Profissionais de Saúde no Atendimento ao Usuário com Comportamento Suicida no Brasil: Revisão Sistemática
Health Professionals Taking Care of Users with Suicidal Behavior in Brazil: Systematic Review
Profesionales de Salud en la Atención al Usuario con Comportamiento Suicida en Brasil: Revisión Sistemática
Robertha Gabardo Stoppa
Ana Cláudia Nunes de Souza Wanderbroocke1
Adriano Valério dos Santos Azevêdo
Universidade Tuiuti do Paraná
Resumo
O Brasil está entre os dez países com maior número absoluto de mortes por suicídio, o que indica urgência em lidar com este tema com as equipes de atenção à saúde. Por meio de busca nas bases de dados LILACS, MEDLINE, BDENF, Index Psicologia e PePSIC, objetivou-se realizar uma revisão sistemática, no período de 2008 a 2018, referente à produção nacional de artigos sobre os profissionais de saúde no atendimento à pessoa que realizou tentativa de suicídio. Foram encontrados dez artigos: três com profissionais na atenção primária à saúde, dois artigos em Centro de Atenção Psicossocial e cinco artigos em pontos de Urgência e Emergência (UPA e Hospital Geral). A leitura dos artigos possibilitou identificar as concepções, ações e dificuldades encontradas pelos profissionais. Concluiu-se que oferecer atendimento às pessoas que tentam o suicídio ainda é um desafio, o que exige preparação e formação continuada em saúde mental.
Palavras-chave: suicídio, tentativa de suicídio, profissionais da saúde; saúde mental
Abstract
Brazil is among the ten countries with the highest absolute number of suicide deaths, which indicates urgency in dealing with this issue with health care teams. Through a search in databases LILACS, MEDLINE, BDENF, Index Psychology and PePSIC, it was aimed to carry out a systematic review, in the period from 2008 to 2018, referring to the national production of articles on health professionals in the care of the person who made a suicide attempt. We found ten articles: three with professionals in primary health care, two articles in Psychosocial Care Centers, and five articles in Urgency and Emergency points (UPA and General Hospital). Reading the articles made it possible to identify health professionals’ conceptions, actions, and difficulties. It was concluded that providing care to people who attempt suicide is still a challenge, requiring preparation and continued training in mental health.
Keywords: suicide, suicide attempt, health professionals, mental health
Resumen
Brasil se encuentra entre los diez países con mayor número absoluto de muertes por suicidio, lo que indica urgencia en lidiar con este tema con los equipos de atención a la salud. Por medio de la búsqueda en bases de datos LILACS, MEDLINE, BDENF, Index Psicología y PePSIC, se objetivó realizar una revisión sistemática, en el período de 2008 a 2018, referente a la producción nacional de artículos sobre los profesionales de salud en la atención al intento de suicidio. Se han encontrado 10 artículos con profesionales en la atención primaria a la salud, en Centros de Atención Psicosocial y en puntos de Urgencia y Emergencia (UPA y Hospital General). Fue posible identificar las concepciones, acciones y dificultades encontradas por los profesionales. Se concluyó que ofrecer atención a las personas que tratan el suicidio sigue siendo un desafío, lo que exige preparación y formación continuada en salud mental.
Palabras clave: suicidio, intento de suicidio, personal de salud, salud mental
Introdução
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP, 2014) define o suicídio como “um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que acredita ser fatal” (p. 9). Já a denominação comportamento suicida, segundo Krug, Dahlberg, Zwi e Lozano (2002), refere-se aos pensamentos de acabar com a vida, às tentativas de suicídio e ao ato em si.
A preocupação com fenômeno na atualidade é relevante, uma vez que o Brasil é considerado o oitavo país do mundo em números absolutos de mortes por suicídio (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2014). No ano de 2012, ocorreram quase 12.000 mortes, e esse número alcança uma amplitude maior no que concerne às tentativas de suicídio. Sobrepondo-se a essa estatística, faz-se importante ressaltar que o Brasil tem um problema de subnotificação, e os números registrados nos cartórios brasileiros das denominadas lesões autoprovocadas intencionalmente não condizem com a realidade (Botega, 2015; OMS, 2014).
A realidade brasileira coaduna-se ao cenário global, pois, de acordo com a OMS, em termos mundiais, estima-se que o número de suicídios chegará a 1,5 milhão de pessoas em 2020, ocorrendo uma morte a cada 20 segundos, e 15 milhões a 30 milhões de pessoas tentarão o suicídio, o que indica uma tentativa a cada 1 ou 2 segundos (OMS, 2001). Esses dados evidenciam que o suicídio representa uma temática para discussão na saúde pública e que intervenções por meio de estratégias preventivas são necessárias. Para tanto, a prevenção do suicídio demanda ações que envolvam vários setores, tais como: educação, justiça e segurança, meios de comunicação em massa e religiosos, e os serviços de saúde. É possível destacar que essas ações conjuntas de prevenção formam uma rede de cuidados, na qual cada setor contribui com a sua especificidade e potencialidade, promovendo, dessa maneira, um esforço coletivo em busca de resultados eficazes no combate ao suicídio (Bertolote, 2012).
Quando ocorre uma tentativa de suicídio, os serviços da saúde acolhem este paciente por meio dos vários dispositivos distribuídos em diferentes pontos de atenção. No Brasil, o Sistema de Atenção à Saúde (SAS) é organizado pela Rede de Atenção à Saúde (RAS), que é definida como um sistema integrado que articula de forma horizontal todos os pontos de atenção nos diferentes níveis de complexidade (primário, secundário e terciário). Mas a Atenção Básica à Saúde (ABS) representa o centro de comunicação para responder às demandas da população (Ministério da Saúde, 2014a). Entre os dispositivos da RAS que são acionados para o cuidado ao indivíduo que tenta o suicídio, encontram-se: a Atenção Hospitalar (ponto terciário – Hospitais Gerais, Urgência e Emergência); a Atenção Psicossocial Estratégica e a Atenção de Urgência e Emergência (ponto secundário – Centros de Atenção Psicossocial, Unidades de Pronto Atendimento); e a Atenção Básica em Saúde (ponto primário – Unidades Básicas de Saúde) (Ministério da Saúde, 2012). Há uma equipe multiprofissional que realiza o atendimento em momentos e dispositivos diferentes, e vários estudos apontam para a importância do preparo desses profissionais para que o paciente possa aderir ao tratamento e restabelecer a saúde mental (Cassorla, 1991; Botega, 2015; Silvia & Kohlrausch, 2016).
A Atenção Básica à Saúde (ABS), por encontrar-se no primeiro ponto da atenção primária, tem um papel estratégico no manejo do comportamento suicida, pelo fato de representar um canal de proximidade com os usuários, reconhecendo suas necessidades e demandas (Ministério da Saúde, 2012). Sendo assim, os profissionais da ABS têm a função de identificar e avaliar casos de risco de suicídio, realizar os encaminhamentos necessários para a rede de saúde mental e acompanhar o usuário na rede de atenção à saúde. No que compete aos pontos secundários e terciários, torna-se necessário o manejo em situações de crise, após uma tentativa e/ou acompanhamento de quadro psiquiátrico, para que seja possível receber, avaliar, tratar, acompanhar e encaminhar os usuários de acordo com o plano terapêutico (ABP, 2014). Neste sentido, os profissionais que efetuam atendimentos na RAS, em qualquer ponto de atenção à saúde, devem apresentar capacitação para o enfrentamento das situações referentes aos comportamentos e tentativas de suicídio dos usuários dos serviços. Para a OMS (2014), a tentativa de suicídio representa um dos fatores de maior risco para novas ocorrências, portanto, as ações dos profissionais devem ser consideradas intervenções terapêuticas para evitar a reincidência. Estudos afirmam também que a maioria dos profissionais tem muitas incertezas e indecisões sobre como proceder diante de uma situação associada ao comportamento suicida (Bertolote, 2012; Gonçalves, Silva, & Ferreira, 2015; Reisdorfer et al., 2015; Oliveira, Collarres, Noal, & Dias, 2016). Desconforto emocional e deficiência na formação acadêmica foram algumas dificuldades encontradas pelos profissionais.
Diante do exposto, a prevenção do suicídio está diretamente implicada com o atendimento e a direção ao tratamento oferecido pelos profissionais da rede de atenção à saúde. O preparo dos profissionais, seja na Atenção Básica, seja em outros dispositivos e equipamentos da rede de atenção, representa uma estratégia para auxiliar a atuação da equipe de saúde (Carvalho, 2014). A formação continuada dos profissionais envolvendo o preparo para lidar com situações de suicídio é fundamental para que as situações de risco e as tentativas sejam efetivamente manejadas por meio de práticas em equipe ou intersetoriais, criando um contexto de cuidado para que o ato suicida possa ser evitado. Um passo importante nesse sentido foi dado por meio da promulgação da Portaria 1.271, do Ministério da Saúde (2014b), que obriga a notificação compulsória tanto de casos de suspeita como de presença confirmada de doenças, agravos e eventos de saúde pública, nos serviços de saúde públicos e privados.
De acordo com as informações que foram apresentadas, é necessário compreender de que maneira os profissionais atuam mediante o comportamento suicida dos usuários no âmbito dos serviços públicos de saúde. Portanto, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática da produção de artigos empíricos referentes aos profissionais de saúde no atendimento aos indivíduos com comportamento suicida, no âmbito dos serviços públicos de saúde no Brasil. Produzir um levantamento sobre a maneira como os profissionais lidam com o tema é relevante, à medida que aponta para as práticas e as dificuldades encontradas, o que permite despertar novas reflexões e campos de investigação que possam colaborar na busca da qualidade no atendimento e na prevenção do suicídio.
Método
O método utilizado nesta pesquisa foi a revisão sistemática da literatura, que, para De-la-Torre, Takahashi e Bertolozzi (2011), é uma metodologia que possibilita identificar as melhores evidências e sintetizá-las para, dessa maneira, fundamentar propostas de mudanças, sejam na área de prevenção, sejam no diagnóstico, tratamento ou reabilitação.
A coleta de dados foi realizada de outubro a dezembro de 2018, nos bancos de dados eletrônicos LILACS, MEDLINE, BDENF, Index Psicologia e PePSIC. Foram utilizados os descritores “Suicídio” e “Profissionais de Saúde”, em conjunto, no idioma português. Os critérios de inclusão foram: trabalhos publicados em português brasileiro oriundos de pesquisas realizadas no Brasil, artigos completos e empíricos. Os critérios de exclusão foram: artigos de revisão, dissertações, teses, livros, estudos de caso e artigos nos quais os participantes pesquisados não pertenciam à RAS.
Utilizou-se a recomendação internacional − Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA − disponível em: www.prisma-statement.org) − no processo de identificação, seleção e elegibilidade dos artigos, com o propósito de atender a critérios de qualidade. A primeira autora deste estudo selecionou os artigos para a revisão e os outros dois autores avaliaram a seleção realizada. Realizou-se a leitura do título e objetivo dos artigos para a categorização temática, assim, utilizou-se a análise temática para a construção de categorias (Bardin, 2002). Na próxima etapa, ocorreu a leitura integral dos artigos para a escrita de resultados. A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de busca e seleção dos artigos.
Figura 1. Fluxograma do processo de busca e seleção dos artigos.
Resultados
A partir da leitura dos artigos na íntegra, optou-se por organizar a análise dos resultados segundo os diferentes pontos de atenção à saúde, o que possibilitou a construção de três categorias, as quais integram pesquisas realizadas com: a) profissionais das Unidades Básicas de Saúde (UBS), b) dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e c) dos Hospitais de Atendimento em Urgência e Emergência e Unidades de Pronto Atendimento (UPA). A primeira categoria reuniu três artigos; a segunda, dois artigos; e a terceira, cinco artigos. Mesmo que hospitais de Urgência e Emergência e UPA constituam pontos diferentes na atenção à saúde, no caso de comportamento suicida ambos desempenham a mesma função − de intervir no momento de crise; portanto, foram considerados na mesma categoria. Em seguida, os dados relacionados às concepções, ações e dificuldades dos profissionais diante do comportamento suicida foram organizados e discutidos baseando-se na literatura da área da saúde.
A Tabela 1 apresenta a relação dos dez artigos que compõem o corpus de análise deste trabalho.
Tabela 1
Artigos Incluídos na Revisão Sistemática
Título do Artigo |
Ano de Publicação |
Local da Pesquisa |
Ponto de Atenção |
Atendimento ao comportamento suicida: concepções de enfermeiras de unidades de saúde |
2008 |
Unidade Básica de Saúde (UBS) |
Atenção Primária |
Atendimento ao usuário com comportamento suicida: a visão dos agentes comunitários de saúde |
2008 |
Unidade Básica de Saúde (UBS) |
Atenção Primária |
Nem doente, nem vítima: o atendimento às lesões autoprovocadas |
2009 |
Hospital Público de Emergência |
Atenção Terciária |
Ação dos profissionais de um centro de atenção psicossocial diante de usuários com tentativas e risco de suicídio |
2012 |
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) |
Atenção Secundária |
Tentativas de suicídio e profissionais de saúde: significados possíveis |
2014 |
Emergência Hospitalar e Unidade de Pronto Atendimento (UPA) |
Atenção Terciária e Secundária |
Suicídio na voz de profissionais de enfermagem e estratégias de intervenção diante do comportamento suicida |
2015 |
Hospital Geral |
Atenção Terciária |
Comportamento suicida: percepções e práticas de cuidado |
2015 |
Hospital Regional |
Atenção Terciária |
Percepções de uma equipe de saúde mental sobre o comportamento suicida |
2016 |
Hospital Universitário |
Atenção Terciária |
Atitudes dos profissionais da saúde em relação ao comportamento suicida |
2018 |
Unidade Básica de Saúde (UBS) |
Atenção Primária |
Aproximações e distanciamentos ao suicídio: analisadores de um serviço de atenção psicossocial |
2018 |
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) |
Atenção Secundária |
Dos dez artigos selecionados, dois foram publicados em 2008, um em 2009, um em 2012, um em 2014, dois em 2015, um em 2016 e dois em 2018, como pode ser observado na Tabela 1. Neste conjunto, os participantes foram os mais variados, sendo agentes comunitários de saúde (n = 169), enfermeiros (n = 60) e médicos (n = 53) os profissionais que mais participaram nos estudos. Os demais profissionais da saúde entrevistados foram: técnicos de saúde (n = 28), psicólogos (n = 15), assistentes sociais (n = 11), auxiliares de enfermagem (n = 4), técnicos de enfermagem (n = 4), terapeuta ocupacional (n = 2), nutricionista (n = 1), educador físico (n = 1). Um dos estudos teve seis diretores de hospital como participantes, sem ter sido especificada a formação deles, e, em outra pesquisa, participaram agentes comunitários de saúde, mas sem que a quantidade fosse mencionada. Um estudo realizado em um CAPS incluiu, além dos profissionais da saúde, oficineiros (n = 5), auxiliares de higienização (n = 2), recepcionistas (n = 2), pedagoga (n = 1), cozinheiro (n = 1) e motorista (n = 1). Em outro, também em CAPS, foram realizadas quatro rodas de conversa sem que o número total de integrantes fosse mencionado (Cescon, Capozzolo, & Lima, 2018).
Os campos de estudo para a realização das pesquisas distribuíram-se entre 23 Unidades Básicas de Saúde (Abreu, Kohlrausch, & Lima, 2008; Storino et al., 2018), um CAPS II (Heck et al., 2012), um CAPS III (Cescon et al., 2018), e os demais em pontos de atenção no atendimento de Urgência e Emergência, sendo quatro em Hospitais e um em uma Unidade de Pronto Atendimento (Freitas & Borges, 2014; Gonçalves et al., 2015; Oliveira et al., 2016; Machin, 2009; Reisdorfer et al., 2015). Kohlrausch, Lima, Abreu & Soares (2008) mencionam terem coletado dados em UBS, mas não especificaram em quantas. Quanto à localização geográfica, seis estudos foram realizados na região sul do Brasil, sendo cinco no Rio Grande do Sul (Abreu et al., 2008; Heck et al., 2012; Kohlrausch et al., 2008; Oliveira et al., 2016; Reisdorfer et al., 2015) e um em cidade não especificada (Freitas & Borges, 2014), um na cidade de São Paulo (Machin, 2009), um em um município do estado de São Paulo (Cescon et al., 2018), um no estado de Minas Gerais (Storino et al., 2018) e um no estado de Pernambuco (Gonçalves et al., 2015).
A metodologia empregada foi quantitativa em um artigo, com aplicação de questionário (Storino et al., 2018), e nos demais foi qualitativa, sendo a coleta de dados feita por meio de entrevistas semiestruturadas. Dois estudos associaram entrevistas com observação (Heck et al., 2012; Gonçalves et al., 2015); Machin (2009) usou observação e análise de prontuários, além das entrevistas; e Cescon et al.(2018) utilizaram, além das entrevistas, análise documental, análise de fluxo de atendimentos, observação e rodas de conversa, caracterizando metodologia mista, documental, cartográfica e pesquisa intervenção.
Profissionais das Unidades Básicas de Saúde
No estudo de Kohlrausch et al. (2008), foram realizadas entrevistas com 12 enfermeiras que atuam em UBS com o objetivo de analisar as concepções, assim como as dificuldades encontradas e as ações desenvolvidas com os usuários que apresentavam comportamento suicida. As entrevistadas relataram que esse comportamento se deve à vulnerabilidade socioeconômica ou geracional, tais como miséria, problemas familiares, prostituição, depressão e uso de crack. Em especial no que concerne aos idosos, o isolamento social foi apontado como o principal fator de risco para o suicídio.
As ações das enfermeiras englobam encaminhamento e prevenção. Relataram que encaminham os usuários que tentaram o suicídio para um serviço de pronto-atendimento de referência que atende emergências em saúde mental no município, contudo, é mais comum a procura direta a esse serviço. No entanto, as entrevistadas expõem as dificuldades na contrarreferência dos profissionais especializados em saúde mental, por não haver o reencaminhamento do usuário à UBS para a continuidade dos cuidados. Assim, são os agentes comunitários de saúde que realizam a busca ativa das informações sobre o atendimento que foi realizado no serviço de emergência em saúde mental, o que ocorre por meio de visitas domiciliares aos usuários.
Quanto às ações preventivas realizadas pelas enfermeiras, destacaram-se: escuta e acolhimento; orientação aos familiares que tiveram vítima de tentativa de suicídio e agendamento de consultas médicas; acompanhamento por meio de visitas domiciliares ou consultas de enfermagem; identificação do risco de suicídio; auxílio ao uso das medicações; orientações de não deixar o usuário em risco desacompanhado; conscientização da comunidade sobre problemas de saúde mental; verificação de histórias prévias de comportamento suicida e incentivo à socialização; estudo de casos para identificar as causas do alto índice de suicídio; planejamento grupal de saúde mental para usuários e familiares; e orientações aos agentes comunitários de saúde sobre o problema.
Já entre as dificuldades encontradas pelas profissionais, destacam-se: a falta de organização da equipe para atender à demanda de saúde mental; poucos leitos para internações psiquiátricas; falta de transporte adequado para remoção de pacientes que apresentam surtos psiquiátricos, de profissionais habilitados que realizam a segurança da equipe de saúde, de farmácia distrital para distribuição dos medicamentos necessários ao tratamento dos distúrbios mentais; falta de medicamentos; estrutura física precária; ausência de auxiliar administrativo; e quadro de funcionários reduzido. Além disso, as enfermeiras relacionaram outras dificuldades: a falta de envolvimento familiar para auxiliar no tratamento dos usuários com tentativas de suicídio; a existência de problemas para a prevenção de agravos em saúde mental; e a baixa adesão aos grupos, o que pode estar associado com estigma e preconceito da comunidade com pessoas com transtornos mentais, ainda vistos com o estereótipo de “loucura”. Relataram também a ausência de uma formação que possibilite a capacitação para identificar e abordar os usuários com comportamento suicida, o que provoca angústia e dificulta a resolução de problemas diagnosticados na comunidade.
No segundo estudo analisado, foram entrevistados agentes comunitários de saúde (ACS), com objetivo de descrever o manejo prestado aos usuários com comportamento suicida nas Unidades Básicas de Saúde (Abreu et al., 2008). Constatou-se que esses profissionais conceituam o comportamento suicida como pedido de auxílio, e os fatores que mais influenciam são o uso de drogas, álcool, situações mal resolvidas no decorrer da vida, depressão, violência, fome, perda de pessoas queridas, desigualdade, transtornos mentais na família e doenças clínicas. Esses profissionais entendem a gravidade do comportamento suicida e o papel do trabalho que realizam para a sua prevenção, pela razão de estarem próximos aos usuários e poderem identificar fatores de risco. Foram apresentadas as seguintes ações preventivas: escuta e acolhimento, a comunicação entre a equipe de saúde, visitas domiciliares com periodicidade, encaminhamento e verificação da frequência das consultas marcadas.
Entre as dificuldades encontradas, foram destacadas: a sobrecarga de tarefas pelo motivo de quadro reduzido de profissionais − o que dificulta o acompanhamento próximo aos familiares de usuários com comportamento suicida; falta de reconhecimento da importância da atuação ante a comunidade; falta de estrutura para atender às demandas em saúde mental, pelo fato de que faltam CAPS e vagas destinadas à internação psiquiátrica nos hospitais gerais. Um obstáculo no atendimento foi apresentado: as famílias que negam o problema e, por vezes, chegam a apresentar resistência às visitas dos ACS. Além disso, os profissionais revelam que não se sentem capacitados em suas formações profissionais para atendimento em saúde mental, o que gera medo para realizar abordagens com os usuários com comportamento suicida.
No terceiro estudo, Storino et al. (2018) obtiveram resposta de 252 profissionais da saúde de 19 UBS em Barbacena, MG. Entre os principais achados, está o fato de que médicos e enfermeiros foram os profissionais que tiveram mais contato com usuários que tentaram suicídio. Esses profissionais também expressaram sentir maior capacidade para lidar com os casos de tentativas do que os demais profissionais. Os homens apresentaram maior escore que as mulheres quanto à capacidade de lidar com casos de tentativas e atos suicidas. Outro dado relevante foi que, quanto maior a idade dos profissionais, maior a tendência de se sentirem capazes para manejar casos de comportamento suicida.
Profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
No que se refere ao CAPS, consta a pesquisa realizada por Heck et al. (2012) no estado do Rio Grande do Sul, em que foram entrevistados 26 profissionais de saúde. Estes informaram que o comportamento suicida representa um momento de crise e de sofrimento mental, sendo necessário intervenções urgentes, uma vez que o risco para o suicídio é visto como prioridade ao atendimento. Por ser o suicídio considerado um problema social, a proposta do CAPS pesquisado baseia-se no trabalho em equipe, no qual todos se mobilizam para proporcionar atendimento integral aos usuários e familiares que procuram este serviço de saúde. A equipe multiprofissional trabalha na perspectiva interdisciplinar ao aproximar ações e tem proporcionado, na opinião dos participantes, resultados positivos na redução da mortalidade por suicídio.
Entre as ações destacadas pela equipe profissional, evidencia-se o trabalho pautado na humanização, o que confere respeito, preservação e valorização das singularidades manifestadas pelos usuários. Da mesma maneira, aponta-se para a importância de manter laços com o usuário e a família dentro do contexto comunitário, por meio de visitas domiciliares e busca ativa, que, além de permitir conhecer a realidade das pessoas em seus ambientes residenciais, aproxima a comunidade ao CAPS, estimulando a participação de todos no processo saúde-doença. As dificuldades apontadas, por sua vez, correspondem àquelas inerentes ao próprio processo de lidar com um tema delicado, como a responsabilidade de atuação em equipe, que pode fazer a diferença para salvar vidas.
No estudo de Cescon et al. (2018), realizado em um CAPS III em um município de São Paulo, o resultado da análise dos dados dos prontuários, dos fluxos de atendimentos, dos diários de campo, das entrevistas e das rodas de conversa foram reunidos em temas. Foi identificado que não havia espaço de pronta-escuta ao usuário que buscava o serviço; era frequente o encaminhamento para outros pontos de atenção e era mais comum a oferta de avaliação médica. Os profissionais relacionavam o suicídio tanto ao sofrimento por questões psicossociais como a transtorno psiquiátrico, com maior oferta de medicalização do que escuta. Apontaram como dificultadores da aproximação ao usuário com comportamento suicida: a falta de pessoal, sobrecarga de tarefas e alta demanda de atendimentos, sofrimento do profissional diante de tais casos e dificuldade de formação de rede de atenção psicossocial. Em um segundo momento, foram organizadas rodas de conversa para o compartilhamento dos dados iniciais, as quais mobilizaram os profissionais a repensar suas práticas e, como consequência, retomar os espaços de educação permanente, a fim de repensar as ofertas de atenção psicossocial, com a valorização da escuta e do acolhimento.
Profissionais de Hospitais em Urgência e Emergência e UPA
Nesta revisão sistemática, a maioria das pesquisas encontradas foi realizada nos serviços da rede de urgência e emergência, pela razão de estes pontos de atenção realizarem atendimento a indivíduos que tentaram suicídio, prestando os socorros imediatos. Foram identificados cinco artigos, um realizado em um hospital público de emergência, na cidade de São Paulo (Machin, 2009), uma pesquisa em um serviço de urgência (UPA) e de emergência hospitalar em um município no sul do Brasil (Freitas & Borges, 2014), um realizado com profissionais que atuam em unidades de internação, clínica e cirúrgica, e na unidade de urgência em um hospital geral no estado do Rio Grande do Sul (Reisdorfer et al., 2015), um no hospital regional de emergência em Pernambuco (Gonçalves et al., 2015) e uma pesquisa em um Hospital Universitário no Rio Grande do Sul (Oliveira et al., 2016).
Os profissionais de saúde compreendem que o suicídio representa o desfecho de um sofrimento, ato de desespero, desesperança, conflitos de relacionamento ou uma forma de pedir ajuda (Freitas & Borges, 2014; Reisdorfer et al., 2015), associado a transtornos mentais, tais como depressão, esquizofrenia e abuso de drogas (Freitas & Borges, 2014; Gonçalves et al., 2015; Reisdorfer et al., 2015). Foram também associados ao ato de tentar o suicídio: chamar atenção; um gesto para impressionar; falta de perspectivas no futuro; fragilidade da rede de apoio e atenção; e ato de coragem (Freitas & Borges, 2014). Alguns profissionais percebem a tentativa de suicídio como uma expressão de alguém que optou por isso. Para esses profissionais, os usuários não foram identificados como “doentes” e, por isso, foram vistos como aqueles que atrapalham o atendimento de pacientes que, efetivamente, merecem atenção e cuidado (Machin, 2009).
As práticas de cuidado realizadas no atendimento estão mais direcionadas à estabilização dos sinais vitais e procedimentos como lavagem gástrica, acesso venoso e processo medicamentoso (Gonçalves et al., 2015; Machin, 2009). Foram também identificadas outras ações: realizar anamnese, conversar, verificar os motivos do comportamento suicida, minimizar o sofrimento da família, avaliar e classificar o risco para novas tentativas e, se necessário, solicitar apoio de outros serviços especializados da rede (Oliveira et al., 2016; Reisdorfer et al., 2015). Outro estudo indicou que as condutas realizadas pelos profissionais se referem à avaliação do funcionamento psicossocial do paciente e acolhimento; muitas vezes, a intervenção ocorre durante o processo de avaliação, além de uma vigilância contínua e monitoramento pós-alta (Oliveira et al., 2016).
O deficit na formação profissional que não capacita para o atendimento adequado diante de tentativas de suicídio representou a principal dificuldade dos profissionais (Gonçalves et al., 2015; Oliveira et al., 2016; Reisdorfer et al., 2015). Da mesma maneira, foram relatadas dificuldades em lidar com a temática do suicídio em saúde mental, o que gera insegurança no atendimento. Além disso, preocupação, impotência, ansiedade, angústia, tristeza, frustração, indignação, perda e receio (Oliveira et al., 2016) também são citados, o que permite uma reflexão sobre os mistérios que giram em torno do comportamento suicida, para aliviar a sensação de inconformismo por alguém ter decidido pela morte (Reisdorfer et al., 2015).
Foram identificadas, em alguns estudos, atitudes de preconceito, discriminação e indiferença, como: atribuir a tentativa de suicídio à falta de Deus, à histeria ou a uma atitude de escolha pessoal, ou por ser vinculado a transtorno mental (Freitas & Borges, 2014; Gonçalves et al., 2015; Machin, 2009).
Discussão
Diante do fato de terem sido localizados apenas dez artigos sobre a abordagem de profissionais da saúde ao suicídio, é possível inferir que se trata de um tema pouco pesquisado no âmbito nacional. Esse dado merece ser mais bem compreendido, uma vez que é no contexto da saúde que ações de prevenção têm amplo espaço para serem implementadas e é onde se recebem os casos de tentativas de suicídio. Portanto, há necessidade de estudos, principalmente aqueles voltados para avaliação de projetos e cursos realizados com profissionais de saúde nos diferentes pontos de atenção.
Com relação às concepções sobre o comportamento suicida apontadas pelas enfermeiras (Kohlrausch et al., 2008) e pelos agentes comunitários de saúde (Abreu, Kohlrausch, & Lima, 2008) que estão na atenção primária, encontraram-se questões de ordem social, como dificuldades socioeconômicas, problemas familiares e também dificuldades provenientes de transtornos mentais, como a depressão ou o uso de substâncias psicoativas, como entre os profissionais de um CAPS III (Cescon et al., 2018). Da mesma maneira, profissionais pesquisados nas unidades de urgência e emergência (Freitas & Borges, 2014; Gonçalves et al., 2015; Reisdorfer et al., 2015) associam o comportamento suicida às dificuldades de sofrimento mental. Esses resultados estão compatíveis com as informações apresentadas por Botega (2015), pois ele destacou que os transtornos mentais, tais como depressão, esquizofrenia, dependência de drogas e transtorno bipolar, foram os mais encontrados nos casos de suicídio, o que implica alto grau de risco para o ato. Ainda segundo este mesmo autor, não se trata de afirmar que pessoas com transtornos mentais vão se suicidar, entretanto, há uma constatação de que uma doença mental aumenta a vulnerabilidade e está presente na quase totalidade dos casos de suicídios. Essa constatação, se malcompreendida pelos profissionais, pode resultar em práticas que rotulam e desqualificam a pessoa, além de atribuir-lhe toda a carga de estigmas, como frisam Gonçalves et al. (2015).
As enfermeiras entrevistadas também apontam que o isolamento social dos idosos representa um fator desencadeante para o suicídio. Conte, Cruz, Silva, Castilho e Nicolella et al. (2015), em uma pesquisa realizada com idosos que tentaram suicídio, ressaltaram que a falta de espaço para compartilhar suas histórias e o esvaziamento da subjetividade, em razão de não serem mais vistos como sujeitos de desejos e sentimentos, podem propiciar o ato suicida. É necessário, segundo as autoras, políticas públicas que promovam o envelhecimento ativo e integrem os idosos em processos familiares, comunitários e sociais, tendo em vista que os maiores índices mundiais de suicídio consumados ainda estão entre idosos. Por outro lado, há estudos identificando que a população infantojuvenil apresenta maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de comportamento suicida, por considerarem os conflitos que são vivenciados nas relações familiares e sociais (Schösser, Rosa, & Moré, 2014). Assim, é importante verificar os fatores de risco e de proteção para que isso auxilie os profissionais de saúde no atendimento ao usuário e à família.
Machin (2009), em sua pesquisa que abordou as concepções e práticas dos profissionais diante de uma tentativa de suicídio em um hospital público de emergência na cidade de São Paulo, observou como há uma insistência na inteligibilidade da doença que surge no “corpo” e como um evento “acidental” (não intencional). Aqueles que ingressam no hospital em busca de atendimento emergencial por terem realizado alguma agressão autoprovocada, tais como abuso por droga ou álcool, tentativa de aborto ou de suicídio, não se enquadram na lógica biomédica do adoecer. Esses usuários não são vistos pela equipe de saúde como pessoas que legitimamente necessitam de atendimento hospitalar, mas que houve uma “opção”, uma “escolha” em estar no hospital precisando de cuidados. Isso acarreta uma dicotomia entre pacientes que merecem atenção e aqueles que atrapalham o fluxo do atendimento, podendo os pacientes com esse perfil serem tratados com desprezo ou até agressividade. A pesquisa da autora aponta para a prevalência do modelo biomédico que tem por base o corpo como lócus privilegiado da doença e voltado para as práticas reparadoras de lesões ou disfunções. A tentativa de suicídio não tem a legitimidade de “doença” em razão de ser um efeito de uma escolha, descaracterizando as vivências psicológicas ou sociais daqueles que estão em sofrimento psíquico (Machin, 2009).
Sobre esse aspecto, Cassorla (1991) relatou que, na formação profissional, há um excesso de cientificismo, de procura da relação causa-efeito, o que colabora para a negligência da sensibilidade e intuição, que são tão necessárias aos cuidados profissionais. Como também observaram Gonçalves et al. (2015), as práticas de cuidado com esses pacientes acabam por vezes se limitando à estabilização dos sinais vitais, lavagens gástricas, acesso venoso, entre outros, ou seja, são socorridos clinicamente, sem que haja um olhar da integralidade do cuidado. Desta forma, privilegiam-se práticas que pouco envolvem reflexão sobre o significado das tentativas de suicídio e que são focadas em protocolos exclusivamente direcionados à saúde orgânica e com enfoque curativo. Mediante tais práticas instituídas, existe o risco de não se efetuar o encaminhamento do paciente para a rede de atenção em saúde mental, tampouco o acolhimento necessário para um atendimento humanizado ao sofrimento psíquico.
Identificar as concepções sobre determinado fenômeno é importante por sua direta relação com as ações executadas. Nesse sentido, as ações preventivas relatadas pelos enfermeiros das Unidades Básicas de Saúde (Kohlrausch et al., 2008), assim como pelos agentes comunitários (Abreu et al., 2008), estão em acordo com os princípios da OMS (2014) que apontam para a importância do acolhimento, da escuta, cuidados com os familiares e identificação dos fatores de risco e de proteção àqueles que se encontram vulneráveis ao sofrimento psíquico. Brás, Cruz e Saraiva (2014) apontam que cerca de 75% das pessoas que cometeram suicídio consultaram um profissional da atenção primária no ano anterior da sua morte, o que denota que a acolhida e a escuta promovida podem fazer a diferença e evitar uma morte por suicídio.
Os profissionais do CAPS (Heck et al., 2012) apontam, em meio às ações realizadas ante uma pessoa com tentativa de suicídio, a importância de uma equipe multidisciplinar que trabalhe de forma integrada entre si e junto da família e da comunidade em que estão inseridos. Há uma valorização da heterogeneidade do ser humano, buscando, por meio de sua história pessoal, os motivos que o levaram a cogitar o suicídio. Quando os pacientes são escutados e acolhidos sem preconceitos ante o comportamento suicida, pode-se prevenir que essa atitude se repita, pois o CAPS, na opinião dos participantes, oferece uma escuta ativa e humanizadora para o sofrimento humano. O Ministério da Saúde (2012), assim como a OMS (2014), aponta para a importância de eliminar os estigmas perante o comportamento suicida; da mesma maneira, entendem que a parceria entre os vários profissionais e setores pode garantir um atendimento eficaz àquele que está em sofrimento psíquico. A ABP (2014) pontua que os CAPS, assim como os Hospitais de Urgência e Emergência (geral e/ou psiquiátrico), representam espaços fundamentais para as pessoas que estão em crise após uma tentativa de suicídio, sendo imprescindível que a acolhida e o tratamento sejam de qualidade, para reduzir o risco de novas tentativas. Porém, Cescon et al. (2018) não identificaram tais práticas em seu estudo realizado em um CAPS, evidenciando a distância entre conhecimento teórico dos profissionais e a oferta de atendimentos para os usuários da RAS.
Os estudos realizados por Kohlrausch et al. (2008), nas Unidades Básicas de Saúde, e por Cescon et al. (2018), em um CAPS, apontam que há dificuldades no processo de referência e contrarreferência quando não conseguem encaminhar e/ou acompanhar as pessoas que foram encaminhadas para a rede de atenção em saúde mental. Isso se opõe à proposta do Ministério da Saúde (Brasil, 2012), que determina que os profissionais de diversas áreas do conhecimento e em diferentes dispositivos de atenção à saúde devem trabalhar de maneira integrada, oferecendo práticas e saberes para resoluções das demandas da população. Da mesma maneira, quando um profissional identifica risco de suicídio e ao mesmo tempo surgem obstáculos para encaminhamentos, isso gera sentimento de angústia e desamparo, além do receio de se sentir responsável caso o suicídio se efetive, dado em consonância ao exposto por Botega (2015). As entrevistadas também apontaram para falhas no sistema de saúde, tais como falta de leitos e transporte para os pacientes.
A OMS (2014) pontua que um dos principais fatores de risco para o ato suicida é a dificuldade de acesso à atenção em saúde mental; ou seja, quando não há políticas públicas efetivas para direcionar o tratamento às pessoas com sofrimento mental, o risco de reincidência aumenta. A OMS (2000) afirma que os profissionais da atenção básica à saúde, por terem um contato próximo com a comunidade e formarem um elo entre a população e o sistema de saúde, estão em um lugar privilegiado para trabalhar com aqueles que apresentam comportamento suicida. Segundo a ABP (2014), os profissionais da atenção primária têm a função de identificar e avaliar casos de risco; manejar casos de baixo risco; e encaminhar e acompanhar, na rede de saúde mental, os casos que necessitam de cuidados especiais. Porém, é certo que as ações só serão efetivas mediante uma rede de equipamentos de saúde estruturada, do ponto de vista material e de investimento na capacitação continuada dos profissionais. Diante da falta de recursos materiais, pouca disponibilidade de tempo e disposição será dispensada ao acolhimento, escuta e comunicação, situação na qual a saúde mental dos usuários tende a ser negligenciada.
Uma dificuldade inerente encontrada nas pesquisas abordadas, seja na atenção primária (Abreu et al., 2008; Kohlrausch et al., 2008; Storino et al., 2018), seja na secundária (Cescon et al., 2018) ou nos pontos de Urgência e Emergência (Freitas & Borges, 2014; Gonçalves et al., 2015; Oliveira et al., 2016; Machin, 2009; Reisdorfer et al., 2015), refere-se ao deficit na formação profissional para o enfrentamento da temática suicídio. Isto representa um elemento gerador de insegurança e desconforto emocional. Quando os profissionais recebem um preparo que possibilita desenvolver habilidades para o manejo desse tema complexo, a probabilidade de o paciente aderir ao tratamento aumenta, afastando-o de riscos iminentes ou futuros (Brás, Cruz, & Saraiva, 2014).
Há de se considerar que os desafios em abordar o comportamento suicida são um dos aspectos da dificuldade em se lidar com a saúde mental, principalmente pelos profissionais oriundos de áreas nas quais os procedimentos técnicos são mais valorizados, como os profissionais vinculados a serviços de urgência e emergência (Freitas & Borges, 2014; Gonçalves et al., 2015; Oliveira et al., 2016; Machin, 2009; Reisdorfer et al., 2015). Entretanto, esta dificuldade também pode ser identificada quando os profissionais da atenção primária mencionam a baixa adesão dos usuários e familiares aos grupos de saúde mental (Kohlrausch et al., 2008), que acabam sendo mais associados à doença do que a espaços promotores de saúde. Mesmo a pesquisa realizada em um CAPS aponta para a dificuldade em se trabalhar em equipe (Heck et al., 2012), apesar de a organização desses serviços proporcionar maior proximidade entre profissionais e usuários.
Considerações Finais
O objetivo deste artigo foi realizar um levantamento das pesquisas empíricas referentes aos profissionais de saúde e ao atendimento às pessoas com comportamento suicida. As concepções, ações e as dificuldades destacadas pelos profissionais de saúde nos diferentes pontos de atenção à saúde permitem evidenciar a necessidade de formação continuada e de efetivação de políticas públicas. Ainda que o suicídio seja considerado problema de saúde pública, esta pesquisa indica que tem sido realizadas poucas pesquisas com os profissionais da saúde, estes que são os principais agentes de cuidado à saúde da população. Compreender a maneira pela qual os profissionais têm se posicionado diante desta questão é fundamental na orientação de políticas públicas eficazes. O número limitado de estudos restringe sobremaneira o conhecimento, ainda mais se for levada em consideração a complexidade da RAS.
Apesar da limitação na quantidade de artigos analisados, considera-se que a escolha de metodologias qualitativas é adequada para se levantar concepções, descrição de ações e possíveis preconceitos e/ou dificuldades por parte dos profissionais diante do comportamento suicida. Por outro lado, entende-se que os resultados poderiam ser ampliados e aprofundados por meio da triangulação de dados, ou seja, utilizar outras estratégias ou técnicas de coleta de dados para complementar aqueles das entrevistas semiestruturadas. Um exemplo seria comparar os dados de entrevista sobre as ações em relação ao comportamento suicida com observação das rotinas dos serviços ou registro em prontuário sobre a sua realização. Este procedimento foi encontrado em apenas quatro estudos (Machin, 2009; Heck et al., 2012; Gonçalves et al., 2015; Cescon et al., 2018).
A presente pesquisa esclarece também que o suicídio é um desafio para os profissionais que lidam com essa demanda em seus ambientes de trabalho. Tal desafio foi identificado nas precárias condições de infraestrutura e de pessoal, na falta de leitos hospitalares para internamento, quantidade insuficiente de profissionais para acolher a demanda e lacunas na formação profissional para rastrear, identificar precocemente ideações suicidas e tratar integralmente as tentativas de suicídio. Além disso, identificou-se a subutilização de práticas intersetoriais (que articulem setores como saúde, assistência social, educação, entre outros) fundamentais para a abordagem de um fenômeno complexo como o suicídio.
Este panorama mantém os profissionais da saúde mais direcionados às práticas voltadas à saúde do corpo que, apesar de fundamentais para a manutenção da vida, não são suficientes para a abordagem integral ao comportamento suicida. O cenário de dificuldades apresentado pelos profissionais encobre a necessidade, também apontada nos estudos revisados, de desmistificar o tema, proporcionar um espaço de apoio aos pacientes e seus familiares, realizar um trabalho de equipe interdisciplinar e promover a participação comunitária, práticas fundamentais para gerar cuidados satisfatórios.
Devido ao crescente impacto que o suicídio vem causando nas estatísticas mundiais, este estudo também evidencia que novas pesquisas que abordem o comportamento suicida na rede de saúde pública brasileira são fundamentais. Sugerem-se novos estudos de revisão que ampliem a busca realizada no presente artigo, no que se refere às bases de dados, assim como novos estudos empíricos, para que se possa avançar na potencialização dos serviços que prestam assistência à população.
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Recebido em: 07/06/2018
Última revisão: 22/07/2019
Aceite final: 31/07/2019
Sobre os autores:
Robertha Gabardo Stoppa: Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Atua como Psicóloga em um Centro de Atenção Psicossocial da Prefeitura Municipal de Curitiba-PR. E-mail: rgstoppa@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3991-7102
Ana Cláudia Nunes de Souza Wanderbroocke: Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). E-mail: anawdb@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2876-5326
Adriano Valério dos Santos Azevêdo: Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). E-mail: avazevedo@utp.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0238-3423
1 Endereço de contato: Rua Professor Sydnei Antonio Rangel Santos, 238, Curitiba, PR, CEP: 82010-330. E-mail: ana.wanderbroocke@utp.br
doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.vi.1065