.
Para viabilização da pesquisa, foram seguidas as recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para pesquisa junto a seres humanos e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), estabelecidas na Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 (Brasil, 1996). Esta pesquisa garantiu o sigilo absoluto dos resultados, que serão apresentados estatisticamente, sem haver qualquer possibilidade de identificação dos participantes.
Instrumentos
Neste trabalho, optou-se pelo método quantitativo e de corte transversal, descritivo e comparativo. Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos:
a) Questionário sociodemográfico: com as variáveis independentes idade, sexo, estado civil, classe econômica2, horas dormidas, número de pessoas em casa.
b) WHOQOL-100 – World Health Organization Quality of Life: instrumento de avaliação da QV desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde. A versão em português do WHOQOL-100 foi desenvolvida no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. Consiste em 100 perguntas referentes a 6 domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais. Esses domínios são divididos em 24 facetas. Cada faceta é composta por quatro perguntas. Além das 24 facetas específicas, o instrumento tem uma 25ª composta de perguntas gerais sobre QV. Os domínios avaliam: domínio físico – dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso; domínio psicológico – sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos; domínio nível de independência – mobilidade, atividades de vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamentos, capacidade de trabalho; domínio relações sociais – relações pessoais, suporte social, atividade sexual; domínio meio ambiente – segurança física, ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais, oportunidades de adquirir novas informações e habilidades, ambiente físico, transporte; domínio de aspectos espirituais/religião/crenças pessoais – espiritualidade/religiosidade e crenças pessoais. As características psicométricas do WHOQOL-100 foram estabelecidas a partir de uma amostra de 8.294 indivíduos provenientes de 19 centros. Avaliou-se a consistência interna do instrumento utilizando o coeficiente de Cronbach. A validade discriminante para os itens foi determinada através do Teste t para distinguir entre controles e doentes (Fleck, 2000). As respostas para as questões do WHOQOL são dadas em uma escala do tipo Likert. As perguntas são respondidas por meio de quatro tipos de escalas (dependendo do conteúdo da pergunta): intensidade, capacidade, frequência e avaliação.
c) SRQ-20 – Self Report Questionnaire: é um questionário de identificação de transtornos psíquicos em nível de atenção primária, proposto pela Organização Mundial da Saúde para a detecção de morbidade psiquiátrica na população geral. Foi desenvolvido por Harding et al. (1980) e validado no Brasil por Mari e Williams em 1986, com sensibilidade de 85,0% e especificidade de 80,0%. Segundo Mari et al. (1987), o SRQ-20 é o instrumento recomendado pela Organização Mundial da Saúde para essa finalidade e tem se mostrado eficaz na detecção de transtornos psíquicos menores (TPM), sendo inclusive superior ao próprio exame clínico realizado por médicos generalistas.
As 20 questões que compõem o questionário têm duas possibilidades de resposta (sim/não), compreendendo cinco dimensões funcionais de apoio social: apoio emocional, afetivo, tangível (provisão de recursos práticos e ajuda material), de informação, de companhia ou interação social. As questões incluem sintomas físicos (dores, apetite, sono, tremores, má digestão, cansaço) e emocionais (tristeza, choro, nervosismo, dificuldades no trabalho, perda de interesse, sentimento de inutilidade, pensamento suicida), entre outros. Cada um dos 20 itens é pontuado como sendo zero ou um. A pontuação um indica que o sintoma esteve presente durante o último mês; a pontuação zero, que o sintoma estava ausente. O escore máximo, então, é 20.
De acordo com a OMS (WHO, 2000), o SRQ foi originalmente desenvolvido como uma escala autoadministrável, mas também pode ser administrado em formato de entrevista. Porém, quando as perguntas são lidas para os respondentes, pode haver algum problema em razão da influência de elementos subjetivos derivados dos diferentes históricos de cada pesquisador. Isso pode interferir na maneira como os itens são lidos, no modo como são respondidos pelos pacientes e na forma pela qual as respostas serão pontuadas ao final.
Análise Estatística
Os dados foram tabulados e, em seguida, foi realizada uma estatística descritiva com cruzamento de dados entre as variáveis sociodemográficas e os domínios de qualidade de vida por meio de testes estatísticos, com o objetivo de avaliar possíveis diferenças/associações.
Para as análises estatísticas foram utilizados cinco testes diferentes tais como: teste de diferença de médias, Análise de Variância (ANOVA), teste Qui-Quadrado (x2), teste de correlação de Pearson e teste exato de Fisher, sendo todos aplicados com 95% de confiabilidade.
No processamento das informações foi utilizado o software Minitab, versão 14, para Windows, que é um programa específico para análises quantitativas e estatísticas.
Resultados
Variáveis Sociodemográficas
Entre os 68 participantes desta pesquisa, 25 alunos cursam Filosofia, 10 estudam o Propedêutico e 33 cursam Teologia. Em relação ao estado civil, 67 são solteiros, e um é divorciado. Quanto à classe econômica, 24 pertencem às faixas A/B, e 44, às faixas C/D. Em relação à escolaridade, 62 têm nível superior, e seis não têm. Quanto ao uso de remédios, 64 não usam, e quatro utilizam.
A Tabela 1 apresenta um panorama geral das variáveis sociodemográficas qualitativas.
Tabela 1
Descrição da amostra quanto às variáveis sociodemográficas qualitativas
Variável |
Quantidade |
Percentual |
|
Modelo |
Filosofia |
25 |
36,8% |
Propedêutico |
10 |
14,7% |
|
Teologia |
33 |
48,5% |
|
Estado civil |
Solteiro |
67 |
98,5% |
Divorciado |
1 |
1,5% |
|
Classe econômica |
A/B |
24 |
35,3% |
C/D |
44 |
64,7% |
|
Estudos |
Nível superior |
62 |
91,2% |
Não superior |
6 |
8,8% |
|
Remédios |
Não |
64 |
94,1% |
Sim |
4 |
5,9% |
Já a Tabela 2 apresenta as varáveis contínuas quantitativas: idade, número de pessoas em casa e horas dormidas. Verificou-se que a idade média dos participantes é de 26,88 anos e o número de pessoas em casa é de 6,18. Relacionado com o número de horas dormidas, a média é de 6,43 horas.
Tabela 2
Descrição da amostra quanto às variáveis sociodemográficas quantitativas
Variável |
N |
Média |
D.P. |
Idade |
68 |
26,88 |
6,50 |
Nº de pessoas em casa |
68 |
6,18 |
3,36 |
Horas dormidas |
68 |
6,43 |
1,49 |
SRQ – 20 em Relação aos Domínios do WHOQOL – 100
Na análise da presença ou ausência de sofrimento mental entre os seminaristas católicos, verificou-se que 55 seminaristas (80,9% da amostra) não apresentaram sofrimento mental, ao passo que 13 seminaristas (19,1%) apresentaram indícios de sofrimento mental detectados pelo teste SRQ-20.
Tabela 3
Resultados gerais do SRQ-20
SRQ-20 |
Quantidade |
Percentual |
Não |
55 |
80,88% |
Sim |
13 |
19,12% |
Total |
68 |
100,00% |
A avaliação da QV mostrou-se alta em todos os domínios investigados (físico: 53,13%, psicológico: 64,93%, nível de independência: 68,52%, relações sociais: 63,49%, meio ambiente: 54,76% e aspectos espirituais: 86,13%).
Tabela 4
Resultados gerais dos domínios do WHOQOL-100
Domínio |
N |
Média |
D.P. |
Físico |
68 |
53,13 |
6,21 |
Psicológico |
68 |
64,93 |
10,46 |
Nível de independência |
68 |
68,52 |
8,01 |
Relações sociais |
68 |
63,49 |
10,02 |
Meio ambiente |
68 |
54,76 |
9,41 |
Aspectos espirituais |
68 |
86,13 |
17,57 |
Em relação à referência SRQ-20 (sofrimento mental), a Tabela 5 demonstra que existe diferença significativa (p < 0,05) entre sim e não para todos os domínios do instrumento de qualidade WHOQOL-100. Em todos os casos, as pessoas que não possuem sofrimento mental estão com escores superiores aos que possuem sofrimento mental, ou seja, a qualidade de vida medida pelo WHOQOL-100 é maior nas pessoas que não possuem sofrimento mental.
Tabela 5
Comparação entre o SRQ-20 e os domínios do WHOQOL-100
Domínio |
Variável |
N |
Média |
D.P. |
t |
P |
Físico |
Não |
55 |
53,95 |
5,72 |
5,27 |
0,025 |
Sim |
13 |
49,69 |
7,21 |
|||
Psicológico |
Não |
55 |
68,39 |
7,46 |
58,27 |
< 0,001 |
Sim |
13 |
50,31 |
8,61 |
|||
Nível de independência |
Não |
55 |
70,28 |
6,62 |
17,37 |
< 0,001 |
Sim |
13 |
61,05 |
9,28 |
|||
Relações sociais |
Não |
55 |
65,69 |
8,67 |
17,22 |
< 0,001 |
Sim |
13 |
54,19 |
10,28 |
|||
Meio ambiente |
Não |
55 |
57,17 |
8,28 |
25,68 |
< 0,001 |
Sim |
13 |
44,60 |
6,89 |
|||
Aspectos espirituais |
Não |
55 |
88,87 |
16,5 |
7,69 |
0,007 |
Sim |
13 |
74,55 |
17,95 |
Comparação dos Dados Sociodemográficos com os Resultados do WHOQOL – 100
Nesta etapa do trabalho, foram realizados testes estatísticos com o objetivo de comparação entre as variáveis sociodemográficas e o sofrimento mental. Os resultados estão a seguir.
Na comparação dos dados sociodemográficos em relação aos dos domínios do WHOQOL-100, não foi apresentada diferença significativa entre as variáveis no que se refere a modelo, idade, pessoas que moram no mesmo imóvel, estado civil, escolaridade e uso de remédios. Já nas variáveis de classe econômica e horas dormidas, houve alteração em relação ao WHOQOL-100.
O Teste de Diferença de Médias, verificado na Tabela 6, constatou que existe diferença significativa para a variável classe econômica no domínio meio ambiente do WHOQOL-100 (p = 0,012). Considerando de forma estatisticamente significativa, conclui-se que o escore médio das pessoas de classes A/B é maior que o das de classes C/D. Isso permite afirmar que a qualidade de vida dos participantes da classes A/B no domínio meio ambiente é melhor que a qualidade de vida dos participantes da classes C/D.
Tabela 6
Comparação dos domínios do instrumento WHOQOL-100 em relação à classe social
Domínio |
Variável |
N |
Média |
D.P. |
T |
P |
Físico |
A/B |
24 |
53,142 |
5,459 |
0 |
0,992 |
C/D |
44 |
53,125 |
6,638 |
|||
Psicológico |
A/B |
24 |
66,49 |
10,9 |
0,82 |
0,37 |
C/D |
44 |
64,09 |
10,24 |
|||
Nível de independência |
A/B |
24 |
68,288 |
7,811 |
0,03 |
0,862 |
C/D |
44 |
68,645 |
8,204 |
|||
Relações sociais |
A/B |
24 |
64,85 |
8,22 |
0,68 |
0,411 |
C/D |
44 |
62,74 |
10,89 |
|||
Meio ambiente |
A/B |
24 |
58,60 |
8,309 |
6,7 |
0,012 |
C/D |
44 |
52,67 |
9,393 |
|||
Aspectos espirituais |
A/B |
24 |
84,9 |
22,11 |
0,18 |
0,673 |
C/D |
44 |
86,8 |
14,77 |
Também foi realizada a correlação entre as horas dormidas pelos seminaristas e os domínios do WHOQOL-100, sendo verificado que se apresenta, no domínio relações sociais, diferença significativa (p = 0,042), ou seja, a qualidade de vida é afetada pela quantidade de horas dormidas, sendo que quanto maior a quantidade de horas dormidas maior é a qualidade de vida na dimensão relações sociais.
Tabela 7
Correlação entre horas dormidas e os domínios no instrumento WHOQOL-100
Domínio |
Correlação |
P |
Físico |
0,145 |
0,237 |
Psicológico |
0,162 |
0,186 |
Nível de independência |
0,017 |
0,889 |
Relações sociais |
0,247 |
0,042 |
Meio ambiente |
0,15 |
0,222 |
Aspectos espirituais |
0,006 |
0,959 |
Comparação das Variáveis Sóciodemográficas com o SRQ- 20
Nessa etapa do trabalho, foram realizados testes estatísticos com o objetivo de comparação entre as variáveis sociodemográficas e o sofrimento mental. Os resultados estão a seguir.
Tabela 8
Comparação entre o modelo e o SRQ-20
Modelo |
Não |
Sim |
P |
||
Qtde. |
% |
Qtde. |
% |
||
Filosofia |
20 |
80,0% |
5 |
20,0% |
0,725 |
Propedêutico |
9 |
90,0% |
1 |
10,0% |
|
Teologia |
26 |
78,8% |
7 |
21,2% |
|
Total |
55 |
80,9% |
13 |
19,1% |
Por meio do teste Qui-Quadrado (?2), não foi detectada associação entre o modelo e sofrimento mental (p = 0,725), o que indica a não influência do tipo de estudo a que se propôs o seminarista com o fato de este apresentar sintomas de sofrimento mental. Na associação entre a classe econômica e o sofrimento mental, não foi constatada relação entre as variáveis (p = 0,117).
Tabela 9
Comparação entre a classe econômica e o SRQ-20
Classe social |
Não |
Sim |
P |
||
Qtde. |
% |
Qtde. |
% |
||
A/B |
22 |
91,7% |
2 |
8,3% |
0,117 |
C/D |
33 |
75,0% |
11 |
25,0% |
|
Total |
55 |
80,9% |
13 |
19,1% |
A ausência de associação entre sofrimento mental com a variável de classe econômica permite o entendimento de que os seminaristas católicos investigados possuem coping3 para lidar com as atribulações da vida cotidiana, mesmo os pertencentes às classes econômicas C/D.
O Teste de Diferença de Médias
verificado na Tabela 10 constatou que existe uma diferença significativa para o domínio relacionado às horas dormidas (p = 0,001). Pode-se afirmar que, ao analisar as diferenças entre as variáveis sim e não, constatou-se que a quantidade de horas dormidas contribui para o sofrimento mental dos entrevistados.
Tabela 10
Variáveis contínuas em relação ao SRQ-20
Variável |
SRQ-20 |
N |
Média |
D.P. |
T |
P |
Idade |
Não |
55 |
27,42 |
6,80 |
1,98 |
0,164 |
Sim |
13 |
24,62 |
4,56 |
|||
Nº de pessoas |
Não |
55 |
6,27 |
3,48 |
0,23 |
0,630 |
Sim |
13 |
5,77 |
2,86 |
|||
Horas dormidas |
Não |
55 |
6,81 |
0,925 |
11,41 |
0,001 |
Sim |
13 |
5,81 |
1,109 |
Discussão
Em relação às variáveis sociodemográficas, os resultados evidenciam que os candidatos, em sua maioria, são oriundos de um nível econômico baixo. Podemos afirmar que, entre os fatores motivacionais para o ingresso dos alunos no seminário, o mais importante é a segurança (alimentar e de educação) oferecida pela instituição Igreja, já que os pertencentes às classes C e D nem sempre têm acesso às condições básicas de alimentação e educação.
Esse entendimento corrobora com Benelli (2007), que em seu trabalho relatou: de acordo com a literatura e com nossas observações, o seminarista tende a ser oriundo do nível socioeconômico baixo, popular. Sua família pertence à classe trabalhadora popular, normalmente sem muita escolarização e sem maior qualificação profissional – trabalhadores rurais, empregados domésticos ou do comércio, vivendo em cidades pequenas do interior.
Apesar do baixo índice de sofrimento mental, observou-se a questão da cobrança dos familiares, que, muitas vezes, veem na formação do padre o status de ter um “homem de Deus” na família. Para muitos seminaristas, a responsabilidade de assumir se vai ou não fazer os votos traz uma culpa silenciosa (de ter sido acolhido e terem investido financeiramente nele) e pode trazer sintomas de transtornos psíquicos menores.
Duckro et al. (1992) fizeram considerações sobre a importância de se levar em conta a origem familiar do seminarista. Eles lembram que os religiosos têm uma “família estendida” e que esta influencia em suas decisões. Não se deve excluir a possibilidade de que a família de origem possa ainda ser uma influência que gera crises e, consequentemente, sofrimento mental.
Na comparação dos resultados obtidos no SRQ-20 com os do WHOQOL-100, ficou evidenciado que todas as pessoas que não possuem sofrimento mental estão com escores superiores aos que possuem sofrimento mental, ou seja, a qualidade de vida medida pelo WHOQOL-100 é maior nas pessoas que não possuem sofrimento mental.
Neto (1997) estudou a prevalência de transtornos mentais em uma amostra de ministros religiosos cristãos, não católicos, residentes na cidade de São Paulo, verificando sua correlação com orientação religiosa e os fatores de estresse da vida pastoral. Entre os instrumentos de coleta de dados, o autor utilizou o SRQ-20. Duzentos e sete (28,2%) ministros religiosos responderam ao questionário SRQ-20. Destes, 52 (25,1%) apresentaram escore acima do ponto de corte, sendo classificados como grupo SRQ-20 positivo, caracterizando a não prevalência de transtornos mentais.
Dessa forma, observa-se que a relação sofrimento mental e qualidade de vida apresenta uma característica inversamente proporcional, ou seja, quanto maior o sofrimento mental, pior a qualidade de vida.
Na comparação dos dados sociodemográficos em relação aos dos domínios do WHOQOL-100, percebeu-se diferença significativa para a variável classe econômica no domínio meio ambiente. Conclui-se que o escore médio das pessoas de classes A/B é maior que o das de classes C/D. Isso permite afirmar que a qualidade de vida dos participantes das classes A/B, no domínio meio ambiente, é melhor que a qualidade de vida dos participantes das classes C/D.
A estrutura social do indivíduo tem uma parcela importante na quantificação e avaliação da qualidade de vida. Os alunos das classes C/D vêm de uma condição de privações materiais e oportunidades; estas últimas é que são ofertadas pela escolha do estudo no seminário.
De acordo com Pacheco (2009), ao avaliar a qualidade de vida, deve-se perceber que uma situação ambiental pode ser saudável para uns e não ser para outros, e nisso reside a dimensão psicossocial ou da personalidade na qualidade de vida. Um ambiente favorecedor da boa qualidade de vida deve possibilitar, entre outras, as situações de assimilação e pertencimento, como é o caso dos seminaristas católicos.
Também foi realizada correlação entre as horas dormidas pelos seminaristas e os domínios do WHOQOL-100, sendo verificado que, no domínio relações sociais, se apresenta diferença significativa (p = 0,042), ou seja, a qualidade de vida é afetada pela quantidade de horas dormidas, sendo que quanto maior a quantidade de horas dormidas, maior é a qualidade de vida na dimensão relações sociais.
O excesso de carga horária, o amplo conteúdo e as atividades inerentes ao estudo dos seminaristas podem obrigar o estudante a diminuir suas horas de sono. A privação do sono pode causar progressiva deterioração mental, psicológica e física, o que inclui mudanças de humor, diminuição da coordenação motora e da capacidade de raciocínio, problemas de memória, de aprendizado e da fala, alucinações, paranoia e danos físicos como alterações de batimentos cardíacos e temperatura corporal (Coren, 1998).
Segundo Kryger et al. (1999 apud Souza & Guimarães, 1999), o sono ocupa em média um terço da vida humana. Um adulto jovem dorme em média oito horas por dia. Na população de seminaristas católicos investigada, a média de horas dormidas foi de 6,43. Isso corrobora com o índice de menor qualidade de vida nessa amostra.
Na comparação das variáveis sociodemográficas com o SRQ- 20, não foi detectada associação entre o modelo e sofrimento mental (p = 0,725), o que indica a não influência do tipo de estudo a que se propôs o seminarista no fato de ele apresentar sintomas de sofrimento mental.
Os resultados obtidos na pesquisa corroboram com estudo conduzido por Cerchiari (2004) sobre saúde mental e qualidade de vida em Estudantes Universitários, utilizando como instrumento de coleta de dados o General Health Questionnaire GHQ-60.
Conclusões
Baseado no fato de que os seminaristas se preparam para atendimento ao público e são formadores de opinião, investigar a QV e a presença de TPM é essencial no sentido de ajudá-los a se conhecerem melhor, bem como de orientá-los a procurar alternativas que melhorem sua QV no contexto em que vivem.
Entre os assuntos pesquisados, estavam disponíveis várias pesquisas de QV e TPM. Já em relação aos religiosos, destacaram-se os seguintes trabalhos: o primeiro investigou o estresse ocupacional e a QV em clérigos; o segundo investigou a prevalência de transtornos mentais em ministros religiosos; e o terceiro estudou a instituição Seminário Católico e a possível subjetividade eclesiástica que se produz no seu contexto institucional. Não foram encontrados trabalhos específicos sobre os seminaristas e sua qualidade de vida, o que expõe a vasta possibilidade de pesquisas futuras.
Entre os fatores determinantes da qualidade de vida, podem-se citar os sociais. Há muitos anos, a instituição Igreja e as Forças Armadas são referenciais de uma carreira sólida e ascensão social. Ambas permitem ao indivíduo, além de ter moradia, alimentação e estabilidade consolidada, exercer também um papel social de liderança, poder e cidadania. O ingresso no seminário representa uma importante ocasião de promoção socioeconômica pela qual é possível cursar uma ou duas faculdades gratuitamente, ficar livre do trabalho remunerado, passar a viver em uma cidade maior, com clima cultural e social urbano, e residir em instalações do nível da classe média.
A vocação sacerdotal pode surgir como possibilidade para um jovem em busca de um projeto de vida significativo e promissor em diversos sentidos. Os indivíduos das classes C/D vêm de uma condição de privações materiais e oportunidades, as quais são ofertadas no seminário. Os resultados da pesquisa confirmaram que a classe econômica, analisada pelas variáveis sociodemográficas, correlaciona-se com o WHOQOL-100 no domínio meio ambiente, mostrando menor QV nas classes C/D (68% dos seminaristas).
De acordo com o resultado da pesquisa, pode-se constatar que o fator religiosidade, isoladamente, não contribui para baixa prevalência dos transtornos psíquicos menores entre os seminaristas católicos, haja vista que em todos os domínios do WHOQOL-100 a QV foi boa.
No estudo foi encontrada uma prevalência de 19,1% de TPM, que, apesar de não ser estatisticamente significante, assemelhou-se com a prevalência encontrada em outros grupos populacionais (Moore, 1936; Lima et al., 1996; Neto, 1997; WHO, 2000).
O número de horas dormidas afetou a QV dos seminaristas no domínio relações sociais do WHOQOL-100. A pesquisa constatou que os seminaristas dormem em média 6,43 horas, ao passo que um adulto jovem dorme em média 8 horas (Kryger et al., 1999 apud Souza & Guimarães, 1999), o que pode sugerir um excesso de carga horária de estudos em detrimento de atividades de lazer.
Esta pesquisa não pretendeu esgotar as discussões referentes à QV e ao sofrimento mental nesse segmento. Muito pelo contrário, abre um leque de questionamentos: Qual a motivação que leva o indivíduo a entrar no seminário católico (religiosa, financeira, segurança, pressão familiar, promessas)? Qual era o índice de QV antes e depois do início dos estudos no seminário católico? O índice detectado de sofrimento mental na pesquisa foi estatisticamente irrelevante. Entretanto, qualitativamente, o que esse índice pode influenciar nas atitudes posteriores ao ordenamento? Essas questões permitem que outras pesquisas sejam realizadas, a fim de contextualizar a figura do seminarista, contribuindo assim para a prevenção de doenças psicopatológicas e a melhora da QV.
Referências
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Recebido: 02/10/2014
Última revisão: 02/02/2017
Aceite final: 14/02/2017
Sobre os autores:
Denisval Pereira Andrade: Psicólogo, Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). E-mail: denisval.andrade@gmail.com
José Carlos Souza: Psiquiatra, Mestre em Psicologia da Saúde pela UCDB, Doutor em Ciências Médicas na área de Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Pós-doutor em Saúde Mental pelo Instituto de Medicina Molecular, da Faculdade de Medicina, da Universidade de Lisboa - Portugal. Professor na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). E-mail: josecarlossouza@uol.com.br
Mirna Torres Figueiró: Psicóloga, Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). E-mail: mirnatorresfigueiro@hotmail.com
Karina Oliveira Andrade: Psicóloga, Mestre em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro – Oeste pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail:
karina.andrade92@hotmail.com
Vinicius Oliveira Andrade: Médico pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: viniciusandrademed@gmail.com
1 Os diáconos são homens que recebem o sacramento da ordem no grau de diaconato. Eles não têm permissão para celebrar eucaristia, não fazem confissões nem a unção dos enfermos. Tornam-se sacerdotes a partir dos 25 anos de idade. Podem ser solteiros ou casados e, neste último caso, devem ser casados antes de se ordenarem diáconos. O diácono permanente, caso seja solteiro, fará celibato para o resto da vida; se for casado, espera-se a estabilidade no matrimônio e deve ter o apoio da esposa (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB], 1995).
2 Adotou-se o Critério Padrão de Classificação Econômica Brasil, que estima o poder de compra das pessoas e famílias urbanas. Essa variável foi comparada, no domínio meio ambiente do WHOQOL.
3 O conceito de coping pode ser entendido como a forma peculiar de cada indivíduo para lidar com crises e adversidades. O sucesso no cumprimento de importantes tarefas de desenvolvimento reflete boas habilidades de coping. Assim sendo, o uso de estratégias de coping eficientes na redução do estresse e na consequente adaptação do indivíduo no seu ambiente expressam a essência do conceito de competência (Lisboa et al., 2002).
1 Endereço de contato: Av. Marechal Floriano, 843. Vila Bandeirantes, Campo Grande, MS – CEP: 79006-840. E-mail: karina.andrade92@hotmail.com
DOI: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v9i1.562